Sempre convivi com cães e nunca com gatos, a não ser nos últimos anos. Confesso que até hoje não os compreendo bem. Acho que é porque têm uma mente mais sofisticada do que a minha.
É surpreendente a afirmação de que os gatos foram talvez a última espécie a ser domesticada, diferentemente dos cães, que foi a primeira. Existem evidências de domesticação há 3.5-5.0 mil anos no Oriente Médio, em especial no Egito.
Este fato recente explica por que os gatos revertem com facilidade ao estado selvagem e, talvez, porque são tão ariscos e independentes. (Mas há pesquisas recentes que sugerem algo muito mais antigo, como 9.5mil anos.)
Os gatos domésticos evoluíram dos selvagens, que formavam pequenas colônias e caçavam em conjunto. O advento da agricultura tornou interessante a presença dos gatos nas aldeias, capazes de eliminar os roedores que ameaçavam os cereais armazenados. Com o tempo, cruzamentos entre espécies os fizeram menores e menos agressivos.
A genética dos gatos me parece mais variada do que a dos cães. Descendem de um animal remotíssimo, o proailurus, aliás contemporâneo do ancestral dos cães. Dele derivou no Pleistoceno o pseudoailurus, que gerou duas famílias, simplificadamente dos animais que rugem e que miam.
Os primeiros são os tigres, leões, onças e leopardos. Os segundos incluem a jaguatirica, a suçuarana, o lince e o gato. Este último descende completamente dos gatos selvagens do Oriente Próximo, depois difundidos pela Europa e América. São possíveis cruzamentos entre estas famílias, gerando indivíduos híbridos, como o pumapardo e o leopon. Será que você enxerga algum mérito nisso?
Não conhecemos os cruzamentos entre os gatos. Houve raças que derivaram dos animais soltos nas ruas das grandes cidades americanas e europeias. Já o gato himalaio foi criado a partir do persa e do siamês. As raças bengal e savannah resultaram de cruzamentos com o leopardo asiático e o serval africano. Veja na última foto meu espetacular gato Gamba –mas nem pense que está à venda.
Apesar da existência de 250 raças, é impressionante como o gato pouco difere dos seus ancestrais, seja pela anatomia ou pelo comportamento. Percebi isto quando entrei na jaula de um tigre e o vi se esfregar e ronronar, à exata semelhança de um gato.
Eles foram considerados sagrados e mesmo venerados, mas também associados a bruxarias e sortilégios, ao sobrenatural e ao suspense – especialmente os pretos. Existem no mundo quase 300 milhões de gatos domésticos, sendo mais de 20 milhões no Brasil. Mas as estatísticas são discrepantes, podem variam por um fator de 1:2. Escolhi para cães e gatos a mesma fonte, o IBGE.
Recentemente, devido ao porte e asseio, os gatos têm sido mais procurados. Existe uma outra razão: no nosso estilo de vida, muitas casas ficam vazias de dia, o que não incomoda os gatos, por serem solitários. Assim, sua população vem crescendo bem mais rápido do que a dos cães.
Os gatos são completamente carnívoros e têm um forte instinto para a caça. São talvez os mais diversificados predadores existentes: caçam roedores, pássaros, répteis e até insetos. Mas não chegam a ser exímios carrascos: acertam apenas um em cada três ataques.
Seus sentidos são equilibrados e desenvolvidos. A visão, especialmente a noturna, é muito aguçada. Os olhos frontais ampliam a noção de profundidade. Conseguem diferenciar cores, porém sem muita precisão. Não enxergam a menos de 20 cm de distância, o que é estranho para um caçador de animais pequenos.
Os gatos podem mover cada orelha de forma independente, ou seja, ouvem direcionalmente. Sua audição é mais extensa do que a humana e a canina. Têm grande sensibilidade de paladar e tato, neste último caso graças aos bigodes.
Embora inferior ao dos cães, seu olfato é 15 vezes mais potente do que o humano. Possuem um órgão olfativo auxiliar no céu da boca, o que os faz farejar de boca aberta e os torna glutões exigentes. Gatos percebem odores que nós sequer registramos.
Fico intrigado com as muitas aptidões dos gatos: podem sobreviver a quedas de grandes alturas, conseguem atingir velocidades de carros, têm passadas tão precisas que pisam sobre as próprias pegadas, são bons em nadar e ótimos em fugir. Porque tantas capacidades, se progrediram como meros predadores de ratazanas?
Mas penso que é o comportamento dos gatos que os torna mais interessantes. Com seu equilíbrio e flexibilidade, são animais de grande elegância. Têm uma inteligência sutil – seu aprendizado acontece por observação, não só por instinto. Possuem ótima memória e grande capacidade de concentração. Curiosos, discretos e independentes, praticam uma linguagem sofisticada que muitas vezes não conseguimos acompanhar.
Os gatos domésticos vivem entre 15 e 20 anos. Não são exatamente saudáveis, sujeitos a alergias, viroses, doenças renais e digestivas. Sofrem de estresse, depressão e até de neurose. É lamentável que sua velhice ocorra de maneira abrupta, fazendo-os morrer tão rapidamente, cerca de um ano.
Vivendo hoje com cães e gatos, aprendi a apreciar a ingênua e ruidosa dedicação dos primeiros e a discreta sensibilidade e astúcia dos segundos. Os cães são meus amigos fiéis, os gatos são meus enigmáticos companheiros.