Minha história na montanha começou há alguns anos. Comecei a escalar nos Andes peruanos, onde percorri a pé toda cordilheira de Apolobamba, e foi a primeira vez que estive acima dos 5000 metros na montanha Salkantay. Depois disso, morei na Bolívia, em La Paz e foi quando aproveitei para vasculhar tudo que era montanha da Cordilheira Real, também em Santa Cruz de la Sierra e indo até o extremo sul do Potosi, na Bolívia.
Quando voltei para São Paulo, fiquei meio entediado por não haver montanhas “como aquelas”, então decidi começar a escalar em rocha, depois de alguns anos, vim a ser proprietário de um ginásio de escalada indoor, aquele que era Crux e virou Climbing e que virou Rocódromo, e por fim, fechei e sai do indoor e voltei às montanhas, pois é a elas que pertenço.
Depois de muitas idas e vindas entre Peru, Bolívia, Chile e Argentina, em 2005 fechei meu primeiro grupo comercial, e desde então venho guiando grupos em alta montanha, principalmente na Bolívia, onde voltaria um ano mais tarde para realizar a primeira etapa de um grande projeto: a Expedição Achachilas.
O objetivo desta expedição era fazer um documentário sobre a Cordilheira Real e o desgelo que vêm ocorrendo nos Andes, fazer novas medições de glaciares e de cumes. Esta seria a primeira etapa de três, de um total de 15 montanhas.
Idealizei, organizei com ajuda de alguns dos membros e depois de um ano de projeto e logísticas partimos para La Paz, via terrestre. Fomos pelo velho caminho que muitos já conhecem, São Paulo a Corumbá, trem da morte até Santa Cruz de la Sierra. Desta vez, para variar, o trem estava em paro “greve” e tive que alugar um caminhão para nos levar a Santa Cruz. Foram 24 horas em caminhão aberto, muito pó e muita paciência. E por fim um ônibus até La Paz.
Estávamos com excesso de carga, (300 kg de equipamentos e comida) tivemos problemas em todos os trechos da viagem.
Como já havíamos combinado em São Paulo, cada um tinha uma função, dois eram responsáveis pela organização do acampamento, do preparo da comida e serviços gerais, sendo um deles fotógrafo encarregado de documentar tudo do campo base até a entrada do glaciar.
Os outros quatro eram os escaladores, um fotógrafo responsável pela documentação do glaciar ao cume, e os outros três do grupo ajuda geral.
O grupo estava totalmente desentrosado, ritmos muito diferentes, havia uma competição não saudável entre alguns, escalei com um dos fotógrafos na mesma cordada, e isso foi péssimo, ele era muito lento e após meia hora no cume ele não queria descer, queria aproveitar para fazer imagens e fotos e com isso ficamos mais de uma hora no cume.
Já eram 15:00 saímos do cume do Alpamayo Chico 5.370 metros, dificuldade AD / AI 2 , a neve estava podre devido ao forte calor, tive que descer o fotógrafo de baldinho por toda a montanha, e desescalar os mesmos trechos, pois a experiência que ele falou ter não era o suficiente, (para não dizer que não a tinha).
O resto do grupo não fez cume, pois um deles, resolveu por conta própria não purificar mais a água que tomava e com isso ficou quatro dias com problema gastrintestinal, e por isso não tinha condições físicas e nem emocionais, prejudicando também o objetivo da expedição.
Como idealizador e guia do grupo, queria que o acampamento tivesse um ar de democracia, onde todos pudessem trocar idéias sobre as ascensões e sobre tudo. Dei abertura a todos para opinarem e darem palpites. E isso fugiu do meu controle.
Era cada um querendo fazer de seu jeito, documentar coisas que não vinham ao caso, fauna e flora, falar mal um do outro pelas costas, usar material da expedição para documentar momentos pessoais e íntimos, abrir novas vias, escalar outras montanhas que não estavam no projeto que discutimos por mais de um ano. Em fim um lugar maravilhoso cercado de montanhas e paz e consegui tornar tudo aquilo num caos.
Conclusão:
Só duas montanhas escaladas, alguns dos integrantes não tinham conhecimento algum em montanha, e falaram que tinham, perdemos todas as imagens que foram feitas, nunca nos entregaram, pois não tínhamos feito nenhum contrato com os fotógrafos, por “achar” que todo mundo é honesto.
Por muitas vezes me lembrei do filme “Extremo Sul”, e não podia acreditar na aquilo estava passando, o que era para durar 15 dias durou menos de uma semana, a primeira etapa da Expedição Achachilas estava perdida e abalada psicologicamente.
Após desentendimentos, discussões, brigas e agressões, abandonamos o acampamento base da Laguna Chiarkota a 4.600m.
Eu e outros três integrantes da expedição doamos todo o alimento restante ao guarda parque, (um senhor indígena, o mesmo que expulsou os fotógrafos do acampamento base), e com a tristeza do fim não só da expedição, mas também com a primeira etapa de um sonho, voltamos a La Paz.
O que me deu um pouco mais de animo após o ocorrido, é que eu tinha um novo grupo para guiar na montanha Huayna Potosi, e este era comercial, ai sim tudo correu perfeitamente como planejado.
Por isso sempre digo, é imprescindível saber com quem você esta indo a montanha, por que como já disseram “é na montanha que as mascaras caem”, e lá não é lugar para se descobrir, quem é quem, é melhor evitar problemas.
Depois desta frustrada experiência, cheguei a conclusões que estar acompanhado na montanha ou é:
– Com amigos, que sejam poucos e que você os conheça muito bem, pois a probabilidade que sair algum conflito é bem grande, dependendo do tempo que ficarão na montanha.
– Com um amigo, seria o mais indicado, mas se o cara for irmão mesmo e você o conhecer bem, pois às vezes é melhor estar só, do que com alguém que te passa uma “falsa segurança”, o problema e pensar que pode contar com a pessoa e na hora do aperto onde ele esta ?
– Comercialmente , assim é do modo que você organizou, todos estão de acordo e te pagando para ser do seu jeito.
– Sozinho, não aconselho ninguém a ir sozinho para montanha, mas que é bom é, (e quem foi sabe disso). O crescimento é algo que não tem valor, e com certeza é bem grande.
Saber calcular seus riscos, saber qual é seu limite, pois não terá ninguém para te estender a mão ou melhor segurar a corda.
Não ter ninguém roncando a noite toda na orelha, andar no seu ritmo, derreter menos gelo, o fedo na barraca é só seu isso tudo não tem preço