Escalando o 7: escalador conta como foi a conquista de um ícone na Serra do Mar do Paraná

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O Morro do Sete é uma montanha icônica da Serra do Mar paranaense e recebe esse nome por apresentar, em uma de suas faces, o numeral 7 esculpido naturalmente em uma grande parede de rocha, visível a partir de diversos outros pontos da região. Após anos de planejamento e pelo menos seis investidas, os escaladores Ednilson Feola (Caniggia), Giancarlo Castanharo (Cover), Gustavo Castanharo (Tavinho) e Wilson Rulka Ceslak concluíram a conquista de duas vias de escalada no local, além da abertura de uma travessia ligando importantes referências de caminhada.

A icônica parede vista de perto. Foto: Giancarlo Castanharo Cover

Os irmãos Giancarlo e Gustavo Castanharo sonhavam em escalar esse ícone do montanhismo paranaense desde a infância, quando começaram a frequentar as montanhas da região levados pelo pai. “O desejo de escalar o “número 7” surgiu em fevereiro de 1991, durante uma parada inesperada em um engarrafamento na Estrada da Graciosa. O motorista com quem eu viajava apontou para o alto da montanha e disse: “Já ouviu falar do Morro do Sete? Olha o que tem quase lá no topo do morro….” Eu era adolescente e iniciante no montanhismo, e fiquei impressionado com aquela parede fantástica, e com o formato “7” estampado lá no topo”, contou Cover.

Com o passar dos anos, ambos continuaram suas aventuras pelas montanhas da Serra do Mar. Em 2018, durante a conquista de vias no Morro Tucum, eles descobriram que a Via Fogo Interior, uma das duas únicas vias existentes no Morro do Sete, não passava pela totalidade da extensão do numeral esculpido na parede, permanecendo trechos ainda virgens naquela região. A constatação reacendeu o sonho de infância e motivou a realização de expedições específicas para tentar escalar o “7”.

As investidas

As conquistas das vias e a abertura de trilhas foram realizadas em quatro fases. O projeto teve início em 2020, com investidas exploratórias voltadas à identificação de um acesso viável até a base do numeral 7 por caminhada. Foram 10 meses e diversas visitas à montanha até a definição do trajeto. “A primeira fase deste projeto teve por objetivo responder a uma pergunta estratégica: “Existe um acesso por trilha até o pé do “número 7”?? A resposta para essa questão foi positiva, demandando 6 investidas na montanha, ao longo de 10 meses, as quais percorreram a face sul em alguns trechos bastante desafiadores e íngremes. Em agosto de 2021 conseguimos chegar exatamente no pé do “número 7”, no local que veio a ser apelidado de Platô dos Barris”, contou o escalador.

Com a base estabelecida, a equipe realizou novos ataques à montanha, saindo de Curitiba ainda de madrugada e retornando sempre à noite. “Foram quatro investidas em cada uma das vias Fora de Prumo (6º Sup A1) e Sonho de Criança (5º A2), uma para Travessia do 7, e outras na tentativa de encontrar uma passagem ao cume pela face sul.”

A linha das novas vias. Foto: Giancarlo Castanharo Cover

Parede do Diedro que forma o 7 na via Sonho de Criança. Foto: Giancarlo Castanharo Cover

Via Fora de Prumo. Foto: Giancarlo Castanharo Cover

Das tentativas de acesso ao cume pela face sul surgiu uma terceira linha. “Das tentativas de achar uma passagem ao cume do 7 pela face sul, surgiu uma terceira via, a Erro de Cálculo. Como a constante negatividade das paredes dessa área enganam as avaliações iniciais, a escalaminhada acabou se tornando um trepa mato exigente, com necessidade de uso de material de escalada, inclusive com a necessidade de passagem de 2 “balcões” em A0. O nome traduz a “furada” que foi essa tentativa, e essa via foi divulgada apena como registro do local escalado, e não como uma de recomendação de escalada”, explicou.

Desafios e recompensas

Durante o processo, a equipe enfrentou longos dias na montanha, calor intenso no verão e a necessidade de escolher com precisão as janelas climáticas. A região é extremamente úmida e exige vários dias consecutivos sem chuva para permitir o acesso seguro à parede. O momento mais crítico ocorreu durante a conquista da Via Sonho de Criança, quando houve uma queda. “Sofremos uma queda de guia num trecho bastante aéreo e negativo, que depois do susto, nos alertou para possibilidade de perda total de contato com a parede naquele esticão, de modo que o escalador é obrigado a prussikar pela sua própria corda para retornar até a última costura. Como este trecho da parede é negativo, não há possibilidade de o assegurador descer o escalador, pois não há contato/base com a parede por aproximadamente 100 m. O escalador precisa retornar por si próprio para via”, detalhou Cover.

Trecho da Via Sonho de Criança. Foto: Giancarlo Castanharo Cover

A experiência levou o grupo a reavaliar a exposição da via e a acrescentar chapeletas adicionais, tornando a escalada mais segura. Após as conquistas, Cover elaborou um croqui detalhado do local, com o objetivo de auxiliar outros escaladores interessados em chegar até o numeral 7. Ele também comentou sobre a realização do sonho antigo. “Foi interessante e recompensador. Aquela montanha é linda e desafiadora, propicia um visual interessantíssimo de uma das mais belas paredes rochosas da nossa Serra do Mar, com lances de escalada decorados com a bela Serra do Ibitiraquire ao fundo. É uma sensação de “escalada tradicional”, num ambiente de montanha bem desafiador”.

Dicas para quem deseja escalar o 7

No material publicado, o escalador recomenda atenção especial às informações iniciais do croqui, onde estão descritos os detalhes de acesso e segurança. A umidade constante da parede também é um fator determinante. “Recomenda-se pelo menos 4 dias, ou mais, sem chuva nos dias antecedentes”.

Aproximação da parede. Foto: Giancarlo Castanharo Cover

Considerando a longa aproximação — cerca de quatro horas apenas na ida — e o tempo elevado de escalada, Cover recomenda que as investidas sejam feitas com saída ainda de madrugada e preparo para o retorno noturno. “Sobre as vias, recomenda-se iniciar pela via “Fora de Prumo”, pois ela permite retornar de qualquer loca, tem menor tem de duração, e permite “calibrar” melhor os tempos de caminhada e escalada para quem optar por fazer uma investida de ataque . A “Sonho de Criança”, além de ser mais trabalhosa, não permite retorno fácil no último esticão”, revelou.

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

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