Há milhares de anos os povos da Escandinávia descobriram que deslizar com tábuas sob os pés era mais fácil do que andar se enterrando na neve. Desde então foram utilizados nas regiões frias do norte europeu.
Foi no século XIX, na região de Telemark, na Noruega, que o esqui se tornou uma forma de lazer e esporte. Sondre Norheim foi um dos grandes responsáveis pela evolução técnica da época, e por divulgar o esporte. O uso de esquis também foi fundamental no sucesso das expedições norueguesas pelas regiões polares, como a primeira travessia da Groenlândia, por Fridtjof , Nansen, em 1888, ou a conquista do Pólo Sul por Roald Amundsen, em 1911.
Há diversas modalidades de esqui: esqui alpino, onde os atletas percorrem um trajeto em declive e alta velocidade, salto com esqui, onde vence quem saltar mais longe, esqui estilo livre, mistura de esqui alpino com saltos acrobáticos, e o esqui nórdico, que foi o que eu experimentei. Também conhecido como esqui cross country, consiste em percorrer grandes distâncias em pistas já preparadas (estilo clássico) ou em terreno livre (estilo livre).
Viajando pela Alemanha no inverno, não podia deixar de conhecer alguma região montanhosa. Como estava no Norte do país, que é uma grande planície, o morro mais próximo ficava a uns 200 km para o Sul, na região do Harz. Ali há um grande Parque Natural, que conserva a bela paisagem local. Bosques de coníferas que se perdem de vista, em meio a um relevo acidentado. Apesar da pouca altitude (entre 700 e 1000 m), tudo estava coberto de neve. Escolhi como destino a vila de Hahnenklee-Bockswiese, onde há um albergue da juventude com bons preços e excelente localizacao.
Como não estava disposto a gastar com aulas de esqui, fui direto até uma loja que alugava o equipamento. Conversei com a mulher que me atendeu, e logo percebi que ela falava menos alemão do que eu (devia ser uma imigrante do Leste europeu). O diálogo que se seguiu foi cômico:
– Sou brasileiro, cheguei aqui ontem e quero esquiar!
– Aham.
– Eu quero um esqui para cross country.
– OK. Ela perguntou o número que calco e foi buscar o equipamento.
– Mas não é muito difícil esquiar?
– Apenas 5 pessoas alugaram hoje.
– ?
A bota que ela trouxe não serviu. Depois de acharmos uma que me servisse, resolvi insistir na pergunta:
– Mas não é muito difícil esquiar?
– Pode devolver até as 18 horas.
– ?!
Desisti! Após informações toscas sobre como prender e desprender a bota no esqui, fui procurar as Loipen, que são pistas feitas na neve, próprias para a prática de cross country. Próxima da vila fica uma pista para iniciantes, e saí procurá-la. A muito custo achei a tal da Loipe, e aí foi o sacrifício para encaixar os esquis! As botas não prendiam nas tábuas de jeito nenhum! Depois de muito tentar, percebi que os encaixes nas botas estavam cheios de gelo. Assim é claro que não funciona! Limpei com a ponteira do bastão, e aí deu certo. Para completar o cenário, neste mesmo momento começou a nevar forte! Sem cair, fui andando devagar e logo peguei o jeito. É só uma questão de manter o equilíbrio do corpo e ir pra frente.
Cheguei ao fim da trilha para iniciantes e me senti confiante para seguir por outra, a Hahnenkleer Berg Loipe (trilha do Morro de Hahnenklee), que na verdade é um circuito, começando e terminando no mesmo lugar. Esqueci de dizer antes que ganhei um mapinha turístico na loja que me alugou o brinquedo.
A medida em que ganhava experiência, ia ficando cada vez mais divertido! Difícil transformar em palavras o que senti naquela tarde. Ver a paisagem nevada deslizando ao seu lado, a neve caindo grossa, o vento gelado na cara… Inesquecível!!!
Esquiar é um exercício para todo o corpo: as pernas impulsionam e os braços, com a ajuda dos bastões, direcionam o corpo pra frente. Os movimentos são semelhantes a caminhar, mas para não ficar patinando na superfície lisa é fundamental o uso dos bastões, que também ajudam a manter o equilíbrio.
