Sábado (6/9/2008) depois do almoço resolvi ligar para o grego que conheci no final de semana passado, para saber se eles iam escalar hoje e/ou amanhã. Me disse que estão em um setor de escaldas além de Thérisso (que não conheço e que não está no guia de Chaniá). Disse que depois (final da tarde) irão para Thérisso. Pedi para me ligar quando forem para lá, para eu ir ao encontro deles. O pior de tudo é que ainda durante a semana encontrei com um deles na rua. Ele tinha recém chegado de Thérisso com o cara para quem telefonei e perguntou como eu era de tempo. Disse que só posso final de semana, inclusive o próximo!
Uma coisa é quereres escalar no final de semana e ligar para todo mundo e ninguém estar disponível, outra é as pessoas irem escalar, saberem que estás disponível e não te ligarem. Ficar mendigando parceiro de escalada é humilhante.
Jardim suspenso
Depois das lamentações fiquei esperando que me ligassem. Por volta de 17h20 o Christos me ligou e disse para encontrá-los no Κ,ρ,ε,μ,α,σ,τ,ό,ς, κ,ή,π,ο,ς, (Cremastós kípos), que quer dizer Jardim suspenso, um setor com quatro vias, duas de duas enfiadas, que ele mesmo abriu em setembro de 2007.
Já estava com todo o equipamento pronto, peguei as coisas, fechei a casa e toquei para lá. Em menos de 30 minutos cheguei na base do morro, estacionei o carro e pude ver duas pessoas chegando na base das vias, que fica após um subida por um trilha de cerca de 10 minutos. A parede é impressionante. Começa com um parte vertical que depois fica côncava, fazendo um negativo fabuloso. Tirei uma foto, peguei as coisas e toquei para cima.
A trilha é super escorregadia e cheia de arbustos espinhentos. Para piorar errei o caminho e fiquei todo lanhado nas pernas. A recepção não foi muito calorosa, mas foram simpáticos. Nunca me aconteceu isso, mas algum mato no caminho me fez espirrar umas 10 vezes depois que cheguei na base das vias. Além do Christos, estava ali o Áris, de Heraklion. Vi o Áris tentar uma via em torno de 9a (brasileiro), com aproximadamente 60 m de extensão. Ele acabou abandonando pouco antes do final.
Enquanto o Áris escalava chegaram o Alexandros e o “Johnny” que estava em Chaniá, e o Basílis que estava olhando outro setor. Os três, bem como o Christos são os que eu tinha conhecido no final de semana passado. Chegou minha vez de escalar e entrei numa via chamada Slab Garden, indicada como um VI (brasileiro) com 20 metros de extensão. Me saí muito bem, e encadenei a via que é bem fornecida de agarras bem boas. Depois de descansar um pouco e ver o Alexandros mandar o primeiro 7c (brasileiro) dele, e o “Johnny” passar um veneno na via que eu já tinha escalado, fui para outra via antes que anoitecesse. Também com 20 m de extensão, chama-se Therisso Style, e é graduada como um Vsup/VI. Apesar da graduação menor que a outra, passei um veneninho. Além das proteções estarem mais afastas, a via começa num negativo que exige um pouco de braço. Também encadenei. As duas continuam com a mesma segunda enfiada pelo negativo, mas não tentei. É um nono grau….
Me senti bem melhor na rocha, pelo fato de ter agarras boas e por ser mais abrasiva (estou com a mão toda esfolada). Como estava bastante empolgado, tenho dificuldade de afirmar que as vias daqui estão subgraduadas comparadas com o Monte Várdia (e vice-versa). Comentei com eles sobre isso e eles disseram que “aqui” é a nova geração e o Monte Várdia é a velha geração…
Descemos já de noite por volta de 20h assim que terminei de escalar.
Amanhã eles voltarão e espero que me liguem. Até porque duas costuras minhas desapareceram e acho que estão entre as que eles deixaram na parede.
Duas observações adicionais são: quando o Alexandros chegou, ele ligou um mp3 player em duas caixinhas do som. No final acabou desligando por que estava difícil de ouvir quem estava no lato. Já tinha notado esta breguice quando os encontrei no Monte Várdia na outra vez. Alguns deles fumam cigarro (quase todo grego fuma cigarro). O cheiro é desagradável, mas pelo menos escalei. Até o momento parece que não são adeptos de entorpecentes ilegais.
