Familia de escaladores pela América do Sul – parte 4

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Dia 20/12/2012 acordamos em Susques e tomamos nosso último café da manhã na Argentina este ano, abastecemos o carro em Jujuy e seguimos viagem. Os Andes continuavam mostrando seu majestoso perfil, com ou sem neve. Algumas montanhas multicolores, outras nevadas que pareciam chorar ou gozar, cada uma com sua característica, cada uma com sua “digital”. Os salares começaram a aparecer com bastante frequência e para decorar ainda mais a paisagem… habituais animais locais como lhamas, vicunhas etc.

 
Neste dia, durante a viagem, parei uma pouco para pensar sobre o que vivi nos últimos dias e percebi que meu pré conceito com relação aos Argentinos já não existia mais. Quando sai do Brasil imaginei que encontraria pessoas mais frias e que seria tratada de forma impessoal, sem gentilezas e, em determinados casos, talvez até um pouco de grosseria, mas eu não poderia estar mais enganada. O povo Argentino é muuuito simpático e agradável, saí de lá apaixonada pelos argentinos. As cidades e paisagens são no mínimo lindas e a comida é boa, apesar da água ter um gosto diferente (a maioria delas vem escrito no rótulo: “baixo teor de sódio”).
 
A estrada continuava inacreditavelmente linda, para mim que nunca havia saído do Brasil, para o Léo que não havia estado nesta parte do Chile e até mesmo para o Luca que nem sequer tinha idéia de tudo o que estava vivendo.
O Luca já havia aprendido tudo o que podia no “seu” novo brinquedo, um tablet comprado para trabalho, mas que cabia perfeitamente na distração que ele precisava para agüentar a parte de carro da viagem, e o máximo que ele fazia era levantar a cabeça para ver alguma coisa que estávamos insistindo em mostrar a ele e então ele dizia: “Já vi.” Do tipo: Agora não me enche mais beleza? Ele estava feliz com seus jogos e episódios de desenhos. 
 
Enquanto subíamos os Andes para atravessar para San Pedro encontramos umas placas que indicavam que a velocidade máxima era de 40km/h, achei muuuuito exagero já que a estrada era muito boa, mas logo descobrimos que o carro não conseguia atingir velocidade acima da máxima, já haviam nos alertado de que isso poderia acontecer, mas até então eu acreditava, de verdade, que não aconteceria com o nosso carro.
 
Subimos devagar e fomos apreciando a paisagem à nossa volta, salares secos, lagoas de sal, montanhas com diversas cores, montanhas nevadas e enfim chegamos o topo da subida. Ainda tínhamos poucos quilômetros para percorrer e muita altitude para baixar, mas quando conseguimos enxergar a estrada percebemos que este era o downhill mais excitante, emocionante e maior que já tínhamos visto… sei que sempre há loucos o suficiente para tudo o que imaginarmos.
 
Quando chegamos na fronteira já pudemos perceber que a coisa era um pouquinho diferente no Chile, enquanto a polícia Argentina nos tratava com respeito e simpatia, os policiais Chilenos nos ignoravam o quanto podiam, ficamos um pouco perdidos, a burocracia era mais burocrata, mas no final deu tudo certo. Chegamos em San Pedro ainda de dia e fomos logo almoçar, paramos em um restaurante na praça e fomos muito bem atendidos, comemos uma pizza e o melhor suco de morango da minha vida. Depois fomos procurar lugar para nos instalar, paramos na informações turísticas e recebemos um folheto com os hotéis da cidade. Escolhemos os mais econômicos para conhecer e paramos logo no primeiro que conhecemos. Para mim o Hostel Sonchek tem o melhor custo benefício da cidade, deve ser por isso que estava cheio e quase perdemos o quarto para um grupo de gringos… outros gringos. Depois de nos acomodar fomos jantar e escolhemos um lugar perto do Hostel, com meia luz, som ao vivo e boa comida. No final começamos a desconfiar que o Chile seria um pouco mais caro que na Argentina, mas tudo bem, estávamos de férias e não queríamos nos preocupar com as “pequenas coisas mundanas", não diante de tudo o que se estava apresentando.
 
