Gelo de geleira é bom pra Whisky

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Semana passada fui escalar o Pan de Azúcar (5.100 m) por uma via diferente da que eu já havia subido, a face leste.


Mas me esbarrei num problema, uma geleira extremamente recortada por crevasses. Aquela montanha colombiana era totalmente diferente da que eu havia escalado em agosto de 2009. De saco cheio de ficar pulando buracos intermináveis a 4.900 m de altitude, desci para curtir um dia bonito.

Abaixo encontrei um australiano também em solo, e resolvemos sentar para conversar, o que acabou levando horas… Eu levei uma garrafinha metálica com 200 ml de whisky Laphroigh (single malt de 12 anos). O ausie ficou doido… “Cara, isso é coisa especial, vamos beber em grande estilo…”. E tive uma idéia, resolvi entrar numa caverna de gelo lindíssima, aliás, parecida com às de calcário, mas com uma luz fantástica!

Consegui tirar um pedaço de gelo super cristalino, que poderia ter mais de 20.000 anos! Tiramos a maior onda tomando whisky de 12 anos com gelo de 20.000 anos num lugar belíssimo – o gelo de água desmineralizada é ótimo (p/ o whisky) devido à ausência de sabor por não ter cloro (artificial) ou outra substância.

Algo que sempre surpreende, mesmo para os mais experientes, é a rapidez que uma geleira se tranforma. A primiera vez que vi essa transformação foi em 1992, fiquei aterrorizado. Foi quando subi pela Brecha dos Italianos, numa tentativa de escalar o Fitz Roy. Na primera subida havia neve cobrindo tudo, subida fácil… Mas em uma semana, depois de fazer muito calor, a neve que cobria a geleira derreteu e apareceu somente a geleira repleta de crevasses. E a pergunta comum: “… Porra, e eu subi isso aqui sozinho e sem corda!”. Não fazemos a mínima idéia do tamanho dos abismos cobertos pela neve, mas que não vemos.

Depois de ver isso tantas vezes em muitas outras montanhas, a gente acaba aprendendo, mas é sempre assutador ver a velocidade da mudança.

Sendo assim, teoricamente a melhor época para escalar essas montanhas é no final da primavera, quando a neve ainda tem espessura suficiente para cobrir as crevasses e tornar fácil o avanço sobre as geleiras. No meio ou no final do verão pode não haver mais neve, mas isso muda de montanha para montanha em função da latitude e altitude, a mesma regra pode não aplicar-se da mesma forma no Himalaia, nos Andes ou nos Alpes, ou em alguma montanha com características peculiares, mas o fato é que raramente alguém sobe o Denali (Alasca) nos meses de julho ou agosto. Nas montanhas com rocha e gelo (Patagônia, Alpes, etc), é melhor que haja gelo cimentando os blocos soltos e que faça frio, se todo o gelo derreter a quantidade de blocos que cai é assustador. Ou seja, calor nessas montanhas é uma péssima idéia.

Além de levar algo para “mineralizar” a água de degelo, é bom também levar alguma pastilha (na base de cloro) para matar vermes, é muito comum diarréia por beber água infestada nos acampamentos. E para o seu whisky, experimente um gelo de 20.000 anos! Se você é um bebedor refinado, você vai me agradecer por este conselho, os outros você pode ler em qualquer livro básico de escalada alpina.
Hahaha…

Boas aventuras.

Antonio Paulo Faria

…Aliás, pode ser uma boa idéia montar um empresa para vender gelo raro para bebedores de uisque milionários e excêntricos (ou estúpidos) no mundo inteiro.

Podíamos montar e treinar uma ou várias equipes para isso. Assim teríamos gelos do Everest, da Antártica, do Denali, do Kilimanjaro etc. É claro que o preço varia. Um cubo de gelo de 3 cm do Kilimanjaro pode custar 100 dólares, barato se você levar em conta que as geleiras desse maciço podem desaparecer em poucas décadas!

O gelo do Everest vai ser caro por causa do custo exorbitante para escalar lá. Obviamente um cubo do topo vale muito mais que um da base.

Como saber se o gelo não é falsificado ou fraldado? Primeiro é preciso de um atestado de autenticidade, emitido sei lá por quem! Depois é preciso fazer uma análise química e física de uma amostra. O gelo extraído em profundidade das geleiras são mais densos e resistentes porque ficaram sob uma enorme pressão durante
milhares de anos.

É um negócio bizarro, mas com um bom marketing vende-se até ar condicionado na Sibéria ou lareiras para os moradores de Copacabana. Como existem muitos ricos idiotas no mundo inteiro que não sabem o que fazer com dinheiro…

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Sobre o autor

Antonio Paulo escala há tanto tempo que parece que já nasceu escalando... 30 anos. Até o presente, abriu mais de 200 vias no Brasil e em alguns outros países. Ele gosta de escalar de tudo: blocos, vias esportivas, vias longas em montanhas, vias alpinas... Mas não gosta de artificiais, segundo ele "me parecem mais engenharia que escalar propriamente". Além disso, ele também gosta de esquiar, principalmente esqui alpino no qual pratica desde 1996. A escalada influenciou tanto sua minha vida que resolveu estudar geografia e geologia. Antonio Paulo se tornou doutor em 1996 e ensina em universidades desde 1992. Ele escreveu sobre escalada para muitas revistas nacionais e internacionais, capítulos de livros e inclusive um livro. Ou seja, ele vive a escalada.

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