Fiquei sabendo também que o guia de escaladas de Kapetanianá que tenho de 2006, não é o novo, é o velho. O novo ainda não foi lançado, mas vai ter pelo menos mais 40 vias esportivas na região de Ágio Fárango, que o Áris abriu…
Fui roubado
Acordei e passei o dia ansiosamente esperando a potencial mensagem (ou ligação) me chamando para escalar, que chegou por volta de 15h30. O ponto de encontro era o Jardim Suspenso, o mesmo de ontem. Quando cheguei o Christos já estava no topo da Kiss or Kill para fotografar o Áris que estava começando a via. Assisti um pouco a coisa toda e fui com o Johnny escalar a Fast &, Furious, um 7b.
A via tem um crux num negativo com poucas agarras onde já cheguei com os braços detonados. Não consegui passar o crux. O Johnny tentou em seguida e também não conseguiu. Fiz segurança para o Johnny, atividade que não praticava fazia 12 meses. Enquanto segurava ele a galera um pouco mais embaixo fumou alguma coisa com cheiro diferente de cigarro que não sei o que era. Me parece que era algo que dava um barato, pois depois disso ficaram cerca de meia hora se divertindo com as ondas mecânicas que se propagavam por uma corda pendurada no teto e dando risadas.
Como não conseguimos escalar a via, o Áris veio continuar e foi até depois do crux para eu tentar de novo em top rope. Lá fui eu com segurança do Johnny. Passei o crux em artificial e depois guiei o resto da via. Enquanto escalava, todos exceto o Johnny, desceram para ir em outro setor próximo, e enquanto eu me preparava para fazer o rapel o Johnny também foi embora. Nunca vi disso. Me deixaram sozinho fazendo rapel, num negativo. Tive que ficar me balançando para lá e para cá para alcançar as costuras e limpar a via. Para piorar as coisas quando fui arrumar minha mochila vi que tinha acontecido uma das coisas mais baixas que já vi/ouvi até hoje.
Já ouvi falar de escaladores que cobraram curso e não deram, pegaram grana da galera para trazer equipo dos EUA e os equipos nunca vieram. Nem o dinheiro. Escalador que teve equipo roubado na base da via onde só tinha escalador, e etc. E não estou falando de qualquer charlatão. É gente que é idolatrada por aí. Ah, e ouvi das vítimas! Pois então, cheguei sedento na mochila, pronto para esvaziar pelo menos uma das duas garrafinhas de água que levei, com 500 ml cada. Não tinha água nenhuma, nem garrafa. Difícil de acreditar que roubaram minha água. Pelo menos minhas duas expressas que tinham ficado ontem estavam ali.
Desci solitariamente e parei no carro para tomar água numa garrafa que deixo por segurança. Subi até o outro setor que fica próximo e nem toquei no assunto da água, nem ninguém. Deixei por isso mesmo, afinal não era hora de arrumar intrigas. Estavam ali outros escaladores, dois deles escalando de capacete. Escalando, pois na hora de fazer segurança tiraram. Esqueci de contar ontem que derrubei uma pedra que quase caiu na cabeça do Johnny. Ele deve atrair pedras, pois hoje quase caiu outra na cabeça dele. Fiquei assistindo eles escalarem a Vasoúla, um 7c/8a. Ao mesmo tempo o Johnny tentou a Kerasáki, 6. Mais dois caras compunham a turma e aparentemente não escalam. Uma menina que escala também estava por ali, acho que Italiana.
A Kerasáki é bem mais difícil do que as duas vias que escalei ontem. O crux é num negativo com agarras sem pegada boa. O Johnny não conseguiu e a expectativa era de que eu limparia a via. Que nada. Fui um pouco mais longe que o Johnny, consegui segurar com as duas mãos no “agarrão” que dá saída do negativo, mas não consegui me aguentar nele por muito tempo e caí. Isto depois de pelo menos quatro tentativas. Não tem jeito, para escalar negativo tem que estar forte…
O Alexandros teve que limpar a via com segurança minha já no escuro. Todos desceram antes e nós dois tivemos que descer no escuro. O Alexandros não sabia o caminho para descer e estava sem lanterna. Acabei achando o caminho e depois de um tempo ele começou a ficar nervoso, daí peguei minha laterna e saímos sem problemas. Apesar de ele gritar, ninguém veio dar uns betas.
Me despedi dos caras. As vezes eles são simpáticos, mas são esquisitos. Até o momento, prefiro escalar com a Anamaria, que não é escaladora, do que com eles que são. Acho eles meio distraídos na hora de fazer segurança e deixam muita barriga (um passo para frente e a barriga encosta no chão). Se fiam demais no gri-gri e ficam de papo. Mas não quero parecer reclamão. Pelo menos estou conhecendo setores novos. Espero que as coisas melhorem.
Rodrigo Castelan Carlson – Chaniá, Creta, Grécia
rodrigocarlson.blogspot.com