Toda essa salada de marcas e esse mundaréu de nomes gringos na rocha às vezes me preocupam, ou melhor, me incomoda. Não sou um grande escalador, e nem estou perto dos grandes nomes da escalada no Brasil, sou fã de todos eles, como todos da minha geração que iniciaram a escalar lendo sobre as conquistas das lendas como Alexandre Portela, André Ilha, Mozart Catão, Sérgio Tartari, Eliseu Frechou e muitos outros. A cada vídeo de escalada que pirateava pela internet, a cada matéria que saia nas poucas revistas de escalada no Brasil, e lendo sobre as aventuras de Pedro Hauck e Maximo Kausch no site Gente de Montanha, minha vontade de escalar mais, e ir mais longe para grandes montanhas só crescia, e não seria essa salada das marcas que me colocaria longe das rochas.
No inicio me sentia envergonhado quando caminhava com uma mochila da Trilhas e Rumos velhinha e usava a roupa mais surrada para ir à montanha, me sentia um estranho aos olhos dos já mais que preparados membros dos clubes excursionistas. Lembro-me de uma abertura de temporada de montanhismo no Rio de Janeiro, a primeira que participei, se não me engano em maio de 2000. Quando em uma barraca de um clube excursionista tradicional, escutei a logística para se ir à travessia da Serra dos Órgãos (Petrópolis – Teresópolis). Eram nomes de equipamentos que nem sonhava em ter, fora a quantidade de coisa que se tinha de levar, mais uma vez a salada das marcas. Pensei comigo mesmo, como tinha feito este mesmo percurso três vezes sem isso tudo? Será que se tratava da mesma travessia? Será que fui negligente comigo mesmo e com meus amigos? Só fui ter a resposta anos depois.
Escalei durante muito tempo com poucas costuras e mosquetões, revezando corda emprestada de amigos e o pouco equipamento que cada um tinha. Não era o único que escalava assim, rachar uma corda entre amigos era a solução para se continuar escalando. No final dos anos 90 freqüentávamos as praias do Rio de Janeiro catando blocos para escalar e dormíamos nas piores barracas que os grandes mercados podiam vender (Aquelas da sessão de camping!). Só faltava o remo vir de brinde, porque água ela já fazia na primeira chuva, tínhamos um bote em vez de uma barraca. A grana era curta nessa época éramos estudantes e só pensávamos em escalar as falésias do litoral carioca.
Hoje me deparo com a garotada que deixa de escalar porque a sapatilha ta apertando, a calça que tenho não serve para caminhar, minha camisa não é de material apropriado para ir à montanha. Já vi gente armado até o pescoço, fantasiado de escalador para fazer Top-Rope no Grajaú (Rio de Janeiro – RJ), era tanta ferragem na cadeirinha que ficava até ruim de escalar. Parece piada mas não é. Enquanto tem gente que se vira como pode tem gente que se fantasia como quer.
Não sei se isso é fruto das lojas que impõem suas marcas ou do capitalismo que dita o poder aquisitivo até dentro do esporte outdoor. São poucos os que não se importam em estar bem vestido até para ir pro mato.
Talvez esse fenômeno seja mais visível nas capitais. Vejo a diferença no interior do Brasil, nas cidades mais afastadas dos grandes centros. Quando viajo para escalar no interior de Minas Gerais, vejo a garotada mandando V1 e V3 de sapatilha rasgadinha dos lados e pouco se preocupando se ta usando camisa da Solo e bermuda da By (Ótimas marcas!). Eles só querem escalar, estar ali, perto da rocha. Sonham em ser um Chris Sharma só para mandar um Dreamcatcher 11b/11c ou correr o mundo para um dia ver uma montanha com gelo.
É claro que não da para ir longe sem equipo adequado, sou fã de carteirinha da Black Diamond e da North Face, e quando se trata de mochilas nacionais a Equinox é super competente, mas será que é motivo para não sair de casa?
Marcas estrangeiras viraram status entre os praticantes de esporte de aventura. Ter uma mochila da Millet ou uma bota da Salomon é como usar camisas da Lacoste, parece brincadeira, mas não é. Mal sabe a galerinha do HUHU! que essas marcas se acham fácil a preço de banana nas feiras livres e lojas de cidades como Ushuaia, Arequipa ou La Paz. Certa vez no Peru comprei um casaco da North Face para minha namorada por vinte e cinco dólares, coisa que aqui no Brasil sairia por uma pequena bagatela de quatrocentos reais, isso sendo bem otimista no preço. Uma compra necessária, já que se tratava de um agasalho para lugares de frio extremo (Mesmo assim ela me odiou por quase congelar na Bolívia, ela seria uma boa montanhista).
Uma vez escalando em São Tomé das Letras, Minas Gerais, pude sentir na pele essa verdade. Emprestei minha Boreal para um dos meninos que escalam por lá, ele estava dando dicas de um bloco quando perguntei se ele queria entrar para tentar. Passei minha sapatilha pra ele como sempre fazemos entre amigos que escalam juntos, ele nunca tinha usado uma importada, e pouco uma nacional, o que ele usava mesmo era um Kichute com as travas serradas. O menino mandou o bloco sem nem mesmo suar para passar no Crux. Depois de anos tive a resposta para uma velha pergunta que fiz a mim mesmo; O que eu preciso para escalar?
Existem dois tipos de escaladores, os de alma e os de fim de semana, ou melhor, dizendo escaladores de loja. Os escaladores de alma só querem estar onde deveriam, perto das rochas ou no topo de uma montanha, e mesmo durante a semana quando no trabalho, só pensam em onde vai ser sua próxima conquista. Os escaladores de fim de semana também estão onde deveriam estar, dentro das lojas, listas de e-mail e postando comentários desnecessários nos sites, dando trabalho para os moderadores e webmasters.
Agora chega de papo e “vamu pra rocha”!
Força sempre e boas escaladas!
Atila Barros