Fui até um ponto onde a trilha se aproximava da vila de novo. Olhei no mapinha e vi que dali pra frente era um longo caminho e pelo horário ia ficar muito tarde (lembre-se que lá escurecia às 17 horas). Resolvi, ao invés de voltar caminhando pela cidade, retornar pelo mesmo caminho. Se até ali tinha sido uma suave subida, agora teria que descer, de preferência sem cair!
Mas tombos fazem parte do aprendizado, e por isso voltei caindo várias vezes… O difícil na descida é manter o equilíbrio, pois os esquis começam a pegar velocidade e pra parar, só se jogando… E quando se passa em algum lugar onde a neve está mais fofa, o esqui freia, e lá se vai o equilíbrio. Assim que o centro de gravidade do corpo se desloca pra trás dos pés, os esquis deslizam pra frente e lá está você deitado na neve! E o pior não é cair, mas sim se levantar! Quem nunca praticou, não imagina como as tábuas atrapalham!
O último trecho era uma descida mais íngreme, e depois de cair várias vezes consecutivas, cansei dos tombos e tirei de vez os esquis. Fui caminhando e contemplando o belíssimo final de tarde com o céu um pouco aberto e a paisagem totalmente branca!
No dia seguinte saí cedo para aproveitar o dia todo. Aluguei novamente o equipamento e não perdi tempo. Já conhecia o caminho até o começo da pista, e desta vez não tive maiores problemas para encaixar os esquis (apesar de que é um pouco complicado).
Passei o dia todo esquiando! Fiz todo o circuito de cross country de Hahnenklee, que inclui a Schulberg Loipe (trilha do Morro da Escola) e a do Morro de Hahnenklee, que já conhecia em parte do dia anterior. No total são 14 km de pistas. Quando não há neve, são estradinhas rurais. As pistas são feitas por um trator especial, que primeiro compacta a neve, e arrasta atrás de si uma forma que escava na neve as pistas paralelas.
O começo da Shulberg é uma longa descida. Ali foi só largar o corpo e curtir! A neve estava ótima, deu pra descer sem tomar nenhum pacote. Depois de cruzar um lindo vale, ela segue numa suave subida. Sempre em meio a bosques de pinheiros cobertos por uma grossa camada de neve. Alguns ficavam vergados sob o peso de tanto gelo, outros não agüentavam a carga e quebravam. Em muitos pontos havia árvores caídas no meio da trilha, o que me lembrou as caminhadas pelas trilhas da Graciosa…
Após 8 km, chega-se num cruzamento. Fiquei meio perdido, pois as placas indicavam nomes que eu não conhecia, e não constavam no meu mapinha. Logo passaram dois homens, e pude pedir uma informação. Se tivesse confiado no meu instinto, teria seguido pelo caminho certo!
Dali em diante seguiria pela Hahnenkleer Berg, que tem 6 km. Uma leve subida entre os lindos pinheiros brancos, e de repente cheguei num lugar onde se abre um grande vale à esquerda. Pena que havia um pouco de neblina, mas mesmo assim deu pra curtir a linda paisagem.
Este esporte é muito popular. Cruzei com muita gente nas trilhas, outros solitários, casais e até grupos esquiando. Como é uma atividade que não tem tanto impacto nas articulações como a caminhada, é muito recomendada para idosos. Assim, o público que freqüenta as trilhas vai desde crianças até velhinhos.
Volta e meia há pequenas cabanas ao lado da trilha, que servem como refúgio. Infelizmente elas não são bem fechadas, por isso há tanta neve dentro quanto fora. Mas depois de muito esquiar, achei um refúgio com menos neve, e parei para descansar e fazer um lanche.
Dali pra frente era uma longa subida, mas sopa pra quem está acostumado a subir morro no Brasil! Cheguei no alto e logo estava no ponto onde parei no dia anterior. Voltei devagar, curtindo os últimos momentos! Pra variar, novamente alguns tombos…
É um esporte que me conquistou definitivamente! Pena que não dá pra praticar no Brasil… ou será que dá???
E ae, que tal uma Ciririca Graciosa esquiando? huahuahua