Dia 21/12 acordamos tarde, fomos tomar café da “manhã” em uma lanchonete muito agradável na praça central chamada Peregrino, e buscar informações sobre o passeio para o Salar do Uyuni… foi aí que tivemos nossa primeira desagradável surpresa, a comunidade indígena estava fazendo um protesto impedindo a entrada para a Laguna Verde… sem previsão de acordo. Nos foram oferecidos passeios alternativos e acabamos decidindo esperar e conferir o andamento do protesto no dia seguinte. Com a mudança nos nossos planos, no começo ficamos um pouco perdidos, mas logo decidimos correr os arredores de San Pedro, mas primeiro uma breve passada no Pueblo de Artesanos para dar um jeitinho na minha bota, que tinha soltado o solado dos dois pés, mas a opção que deram foi costurar e eu acabei decidindo não deixar a bota na esperança de que a Snake pudesse me dar uma opção melhor. Na saída encontramos alguns “brinquedos” muito interessantes, como um trepa-trepa gigante, uma corda de circo com nós, um trapézio e uma balança com assento redondo e grande. 
 
O Luca aproveitou tudo o que podia do espaço. Saindo de lá fomos até Toconao, conhecer o sítio de escalada por lá. O lugar é bem legal, um cânion com bastante areia e um riozinho que corre no meio. Encontramos alguns escaladores locais e descobrimos que haviam uns poucos boulders, algumas vias grampeadas, mas que a maioria das vias no local eram mesmo em móvel. A rocha é um arenito de qualidade e apesar de poucos boulders, era o suficiente para uma família se divertir em uma tarde, mas isso ficaria para o dia seguinte. Almoçamos nas areias do rio e fomos conhecer o Salar de Atacama, o Salar é muito bonito, com uma trilha repleta de animais típicos como: os diferentes flamingos com suas diferentes cores, suas estranhas danças e belos vôos; as pequenas aves brancas com asas pretas que têm o fino bico curvado para cima e um pequenino e branco lagarto rajado de preto. 
 
Placas pela trilha contém informações que nos levam a conhecer um pouco do ecossistema local, como vulcões ativos e formações das lagoas, mas o que mais impressiona é a vista a sua volta, os Andes se mostram presentes em todas as direções.  No entrada do Parque, início e final da trilha, tem uma sala onde fica passando um vídeo de informações sobre a história e o ecossistema do Parque.  Depois de sair do Salar fomos conhecer o famoso pico de escalada de Socaire, mais um cânion, com a mesma rocha de Toconao, muitas vias e alguns poucos boulders e eu cheguei a querer mais tempo para explorar esta região mas o fim do dia estava chegando. Aproveitamos o díade passeio, estávamos cansados e o sol começava a se pôr quando decidimos voltar para San Pedro. Mais uma vez o sol deu seu espetáculo, pelo caminho encontramos um pastor (de verdade) com suas ovelhas e quando o sol já não se encontrava mais na linha do horizonte percebi que o céu vermelho/rosado que denunciava a posição do sol no leste, estranhamente também estava a oeste, com norte e sul de um azul celeste de final de tarde. Aquilo ficou na minha cabeça, gostaria que alguém pudesse me explicar tal fenômeno, mas não seria no carro que eu a teria, e em espanhol a conversa seria muuuito longa, pelo meu parco conhecimento da língua. Em San Pedro, tomamos um banho e saímos para jantar, andando pelas ruas encontramos um lugarzinho bem interessante, o restaurante só vendia frango com fritas e acabamos economizando uma grana por lá. Depois da janta fomos dormir, no dia seguinte teríamos que conferir o protesto e tomar uma decisão sobre o que fazer.
 
No dia 22/12 nossas roupas limpas já eram raridade dentro da mala, então descolei uma lavanderia de frente ao Hostel, as roupas ficariam prontas à tarde. O Léo insistia em nos levar para conhecer o Salar do Uyuni e com o protesto sem previsão de acabar, resolvemos que iríamos para Calama no final do dia e de lá pegaríamos um ônibus para o Uyuni para tentar fazer o passeio do Salar. 
 
Saímos do Hostel para ir a praça central tomar café da manhã no Peregrino, a vista do vulcão Licancabur é impressionante e parei para tirar umas fotos. Após o café da manhã tivemos a confirmação de que o protesto no Salar do Uyuni ainda continuava, portanto nos restava escalar… devo confessar que não fiquei muito triste com isso. Na praça central haviam alguns brinquedos com bombas de ar montados e o Luca teve seu momento com as crianças locais. Foi interessante, curioso e engraçado vê-lo interagindo com as crianças, ele ainda não se sentia muito a vontade com as diferenças das linguas. Na hora do almoço os brinquedos foram esvaziados e tivemos nossa chance de almoço sem grandes protestos do Luca. Depois do almoço os brinquedos voltaram a ser inflados, mas era a hora da escalada, Socaire ou Toconao… foi uma decisão difícil e optamos pela que atendia melhor a todos na família. De volta a Toconao, as areias e o rio faziam parte do cenário imaginário na cabeça do Luca em seu mundo de fantasia enquanto a rocha me desafiava para um duelo em um V2. Depois de mandar o V2 o Léo encontrou em um boulder bem atípico, um boulder/tradicional V3 com direito a fenda, diedro e entalada. Eu ainda me ralando no V2 e o Léo no seu boulder "tradiconal", ficamos nisso mesmo e o dia já ia terminando. Voltamos para San Pedro com o sol se despedindo, a sensação de paz nos envolveu… e eu batendo fotos. Depois de pegar nossas roupas pegamos a estrada para Calama. 
 
