Grandes paredes e infindáveis possibilidades

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Feriado da Semana Santa e uma promessa de grandes paredes no interior de Minas Gerais.


Equipamento na mochila, um punhado de amigos e pé na estrada, estávamos indo para Almenara, norte do estado.

Já faz alguns anos que devia uma visita à família de meu grande amigo irmão Paulo Barreto. Mas sempre que pensava em ir, pintava algum outro projeto e a visita a Almenara ficava para uma próxima data. Com uma janela de bom tempo e de alguns dias de feriado, fiz a mochila e fui para estrada.

Conheci Paulo Barreto em 2004 na capital e devia esta visita desde então. Paulo foi meu parceiro de escalada em 2006 e 2007 e, junto a Alexandre Mutuca, abrimos inúmeros boulders em Diamantina, cidade esta que lançamos raízes.

Saímos de Belo Horizonte em direção a Diamantina na noite de quarta feira, véspera do feriado, e em pouco mais de quatro horas estávamos na cidade.

Pernoitamos na república Garibaldis, bom para rever os amigos que ainda estão se formando e descansar um pouco antes de seguir viagem. Seriam mais seis horas de carro até Almenara.

Pela manhã, uma visita rápida para um café e prosa com o amigo Alexandre Mutuca em sua nova casa em um dos mirantes mais doidos de Diamantina. As 9hs já estávamos partindo para Almenara.

Depois de seis horas de estrada chegamos na fazenda de José Torres e Anacirema Barreto, pais de Paulo Barreto.

Fomos recebidos com muito carinho por toda família e um excelente almoço para um bando de esfomeados. Um pouco de conversa com o pessoal, algumas horas de sono e já estávamos zerados da viagem.

Wikipediando um pouco, Almenara é um município do estado de Minas Gerais (é o nome também da microrregião). Sua população de acordo com a contagem populacional realizada pelo IBGE em 2007 é de 36.977 habitantes. Está situado as margens do Rio Jequitinhonha, dentro da região conhecida como Vale do Jequitinhonha.

Durante muito tempo Almenara teve a maior praia fluvial do Brasil. À poluição do Rio Jequitinhonha, causada pela extração do ouro feita com mercúrio, trouxe danos imensos ao rio, diminuindo seu volume e, conseqüentemente, alterando seu curso, retirando-lhe este atrativo natural.

A região vive essencialmente da pecuária e terceiros. É uma das cidades mais populosas e mais bem preparadas economicamente do Vale do Jequitinhonha.

A noite uma saída para conhecer a cidade, tomar umas e planejar o dia seguinte. Para o projeto de Paulo precisaríamos de certa organização. Desceríamos o rio Jequitinhonha em infláveis. Nada de botes ou caiaques, faríamos a decida pelas águas barrentas do rio em colchões infláveis que Paulo apelidou de “O.B.N.I”, Objeto Boiador Não Identificado. A idéia pode parecer desastrosa para alguns, mas Paulo já tinha realizado a façanha e estava disposto e repetir.

Para a descida de colchão infláveis pelo rio Jequitinhonha contaríamos com os amigos: Zorahg Tavares, Junior Amaral, Leandro Deleon, Vinícius Gomes e Thasio Fazendeiro.

Acordamos cedo, passamos no mercado para pegar os mantimentos, enchemos os colchões e Thasio fez o transporte de toda tranqueira até as margens do rio. Ele voltaria para fazenda onde nos esperaria se algo desse errado (ainda bem que não deu, porque ninguém pensou em levar um celular).

Depois de dividir a equipe em dois infláveis, seguimos rio abaixo. Entre muitas quedas e desvios de pequenas corredeiras, o rio seguiu tranqüilo pelo vale.

A Descida já durava 4 horas. Com a força do rio cada vez menor e a cerveja já no fim, nosso ponto de chegada ficava cada vez mais distante. Para nossa sorte uma boa alma teve piedade de nós e nos ofereceu ajuda. Bom, pelo menos tentou, já que a cada dez metros os colchões decolavam com a velocidade do barco e jogava todos os tripulantes na água. Com muito bom humor Igor Prates nos levou até perto da propriedade de José Torres. Remamos mais alguns metros e estávamos no braço de rio que banha as terras do pai de Paulo.

Difícil acreditar que fizemos isso, seis amigos remando em dois colchões infláveis rio abaixo levando duas caixas de isopor cheias de cerveja rindo da vida e agradecendo a Deus pela vida boa que Ele nos deu. Era como estar em uma das histórias de Tom Sawyer, vivendo algumas horas longe de qualquer preocupação, só curtindo o rio e tudo ao redor.

Tirando os mosquitos que nos detonaram (já que esquecemos o repelente), e as vezes que tudo caía dentro da água (incluindo a maquina fotográfica), tudo seguiu como planejado.

Era hilário ver a fisionomia de espanto das pessoas que estavam pescando as margens do rio e os próprios moradores ribeirinhos que estavam assistindo tudo de camarote. Pareciam não acreditar no que estavam presenciando. Difícil acreditar que tudo estava bem e que ninguém tinha caído de um caminhão de mudança dentro do rio. Caiaques, canoas e botes até são vistos nas águas do rio Jequitinhonha, mas colchões infláveis… sem comentários.

