Familia de escaladores pela América do Sul – parte 5

0

Dia 24/12 acordamos ainda de madrugada, com o Léo carregando as malas, o Luca dormindo no colo e algumas bagagens na mão, fomos pegar o ônibus que saia às 5h. A bagagem foi ajeitada em cima do ônibus e depois de muita organização saímos. Na viagem, em meio a cochilos, eu abria a cortina para ver a paisagem. Apesar de já estar a dias nos Andes, tudo ainda me impressionava muito e fui batendo fotos pelo caminho. Passamos pela Aduana Chilena e um pouco mais a frente paramos, na fronteira da Bolívia com o Chile, no meio do nada que e eu apelidei carinhosamente de “Terra de ninguém”.

Leia a quarta parte desta aventura

PARTE 5: SAN PEDRO – CALAMA (174Km) – UYUNI (425Km) – CALAMA (215KM)

Trocamos de ônibus e logo depois veio a Aduana Boliviana, foi tudo muito tranqüilo apesar do tempo que gastamos nisso tudo. Chegando à Aduana Boliviana já se pode ver os trens abandonados com um vulcão ativo soltando sua fumaça de fundo. Seguindo viagem, mais paisagens vulcânicas e montanhosas, e uma surpresa muito agradável e decepcionante ao mesmo tempo, no meio do caminho passamos por um novo mar de boulders, muitos blocos, a rocha se parecia com o arenito de Tuzgle, mas desta vez estávamos dentro de um ônibus e não seria possível parar para conferir e analisar de perto tudo isso, a opção era marcar o lugar e, quem sabe, numa próxima vez voltar de carro. 

 
Foram 10 horas de ônibus, chegamos no Uyuni, às 4h da tarde e fomos cambiar a grana e ver as possibilidades de passeios. Adivinha… o protesto continuava, mas havia um caminho alternativo onde não veríamos a Laguna Verde, escolhemos uma das agências, pagamos o equivalente a R$ 580,00 pelo passeio e fomos encontrar um Hostel para nos alojar. Na Bolívia tudo é bem mais barato e mais simples também, depois de nos alojar saímos para conhecer a cidade, mas antes deixei as lembracinhas do Luca em cima da cama para que ele pudesse vê-las na volta. O Luca brincou em uma fonte de água seca no meio da praça principal onde também tinham várias crianças brincando. Como era véspera de Natal havia uma fila gigantesca com muitas crianças a espera da distribuição de brinquedos, e ainda tiveram eventos com apresentação de crianças, mas era tanta gente que não conseguimos chegar muito perto para ver. 
 
Depois de conhecer um pouco da cidade escolhemos um restaurante com uma boa propaganda de comida Mexicana, mas acabamos ficando com um prato tradicional Boliviano mesmo. Voltamos para o Hostel e fomos à nossa comemoração de Natal, quando abrimos a porta do quarto nem precisamos dizer nada ao Luca, é claro, dois embrulhos com motivos natalinos em cima de uma das camas é como colocar uma etiqueta com letras garrafais dizendo: “PRESENTE DE NATAL PARA O LUCA.” Ele pulou, gritou e comemorou como se estivesse em uma festa, fiquei muito feliz, era o primeiro Natal sem primos e amigos e eu não sabia muito bem como ele encararia tudo isso. 
 
Já era tarde e nos preparamos para o banho, o chuveiro jogava água pelo banheiro a fora chegando a quase inundar o quarto, mas tudo bem era só por uma noite. 
 
No dia 25/12 acordamos cedo, saímos para tomar o café da manhã (não oferecido pelo Hostel), ligamos para as famílias desejando um Feliz Natal e fomos a agência com nossa bagagem e a promessa de um Natal diferente. Chegando na agência nos foi informado que faríamos o tour com outros 4 brasileiros, seria muito bom podermos conversar e ser totalmente entendidos, sem maiores explicações ou sem ficar procurando por alguma palavra que ainda não constava em meu “arquivo de memória” (que já não é grande coisa). 
 