Chegando em Calama fomos primeiro tentar comprar as passagens do Uyuni, mas as passagens do dia 23 estavam esgotadas e resolvemos conversar para decidir o que iríamos fazer, enquanto isso fomos procurar um Hostel. Foi a primeira vez que tivemos dificuldades para encontrar um lugar “legalzinho” (para não dizer aceitável) para ficar. Rodamos muito a cidade, os hostéis econômicos também economizavam miseravelmente no conforto mesmo para mochileiros. No final ficamos no primeiro hostel que havíamos encontrado, o quarto era bom e ficava quase de frente para uma das viações onde, provavelmente, pegaríamos o ônibus. Depois de nos acomodar fomos procurar um lugar para jantar e o povo chileno já começava a demonstrar um pouco de sua postura “francesa” (pelo menos pela fama que conheço), os garçons não faziam muito esforço para entender o que falávamos (tipo má vontade), apesar de já estarmos nos comunicando bem em espanhol a esta altura, em San Pedro nos saímos muito bem, obrigada. A comida era boa, mas faltava água mineral e alguns itens do cardápio no restaurante. O dia tinha sido longo, voltamos para o Hotel, tomamos banho e nem sei direito quando dormi, eu estava acordada em um momento e… de repente… sonhando. 
 
Dia 23/12/2012 acordei cedo e fui ver as passagens para o Uyuni, passei por duas aviações e a data mais próxima seria dia 24. Comprei as passagens e voltei para o Hotel onde o Léo e o Luca continuavam dormindo, como o dia seria “de folga” estava tudo bem. Depois do café da manhã resolvemos ir ao Shopping, era anti véspera de Natal e precisávamos preparar alguma coisa para a comemoração com o Luca, ele já estava esperando por isso. No shopping compramos um óculos de sol para o Luca e para o Léo. O Luca já pedia um óculos de sol a muito tempo, o Léo achava e não seria aproveitado e que se quebraria ou se perderia bem rápido, mas com a visita ao Salar, agora esta era uma necessidade. Andando pelo shopping vimos a decoração de Natal e lojas de brinquedos, onde paramos para conferir os interesses do Luca. O que mais chamou a NOSSA atenção foi uma loja da Lego, SÓ da lego, perdemos muito tempo “curiando” TODOS os brinquedos. 
 
Quando fomos almoçar encontramos um esquema self-service diferente do brasileiro e tivemos dificuldade em entender como funcionava, mas claro que era inútil pedir ajuda a um chileno, eles não “podiam” nos ajudar, acho que estavam muuuito “ocupados” voltando para suas mesas com suas bandejas cheias de comida ou qualquer outra coisa não perceptível aos meus olhos. Pedimos o que conseguimos, comemos razoavelmente e fomos até o cinema. Antes de iniciar a viagem já tínhamos nos programado para assistir O Hobbit pela Argentina e Chile e a melhor hora era agora. Compramos ingressos para uma sessão bem próxima, em inglês com legenda (em espanhol é claro) e esperamos no hall do cinema mesmo com uma estranha pipoca amarelada (que não era para o nosso paladar). Saindo do cinema, discretamente compramos umas lembrancinhas de Natal para o Luca (sem que ele percebesse) e voltamos para o Hotel. Foi quando descobrimos que, sem querer, tínhamos feito a coisa certa, ir para o Uyuni sem um dia de descanso teria nos desgastado muito, estávamos EXAUTOS. 
 
Fomos jantar no mesmo restaurante do dia anterior, a comida era realmente boa, depois fomos arrumar um estacionamento para deixar o carro além de dar uma ducha nele nos dias em que estaríamos fora (lavar seria impossível com tanta bagagem dentro) e encontramos um estacionamento, ao lado do Hotel, onde o dono era Argentino. É gritante a diferença no tratamento, o Argentino era alegre, expressivo e adorava os brasileiros (gritava o tempo todo: “BRASIL” enquanto estávamos lá, o que era bastante engraçado). Arrumamos as coisas de acordo com nossas necessidades para os próximos dias, o que significava mudar bagagens de mochilas, malas etc. e finalmente… dormir, o dia seguinte seria cansativo.
 
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