O montanhismo nos evoca um espirito aventureiro que é dificil de se explicar. O porquê da aceitação de riscos que podem levar à morte em uma atividade fastigante, também é de dificil compreensão para aquelas pessoas de fora do montanhismo, que procuram conforto em oposição da aventura, superação e auto-conhecimento.
Já fui para os Andes diversas vezes, tentei escalar mais de 3 dezenas de montanhas por lá, tendo alcançado o cume em dois terços delas, mas fracassado em várias. Dentre elas, o próprio Sajama.
Naquela ocasião, ventava muito na montanha e haviam muitos penitentes no caminho. Devido minhas más experiências anteriores, até por que dias atrás eu tinha escalado o Parinacota com as mesmas condições ruins, achei melhor voltar do que tentar e poder me dar mal. Se tem uma coisa que eu aprendi na montanha, é que os erros por lá não se acumulam, eles chegam em um limite e aí quem se fode é você…
Um amigo de Porto Alegre costumava dizer que na montanha não acumulamos mais do que três erros antes de se dar mal. Precisamos ficar atentos e perceber estes erros a tempo. No caso de Rodrigo, dois erros seguidos são fáceis de se interpretar, o primeiro é ir numa época ruim e o segundo foi ter ido sozinho e o terceiro só ele poderia dizer…
Contudo, ir numa época ruim não é o problema, nem mesmo ir sozinho… O problema foi ter acumulado todos esses erros e não ter voltado atrás.
Eu mesmo já escalei na Bolívia numa época ruim, em pleno mês de Janeiro, no ano de 2001, fui para o Huayna Potosi e peguei neve até a cintura. Também já escalei sozinho o próprio Huayna, o Pequeno Alpamayo e o Parinacota, entretanto nestas escaladas, que chegam em algum ponto a serem técnicas, mas não dificeis, eu estava com um grande preparo e fiz elas sobrando. A exceção foi no Huayna Potosi em 2002, quando também acumulei um grande número de erros e quase me dei mal (veja o relato desta experiência aqui).
Muitas pessoas me criticaram pois respondi em uma lista de emails que nosso colega brasileiro já devia estar morto. Me chamaram de indelicado.
Entretanto, considerando que esta montanha é escalada em 3 dias, desde que esteja aclimatado, e que o acampamento base é apenas umas 3 ou 4 horas de caminhada desde a cidadezinha de Sajama, que do base ao base avançado são mais 3 ou 4 horas e de lá ao cume umas 8. Então por que em mais de 10 dias de desaparecimento este guri não retornou à cidade? Uma outra coisa importante a dizer é que o Sajama não tem impedimentos de visão, pois ele não tem vegetação, então uma barraca no meio do nada seria fácilmente visível.
Claro que nesta época do ano as condições não devem estar nada fáceis e exatamente este pode ter sido o terceiro erro do Rodrigo, pois em novembro é comum nevar bastante na região e ventar também. Esta combinação de estados de tempo dão condição para a formação de “white outs” que é quando o vento levanta a neve fina do chão e nos confunde com o nevoeiro, nisso você não consegue distinguir o chão do céu, simplesmente não enxerga nada. Se você fica parado esperando o mal tempo passar, congela, se continua andando às cegas, pode cair num precipício.
Por isso, antes de entrar numa roubada como esta, esteja ciente que a montanha é cruel e não permite erros. Cuidado com o acumulo deles, interprete-os antes que eles cheguem ao terceiro, pois depois daí, a combinação de erros podem ser fatal.
Todos os anos, dezenas de jovens aventureiros cometem estas imprudências, já ajudei no resgate de dois deles, que não tiveram sorte, no glaciar Polacos no Aconcagua. Nesta ocasião, descemos apenas dois corpos congelados. Portanto, é preciso ser um tanto indelicado para escrever estas palavras, para que mães como a de Rodrigo não sofram como estão sofrendo agora. Já pensou se fosse a sua? Então siga o conselho deste meu amigo gaúcho, volte antes do terceiro erro…