Tivemos que esperar um pouco pelo Guia Dimi com o 4×4 (uma Toyota antiga), mas ele já chegou com os brasileiros dentro, nossa bagagem foi colocada em cima do Toyota e saímos rumo ao Salar. Pelo caminho fomos conhecendo um pouco dos nossos companheiros de tour e descobrimos que o improvável não é impossível. O grupo era singular, composto não de 4, mas de 10 brasileiros, um grupo de estudantes de medicina da USP, mochilando no melhor estilo perrengues. Dali para frente estávamos viajando em 2 Toyotas e 13 pessoas. Era um pessoal muito legal e logo estávamos todos entrosados, e como a grande maioria era descendente de japonês, apelidamos eles, carinhosamente, de "os Japa". A primeira parada é o Cemitério de Trens e como todo turista tiramos fotos da famosa fórmula de Einstein e demos uma voltinha pelo trem. 
 
Do Cemitério de Trens a uma fábrica de sal manual, com direito a demonstração e, é claro, a feirinha de artesanato com muitas coisas feitas do próprio sal. A esta altura já tem sal para todo lado, o chão se torna cada vez mais branco até ficar como o sorriso colgate. Da até dó de ver tanta Toyota, caminhão e ônibus passando pela estrada “limpinha”. Seguindo caminho chegamos enfim ao famoso Salar, com possas de “salmoura” por todos os lados e uma planície branca de doer os olhos, é neste momento que os óculos de sol são nossa melhor proteção. Enquanto fazíamos algumas “gracinhas” e batíamos umas fotos, uma cena inusitada para mim (e a maioria dos turistas)… um ônibus parou no meio do Salar, desceu um homem e … ali, na frente, atrás e do lado de qualquer turista, para quem quisesse ou não ver, o homem tirou seu companheiro pênis para fora das calças e simplesmente esvaziou sua bexiga nas águas por onde estávamos andando, nos molhando e sei lá mais o quê, o Luca tinha até molhado sua calça nestas águas. Ninguém falou nada, mas mais tarde fiquei sabendo que todos ficamos impressionados com o “desprendimento” deste ser humano. 
 
De volta à Toyota o Luca tirou sua calça para secar, com o calor que fazia isso seria bem rápido, nossas pernas já estavam secas e brancas do sal grudado nelas. Seguimos “estrada”, se é que se pode ser chamada assim (não tem nenhum caminho demarcado), o piso foi se tornando mais seco e o chão agora tinha forma de losangos. Chegamos a um interessante Hotel de Sal com uma pracinha com bandeiras de várias nacionalidades, uma piscina e uma lhama de sal como banco. Tiramos umas fotos e seguimos para a solitária Isla Incahuasi, onde cactos gigantes de até 12m de altura compõem um cenário interessante. Almoçamos por lá mesmo, foi o próprio Dimi que preparou nosso almoço, uma boa salada, quinoa, carne de lhama cozida e banana de sobremesa, tudo muito bom. Depois do almoço, um passeio para conferir as curiosidades da Ilha e tocar para frente. A estrada de terra e as montanhas começaram a aparecer enquanto o Salar foi ficando para trás e logo chegamos a um povoado onde passamos nossa primeira noite do tour. No povoado tem um Cemitério para visitação, mas estávamos desprevenidos quanto a visitações pagas e optamos por tirar umas fotos das lhamas que estavam por todos os lados. Nunca tinha visto uma concentração tão grande de lhamas, adultas e filhotes. Nos aproximamos e tentamos tocá-las mas em vão, e então vimos um cachorro se aproximando de uma das lhamas que o encarou no melhor estilo cara a cara e o colocou para correr, e achei que estava no lucro por elas apenas se distanciarem de nós. 
 
