Enquanto isso, do outro lado da poça…

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Aqui no Brasil, fazendo uma associação com um velho ditado que “o mar não está pra peixe”, chegamos a um resultado com sentido muito similar que ficaria mais ou menos assim: “A montanha não está pra montanhista”. Com tantas leis absurdas, medidas proibitivas, nós sofremos com as asas podadas. Enquanto isso, do outro lado do atlântico, o suporte ao esporte é incrível…

Pensemos em termos de refúgio/ abrigo em montanha. Quantos conhecemos aqui no Brasil? Uma dúzia? Duas dúzias? Realmente não sei já que não costumo utilizar abrigos aqui na nossa casa. Conheço e utilizei o Abrigo Rebouças e mesmo assim porquê fecharam o Alsene, que era um acampamento muito bom, entretanto de péssima administração e frequentadores piores ainda. Mas e daí? Não pensam que poderíamos ter mais alguns? Falta investimento.

Não utilizamos refúgio pois não temos refúgio suficiente, e temos alguns lugares no Brasil onde um refúgio mesmo que de pequena capacidade, digamos 25 ou 30 pessoas, resolveria problemas e pessoas deixariam de arriscar sua vida em lugares de grande incidência de tempestade elétrica como por exemplo na travessia Marins – Itaguaré, ou em Monte Verde (mesmo sendo de trilhas turísticas e curtas, quando uma tempestade elétrica ocorre é rápida e perigosa) onde já houve óbito por raio.

Em determinadas situações é melhor se abrigar do que tentar descer rápido. A pressa pode causar um escorregão, um tombo, conseqüentemente uma fratura, e está feita a cagada.

Recentemente foi inaugurado um refúgio no Açú. Assim se estou correto são dois na travessia. Muito bom já que tem 30 vagas e talvez não seja suficiente pra demanda do parque no inverno, mas já é um  bom começo.

No Parque Nacional do Caparaó existe pelo menos 10 montanhas virgens e inexploradas, um grande potencial para o montanhismo nacional, que deixa de ser aproveitado por dois fatores simples:

1° – Proibição para andar por aquelas bandas
2° – Falta de um abrigo para condições climáticas adversas

Tais montanhas são muito distantes e um acampamento delimitado e/ ou um abrigo seria ótimo.

Talvez você pense “Ah Parofes, exagero seu, não precisa de abrigo lá…”. Erro seu, tempestades elétricas são um grande perigo aqui no Brasil, e mesmo sendo de rara incidência na nossa temporada de montanhismo, não muda muito pois nossos grandes parques nacionais (Caparaó, Itatiaia, Órgãos) recebem visitação praticamente o ano todo. Proteção nunca é demais.

“Enquanto isso, do outro lado da poça…”

Basta atravessar o Atlântico e chegar no continente berço do alpinismo, Europa, onde o esporte é levado a sério e respeitado, pra ver que lá funciona muito diferente do que vemos aqui.

Lá, não existe refúgio pra um parque, existe refúgio pra cada montanha importante. Algumas montanhas possuem diversos como por exemplo o Mont Blanc. Chega a ser quase inacreditável. Ao redor do maciço do Mont Blanc, só na parte francesa, existem nada mais nada menos que 34 refúgios de montanha! Do lado Italiano, mais 7. Só no Mont Blanc possivelmente há mais refúgios/ abrigos do que em todos os ambientes de montanha do Brasil inteiro!

Na região de Zermatt onde fica o Matterhorn, Dent Blanche, Weisshorn, Dom, existe mais 9 refúgios, enquanto na região do Monte Rosa fica o refúgio de montanha mais alto da Europa, o Margherita a 4.554 metros de altitude! Abriga um número razoável de 70 alpinistas. Só neste maciço, são 23 refúgios incluindo o Margherita.

Lá a coisa é séria. São centenas de refúgios pra alpinistas espalhados ao longo dos alpes, e lá não se preocupam somente com quantidade e segurança, mas com qualidade também. Alguns refúgios são verdadeiras pérolas da arquitetura em altitude, tão bonitos e bem construídos que a vista duvida ao ver. Exemplo: O belo refúgio do Monte Rosa, “Monte Rosa Hut”, a 2.795 metros de altitude na base suíça do Monte Rosa. Atende o impressionante número de 177 alpinistas! Tem um design futurístico, muito bonito!

Alguns desafiam a gravidade e condições climáticas alpinas como o Refúgio Grands Mulets, que fica a 3.051 metros de altitude, no topo de uma agulha rochosa, impressionante! O Refúgio de Cosmiques não fica atrás, muito similar ao Grands Mulets em termos de localização só que fica muito mais alto, a 3.613 metros aos pés da Agulha de Midi! Note a foto dele, provavelmente construí-lo foi um desafio.

Chega? Lá vai mais um onde olhar na janela dá frio na barriga, o Salvoy Hut no Matterhorn, que fica a 4.003 metros de altitude. Não é utilizado normalmente, só em casos de emergência. Incrustado na parede rochosa,  sem uma foto feita por helicóptero isso é o máximo que se pode fazer em termos de fotografia, veja a imagem ao lado.

Ah são tantos que fico com vontade de conhecer muitos deles. Já sacrevi duas vezes e escrevo uma terceira, lá funciona, não se encontra lixo nas montanhas, alpinistas são respeitados como tal, independentes ou guiados. Centenas de abrigos de montanhas protegem os alpinistas contra tempestades.

Aqui essa porcaria de tratamento, não somos bem vindos em parques nacionais, leis absurdas proíbem nosso direito de ir e vir…Somos foras da lei, escurraçados, multados, e recebemos o mesmo olhar que políticos corruptos recebem quando desviam verbas públicas. Não sei vocês, mas onde vou só deixo meu suor e pegadas…

Até quando? Até quando…

Fontes:

http://www.rifugimonterosa.it/EN/info-huts-monte-rosa-refuges.php
http://www.chamonix.net/english/accommodation/mountain_huts/mt_blanc_huts.htm
http://mountwiki.com
http://www.chamonix.net/english/accommodation/mountain_huts/hauteroute.htm

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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