AltaMontanha: Para começar, por favor nos conte um pouco sobre voce e sua escalada.
Sílvia Vidal: Sou catalã, de Barcelona, escaladore de grandes paredes, em lugares remotos e pouco frequentados. E às vezes em solitário.
AM: Voce começou bastante “tarde”, aos 24 anos. Voce acha que a idade, cacidade física e maturidade tem influência na realização de projetos difíceis e grandes escaladas alpinas?
SV: Acho que são a motivação, a capacidade de tolerar o sofrimento, a capacidade física e a experiência, que realmente influem.
AM: Quando escolhe escalar com um parceiro, como faz para lhes escolher?
SV: Por amizade.
AM: Escalar geralmente demanda muita atenção enquanto se está na parede. Pensando em suas escaladas mais longas, como voce faz para manter essa concentração durante tanto tempo? Voce faz algum treinamento mental?
SV: Não tenho nenhum sistema de treinamento mental. Acho que está muito relacionado com o jeito de ser, de uma forma natural. E apesar de tudo a escalada é uma atividade que por si só demanda estar concentrado no que se está fazendo.
AM: O Huascarán foi uma escolha um pouco diferente das vias que voce costuma fazer. Por que o escolheu, e voce tem interesse por outras grandes montanhas?
SV: Escolhi o Huascarán porque Oriol Baró e Jordi Corominas, dois amigos escaladores, me mandaram uma foto da parede, e achei bonita e um bom desafio.
Eu gosto mais das grandes paredes do que das grandes montanhas. E a face Leste do Huascarán Norte é uma grande parede, vertical e longa.
AM: Voce escalou a Reticent Wall muito cedo na sua carreira como escaladora de artificial. Quão grande foi esse desafio nesse momento da sua carreira?
SV: Escalei a Reticent Wall junto com Pep Masip e fizemos a segunda repetição da via.
Nesse momento e referente a essa via, pra mim o grande desafio era a dificuldade da via e principalmente a enfiada que está graduada como A5+.
AM: Já ouvi alguns escaladores dizerem que existe muita intimidade com a rocha na escalada artificial, provavelmente ainda mais quando escalam em solitário. Isso deve ser uma recompensa depois dos carregamentos pesados, ficar sem dormir, o frio, os riscos e o esgotamento. Voce consegue descrever os sentimentos que te fazem voltar a esses objetivos outras vezes?
SV: Bom, tem todos os sentimentos possíveis que se pode imaginar. Porque voce está vivendo dois meses de isolamento, realizando uma atividade de “risco” e dependendo também de fatores externos, não controláveis. Há momentos de tudo.
AM: O que te faz escolher um projeto? O que voce procura?
SV: Uma parede bonita, en um lugar selvagem e onde haja pouca probabilidade de encontrar outras pessoas. E que seja longa pra poder aproveitá-la durante muito tempo.
AM: Em um artigo sobre sua viagem à Ilha de Baffin, o escalador Nicolas Favresse escreveu que seu plano original era escalar a parede Tirokwa, mas que voce “não sentia conexão suficiente com a parede pra levar a cabo todo o esforço de abrir uma via nova em solitário”. Em outro artigo, na Alpinist, voce mesma disse que não teve o desejo de escalar aquela parede, o que pra voce a primeira visão sempre é importante. O que aconteceu lá? Que conexão foi essa?
SV: Fui a Baffin sabendo que não queria escalar a Tirokwa, porque na semana anterior problemas logísticos com a carga e na fronteira canadense impediram que eu e meu parceiro de cordada chegássemos a nosso real objetivo, que era a Asgard. Assim, tivemos que cancelar a expedição por causas externas. Como não reembolsavam o dinheiro das passagens, fui mesmo assim, sabendo que só teria acesso à primeira parede que encontraria, que era a Tirokwa, mas não gostei dela. Fui mesmo assim e no final foi uma decisão acertada pois escalei com todos eles e foi brilhante.
AM: No mesmo artigo pareceu que o planejamento e logística podem ser bem complicados. Como voce lidou com isso?
SV: Eram problemas burocráticos. Contra isso não tenho como lidar…
AM: Existem coisas que voce teme quando está no meio da aprede, sozinha, sem contato com o resto do mundo?
SV: Claro, os medos sempre existem. E é importante que existam. O medo ajuda a avançar, mas o pânico paraliza, então, se voce entra em pânico, é hora de voltar.
AM: E fracasso, o que significa pra voce?
SV: O fracasso pra mim é não saber ver positivamente uma situação que não era esperada.
AM: Se arrepende de alguma coisa?
SV: Não.
AM: Edurne Pasaban disse que chegar no cume de uma montanha de 8000m lhe traz a sensação de amor. O que voce acha disso? O que sente quando terminar esses projetos tão audaciosos com sucesso?
SV: Pra mim é necessário um tempo pra entender o significado de uma expedição. É um processo longo o de compreender o que voce fez e como voce fez, e é preciso assimilar isso pra poder começar a compartilhá-lo.
O sentimento é propoprcional ao que te custou conseguí-lo. Para mim o cume está em casa, porque depois do topo sempre se tem que descer a parede (que ás vezes são 3 dias de rapéis), fazer todo ot ransporte de carga de volta e voltar (isso pode durar semanas e são os carregamentos mais difíceis).
AM: Voce gosta de praticar as outras modalidades da escalada, como esportiva, boulder, escalada em gelo?
SV: Escalo principalmente vias longas, de auto-proteção, em livre, e também escalada esportiva. Boulder não, e escalada em gelo, de vez em quando. Artificial principalmente nas expedições.
AM: Como é voltar pra “civilização” depois de períodos tão longos de isolamento?
SV: É devagar, pois é preciso se “aclimatar” de novo ao dia a dia.
AM: Por último, voce conhece a escalada brasileira? Tem interesse de escalar aqui?
SV: Nunca escalei no Brasil. Se houver uma parede grande, vertical, bonita, sei que terei interesse. Se alguém quiser pode me enviar fotos, eu agradeço 🙂