Das lhamas para o Hotel esperar nossa janta, de início uma excelente sopa de legumes, fazia frio e a sopa veio bem a calhar, o Léo que não gosta de sopa já estava começando a ficar preocupado com o que iria fazer para forrar seu estômago quando o guia apareceu com uma grande surpresa… frango, batata e banana assados, uma delícia de encher a pança. Depois de tanto comer era hora de “tomar banho” no melhor estilo acampamento tcheco. O banho quente é pago, mas em nenhum momento chegamos a pensar de verdade em banho, nem quente e menos ainda frio. Já na cama brincamos um pouco com o Luca e seus novos presentes e fomos dormir. Neste tour as distâncias são longas, com muitas paisagens para fotos e os dias são curtos, mas tudo valia muito à pena, com tantos presentes, não dava para cobrar mais nada do “Papai Noel”.
 
Dia 26/12 às 4:30hs da madrugada o “galo” Dimi já nos despertava com o café da manhã na mesa e às 5:30hs ele já nos apressava dizendo que já estava ficando tarde porque o dia seria longo… saímos às 6hs. 
 
A primeira parada foi no mirante do vulcão ativo Ollagüe, o mesmo que pode ser visto da Aduana, mas por outro ângulo. O local não tem nada além da vista do vulcão, mas por sua beleza e peculiaridade vale uma parada para fotos… com certeza. Depois do mirante paramos em um lugar com blocos de pedra onde procuramos por boulders, mas tudo era bem quebradiço e nos contentamos em apenas conhecer o local.  Nos deparamos com um incomum “tapete” verde cobrindo alguns blocos no meio de todo aquele deserto, além de uma curiosa plantinha com flores que tinham o tamanho da ponta de meu dedo. As montanhas a nossa volta também faziam da paisagem mais um espetáculo a parte. De volta à estrada passamos por algumas magníficas lagoas cheias de flamingos. No horário do almoço paramos em uma estrada com montanha dos dois lados, e enquanto o Dimi preparava nosso almoço aproveitamos para dar uma volta e conhecer a paisagem local. Andamos um pouco e logo descobrimos uns pequenos habitantes locais muito engraçadinhos, as biscatias, que se parecem com coelhos com rabos de esquilos. Quando a comida foi servida (salada, macarrão, lhama a milanesa e maçã), as biscatias se aproximaram tanto que quase caíam em cima da gente, foi uma companhia bastante agradável apesar de ter que ficar de olho nos nossos pratos. 
 
Depois do almoço os guias nos deram um tempinho para curtir o lugar e percebemos que estávamos BEEEM alto, de cima das pequenas elevações que subíamos só conseguíamos enxergar o topo de algumas montanhas nevadas, mais uma excitante paisagem. Continuando a viagem chegamos a Montaña de las 7 Colores, é impressionante e intrigantemente bonita, paramos para as fotos e perguntei ao Dimi a causa da diferente coloração na montanha ao que ele me respondeu que eram apenas cores diferentes de terra, insisti perguntando se poderia ser a quantidade e qualidade de minérios, mas ele continuou afirmando que eram apenas terras de cores distintas, os minérios estavam nos vulcões. Não fiquei satisfeita com a resposta, mas comecei acreditar que ele não iria conseguir me explicar o que eu queria saber, de forma que me conformei por hora. Novamente na estrada tocamos para a Laguna Colorada que, segundo o Dimi, recebe este nome por ser muito rasa e, com o vento agitando suas águas e fazendo a terra do fundo subir à superfície, se torna vermelha em certos pontos. 
 
A Laguna é realmente linda com todos os seus falmingos, assim como muitas outras que avistamos pelo caminho, com as montanhas refletidas em suas águas. Depois da Laguna vieram os gêiseres, Dimi parou ao lado de um deles e colocou sobre ele uma garrafa pet de 1,5 litros cheia de água, se eu fiquei impressionada com a garrafa flutuando em pleno ar, imagina o Luca: "Olha mamãe, a garrafa está voando sozinha!". Neste ponto do tour já estávamos muito alto, ventava e fazia bastante frio, por isso evitávamos tirar o Luca do carro por qualquer motivo e ele viu tudo de dentro do carro mesmo. Primeiro desceu o Léo para conferir o gêiser de perto, depois ele voltou e foi a minha vez. O Dimi lançou uma brincadeira do tipo pular fogueira e lá fui eu, com o gás quente soprando minhas pernas, bunda, até meus óculos ficaram embaçados. Mais a frente havia um conjunto de gêiseres onde era possível se esconder no gás, que aliás cheirava (ou fedia) a enxofre. Neste dia a pousada ficaria por conta de um Hotel dentro do Parque perto dos gêiseres. 
 
