A primeira impressão que se tem ao chegar à base dos Três Picos é que as montanhas vão te engolir, tal seu tamanho e o ambiente onde estão localizadas. Com paredes de até setecentos metros de extensão, granito rosa e clima frio, os Picos Maior, Médio e Menor, em conjunto com o Capacete, formam o que, para muitos, é a melhor região de escaladas serranas do Brasil. O editorial da extinta revista Headwall, edição 12, dezembro de 2005, descreve muito bem a região de Salinas, em Nova Friburgo. O local de escaladas fantásticas é vizinho ao Vale dos Frades, em Teresópolis, e também tem opções caminhada e banho de rio. Enfim, é um lugar onde natureza e aventura andam juntas e atraem gente do mundo inteiro.
E Salinas foi o local escolhido por mim para passar alguns dias de férias. Porém, uma semana não foi suficiente para aproveitar o que o Parque Estadual dos Três Picos tem de melhor. Eu, Guilherme de Carvalho, José Henrique Gomes e Leonardo Magalhães, todos integrantes do Centro Excursionista Teresopolitano, estivemos em três cumes: O Pico Maior, o Capacete e o Morro do Gato, além de ficar um dia apenas na área de camping do Paulo Mascarim, onde montamos nossa base para sair para as escaladas.
Nossa primeira empreitada foi na via mais conhecida e freqüentada do Pico Maior, montanha que é, aliás, o ponto mais alto da Região Serrana com 2.316 metros de altitude. Graduada em 5º (A0/VIsup) E3, a Face Leste foi conquistada em 1970 por Guilherme Ribeiro, José Bezerra Garrido, Waldemar Ferreira Guimarães e Waldinar Santos de Menezes. Escalar essa via nos faz lembrar como foi a conquista, como esses desbravadores a venceram sem o material que temos hoje em dia, lembrou bem Leonardo, ao chegar no cume do Pico Maior, depois de ter encarado lances de aderência, cristais, chaminés, artificiais… São aproximadamente 700 metros de parede e, cada vez que olhávamos para cima, já tendo escalado por horas, a impressão é que o cume não chegaria nunca. Devido a sua extensão, até o ano 2000 ela foi considerada a maior via do país, tendo sido repetida apenas 7 anos depois da conquista.
Fizemos a escalada dentro da média prevista no croqui, pouco mais de cinco horas, e conseguimos iniciar o rapel durante o dia. Naquela montanha, a descida é outro fator de grande comprometimento. É feito pelo outro lado, através das Vias Silvio Mendes (a rota de conquista) e Cidade dos Ventos. Escolhemos a segunda. Porém, além do enorme paredão para descer, tem que se ter muito cuidado para a corda não ficar presa em uma fenda, por exemplo. Em alguns lances, é impossível escalar para desgarrá-la… Aliás, por não encontrar ou passar dificuldade para rapelar, muita gente já dormiu no cume do maior…
O Gato
No terceiro dia, segundo de escalada, optamos por algo mais tranquilo visando, justamente, ficar descansados para encarar o Capacete no dia seguinte. Então, partimos para o Morro do Gato (1.559m de altitude). Antes, porém, uma passada rápida na casa do escalador Alexandre Portela, referência no esporte no país e profundo conhecedor daquela região. De lá, caminhamos até a base da via Bode da Tarde (4º IV E1), conquistada em 1998 pelo próprio Portela e Isabela de Paola.
A via tem 130 metros de extensão e leva até o cume da montanha. E não é preciso chegar ao topo para ficar encantado com a vista fantástica para os Três Picos e Capacetes. O Morro do Gato tem várias vias curtas, ideais para um dia curto, quando se acorda tarde ou não se chega cedo suficiente para encarar as grandes escaladas das outras montanhas. Ou então para descontrair, como nós fizemos, aquecendo as turbinas para o dia seguinte, explica Zé Henrique.
O Capacete
No quarto dia em Salinas mais uma longa caminhada, agora até a base da via CERJ (5º A0/6c E1), localizada na Face Norte do Capacete (2.200 metros de altitude) e conquistada em 1970 por Reynaldo Pires Ferreira, José Luis Barbosa e José Bezerra Garrido, tendo participado ainda outros guias do Centro Excursionista Rio de Janeiro que acabou sendo homenageado com o nome dessa rota de escalada.
São 400 metros de parede até o cume, com possibilidade de se melhorar a proteção utilizando materiais móveis, como friends e nuts. Os primeiros esticões de corda foram guiados por Guilherme e Leonardo. Depois, eu e José Henrique puxamos as cordadas. Logo no início da via, encontramos uma pequena chaminé (fenda larga o suficiente que permite que o escalador entre com todo o seu corpo). Depois, uma enfiada em parede bem em pé, com muitas agarras e fendas.
Nos lances finais da CERJ, a parede continua em pé, mas com menos agarras. Na última parte técnica, um artificial em chapeletas, permitindo que o escalador progrida através das placas e parafusos afixados na parede. Ah, não dá para esquecer do lance em horizontal, onde uma queda não é nada legal para nenhum dos escaladores, guia ou participante. Essa via é mais exigente do que a Leste do Pico Maior e é uma das melhores formas de se chegar ao cume do Capacete, atenta Guilherme, Diretor de Escaladas do CET. Assim como no Pico Maior, nesse local o rapel também não é óbvio, fazendo muita gente se complicar na hora de voltar. Naquela semana, por exemplo, ficamos horas acompanhando, do acampamento, a saga de dois paulistas tentando encontrar a descida. Outro fator que deve ser lembrado sempre quando se fala em Salinas é em relação a proteção. Geralmente, os grampos estão muito distantes. Ou não estão lá, pois a proteção pode ser em móvel…
Para fechar essa coluna sobre a Região dos Três Picos aliás, o espaço é pouco para falar sobre aquele lugar -, nada melhor do que um texto de Portela publicado na revista Headwall. Salinas sempre foi uma referência de liberdade, de vida, de ir e vir. De escaladas e conquistas, com pouco equipo e muitas possibilidades. Tem de tudo. Nem para todos. Tem bloco e falésia, parede pequena e parede grande. Fácil, difícil e imponente. De rocha pura ou com muita vida, e, sempre, com muita aventura. Uma experiência de você com esse lugar é de você com você mesmo!.
Mais informações sobre Salinas podem ser obtidas no site www.viacrux.net