Wikipédiando mais uma vez, o rio Jequitinhonha banha os estados de Minas Gerais e da Bahia. Ele nasce na região da cidade de Serro, atravessa o nordeste do Estado de Minas Gerais e deságua no Oceano Atlântico, em Belmonte, no estado da Bahia. Percorre uma das regiões que já foi considerada uma das mais pobres do Brasil e do mundo, denominada vale do Jequitinhonha, mas que hoje apresenta desenvolvimento e projeta-se para uma região rica e desenvolvida. Perto de suas nascentes fica a cidade de Diamantina, outras cidades referência da bacia são Araçuaí, Itinga, Jequitinhonha, “Almenara” e Itaobim.

Depois de recebidos com uma bela bacalhoada e uma noite de sono merecida, seguimos para o que mais me impressionou na região, suas grandes paredes amareladas.

Meu projeto inicial de escalada na região era refazer a via Pedra Grande de Almenara, Conquista do C.E.R.J e do C.E.C, esta por Eugênio Epprechet, José Garrido, Fernando Guimarães, Elton Fernandes, Cláudio Leuzinger, Carlos Bernardo e Paulo Boaventura no ano de 1976. Fiquei muito animado em repetir a via, mas logo que cheguei à cidade fui buscar informações. Me disseram que os 40 km de estrada de terra que separam a cidade desta pedra estão em péssimo estado devido as chuvas e má conservação. Não existia maneira de se aproximar de carro e caminhando nos consumiria no mínimo dois dias, tempo este que não tínhamos.

Então, já que esta não poderia ser feita, coletei algumas informações e olhei para uma das paredes que cercam a cidade. Uma linda parede amarela que é chamada de Vista Chinesa ou “Morro da Pedra Amarela”, ainda sem nenhuma via conquistada.

Saímos bem cedo para escalar, depois de um café reforçado, seguimos para esta parede. Para esta empreitada tive a ajuda de Paulo e Thasio, sem eles não chegaria ate o Morro da Pedra Amarela, já que o caminho até lá é bem complicado com estradas nada conservadas.

Depois de uma volta pela região e ver as possibilidades, achamos uma linha tranqüila que parecia nos esperar. Em meio a muita vegetação chegamos até o que seria a base da via, já que toda base estava repleta de vegetação espinhosa, arbustos e bromélias.

Paulo e Thasio ficaram na base enquanto entrei pela vegetação até chegar ao fim de uma rampa ainda um pouco suja. Aí tem inicio uma fenda que se mistura a alguns blocos abaulados mais de boa colocação de mãos e pés.
De uma só vez a via saiu, um 6º grau. Meio em aderência que se junta a uma fenda com um pouco de vegetação dentro. Na parede algumas bromélias (seguir longe delas!). A via foi conquistada em solo, totalmente no susto, já que entrei na parede e quando vi não tinha como voltar. Tentei sair pela vegetação mas não consegui. A única saída era subir.

A parede tem aproximadamente 70m da base ao cume. Os primeiros 35m podem ser feitos em livre até um platô bem confortável, um 2sup sem proteções. A via foi repetida com segurança de cima (top rope) em móvel, mas merece alguns grampos para melhorar a proteção. Então fica ai a primeira via desta parede, Ovos Verdes Fritos 6º grau.

Para chegar até a base da via é necessário passar pelas terras do Sr. Miguel. Basta pedir autorização que não tem problema, vale a velha e boa educação.

Lembrando que Almenara é uma cidade “muito quente” e chove pouco. Logo, protetor solar e repelente contra insetos é essencial para escalar por lá.

A região espera por conquistas e as possibilidades são muitas desde grandes paredes a blocos para esportiva. As fotos podem mostrar um pouco da região, mas só indo até Almenara para se surpreender com suas grandes paredes.

Via conquistada, muitos aranhões e espinhos por todo corpo, sangue até na orelha, motivos não faltaram para comemorar. Saímos da montanha e tomamos umas no mercado da cidade para comemorar. De volta a fazenda fomos recebidos com um belo churrasco feito por José Torres, nosso anfitrião. Mesmo não comendo carne, a mãe de Paulo já tinha tudo no controle e não faltou variedade de comida de fazenda para mim. Muitas fotos com toda família e um banho de rio no fim da tarde com direito a um pôr do sol sensacional.

Domingo pela manhã, hora de ir, juntar tudo e cair na estrada. Almoçamos na fazenda e as 13hs já estávamos em direção a Belo Horizonte.

Gostaria de agradecer a quem me proporcionou este feriado mais que perfeito: toda família de José Torres e Anacirema Barreto. Fui muito bem recebido e me senti em casa na presença desta família tão unida e amável.

Força sempre e boas escaladas.

Atila Barros
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Sobre o autor

Atila Barros nasceu no Rio de Janeiro, e vive em Minas Gerais, cidade que adotou como sua casa. Escalador (Montanhista) há 12 anos, é apaixonado pelo esporte outdoor. Ele mantem o portal Rocha e Gelo (www.montanha.bio.br)

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