Quando chegamos para nos acomodar ainda estava claro, mas a lua já estava alta, arrumamos um tempinho para brincar de dominó e bonecos com o Luca enquanto, aos poucos, o sol foi se pondo e a paisagem se transformando. A janta neste dia não foi das melhores, sopa de legumes e macarrão com molho vermelho. No dia seguinte novamente teríamos que sair cedo, então decidi ir dormir com o Luca, com o frio as roupas quentes fizeram parte do nosso pijama nesta noite, com direito a luva e meias. O Léo ficou lendo um pouco e a galera que estava com a gente, e mais algumas pessoas, ficaram conversando, mas por pouco tempo. Um russo saiu do quarto por 2 vezes para gritar umas palavras contra os que estavam "fazendo barulho", não que eles estivessem gritando ou qualquer coisa do tipo, mas acho que ele escutava melhor do que eu. No dia 27/12 os guias nos deixariam (todos) no “lugar de ninguém”, no meio do nada, onde trocamos de ônibus entre as Aduanas do Chile e da Bolívia. 
 
Novamente 4:30hs já estávamos na mesa do café da manhã, mas só saímos às 6hs com o Dimi parecendo o coelho da Alice dizendo: “É tarde, é tarde, é tarde é muito tarde.” Neste dia a maioria do caminho nós já tínhamos visto, já que o carro iria nos deixar em Olhagüe, mesmo assim o som de máquinas fotográficas disparando não cessava. Estávamos tendo o privilégio de poder ver tudo pela segunda vez graças ao protesto indígena que impedia a entrada da estrada para a Laguna Verde e a agência de turismo que conseguiu que fôssemos direto para o “lugar de ninguém” pegar o ônibus para Calama sem ter que voltar para o Uyuni. Eu até preferia ver a Laguna Verde com o Licancabur refletido nele, mas também não era ruim poder rever as maravilhas pelas quais tínhamos passado. Chegamos na "rodoviária" em cima da hora e quando fomos colocar nossa bagagem no ônibus, a porta do bagageiro do ônibus caiu na cabeça de 2 dos nossos colegas, abrindo um pequeno corte em um deles. Com uma caixinha de primeiros socorros tudo foi resolvido, com as bagagens no ônibus fomos nos sentar e tivemos uma surpresa desagradável, haviam muito mais pessoas do que assentos disponíveis. Como havíamos comprado nossas passagens a dias atrás, depois de uma certa confusão conseguimos nos sentar, na verdade 2 dos nossos colegas ficaram sem poltrona, mas eles e foram se revezando. Na Aduana Chilena, adivinha… nem sei quanto tempo ficamos parados por lá, talvez 3, talvez 4 horas, todos tiveram que descer com suas bagagens e tudo foi minuciosamente vistoriado. Engraçado que depois da Aduana a quantidade de pessoas em pé no ônibus diminuiu bastante, mas não o suficiente para todos se sentarem, e assim fomos até Calama. 
 
Chegamos a noite e nos despedimos dos Japa torcendo para que eles conseguissem seguir viagem no mesmo dia (pelo planejamento deles, eles iriam para San Pedro), mas deixamos algumas dicas de Hostels para o caso de precisarem. A partir daí tudo voltava ao normal e estávamos mais uma vez só em família. Em Calama, mesmo Hotel e mesmo restaurante de dias atrás, depois de jantar me peguei pensando na galera que estava com a gente, se eles haviam conseguido as 10 passagens para San Pedro, ou se haviam conseguido 10 vagas em algum Hostel, nenhuma das alternativas eram coisas triviais, e eu não iria saber de nada tão cedo. Hoje era dia de banho, um BOM banho, com o corpo limpo era hora de relaxar, dormimos bem rápido.
 
Compartilhar

Sobre o autor

Deixe seu comentário