Um das colunas anteriores versou sobre as atividades dos caçadores. Ela resultou de conversas com guarda parques do norte de Minas. Escrevo agora sobre os invasores de terras na Amazônia, um texto igualmente baseado em entrevistas com gestores das unidades de conservação.
Grileiros
As terras invadidas normalmente pertencem a dois titulares: aos governos e aos indígenas, nenhum dos quais com uma reconhecida capacidade de fiscalizá-las. Entretanto, estas são as chamadas áreas protegidas, um nome otimista que não faz jus à realidade.
De forma resumida, essas áreas são reservas naturais (como por exemplo um Parque Nacional), unidades extrativistas (como uma Floresta Nacional) ou uma Terra Indígena. A natureza dos parques é considerada intangível, ou seja, não pode ser explorada, ao contrário das demais duas, que permitem usos econômicos.
Apenas um comentário: as fazendas na Amazônia devem possuir uma reserva legal de 80%. Isto significa que apenas 20% de suas áreas pode ser teoricamente explorada; no Sudeste é o inverso, a reserva legal sendo de 20%. Sinceramente, suspeito que aquele percentual está longe de ser observado. Existem é claro invasões nessas áreas ociosas das fazendas, mas não são frequentes, afinal elas têm dono.
Se considerarmos apenas a Amazônia geográfica (por oposição à Amazônia Legal, que inclui partes de Estados do Centro-Oeste), veremos que essas áreas protegidas somam uma superfície gigantesca. São praticamente 2,0 milhões km² de um total de mais de 3,5 milhões km² da Amazônia, ou seja 55%. É um número verdadeiramente continental.
Então, veja que há muita terra exposta. E porque ela é invadida, se na realidade existe tanta terra disponível no Brasil? Há duas razões simples: primeiro, você não tem de pagar por ela e, segundo, a invasão é predatória, vale dizer, você não tem a despesa de construir, só o benefício de extrair.
É uma atividade até certo ponto fácil. Basta identificar uma gleba com bom potencial (por exemplo, com espécies valiosas como a castanheira, o angelim, a cerejeira ou, melhor ainda, o mogno) e boa situação (com acesso razoável e sem a incômoda presença humana).
Tratores, caminhões e serras são mobilizados e, numa ação rápida, dezenas de invasores serão capazes de produzir algo como meia centena de caminhões de madeira de lei por derrubada. Cada qual pode valer R$ 25 mil – faça as contas, é mais de R$ 1 milhão da nossa natureza que desaparece pela ação de criminosos.
Mas há invasores mais ambiciosos: depois de saquear sua cobertura, eles agora também querem a própria terra. Para limpá-la da vegetação menor, nela ateiam o fogo. Como disse um grileiro, é o fogo que forma a terra. Ou ainda, este absurdo: o fogo é a riqueza Amazônia. Estes malfeitores são madeireiras, fazendeiros ou especuladores.
Destocada e limpa, a terra pode agora receber o capim para a criação do zebu. Assim, o grileiro vira fazendeiro. Com a ajuda do arame farpado, companheiro do fogo. Já se disse que ele é um arauto de nossa civilização, aquele que acompanha a derrubada da floresta, precede bois e mudanças, que demarca e isola – e simboliza a propriedade privada.
Ou então, delimitada por algum técnico de ocasião, pode ser loteada e vendida. Como se diz, o engenheiro faz o mapa do jeito que você quiser. Comumente, com o apoio de algum advogado hábil na redação de contratos ou de algum político à busca de votos barganhando sua proteção.
A grilagem é facilitada pela ausência de um controle unificado das terras e pela venalidade dos cartórios. Como disse um estudioso, registrou-se tudo quanto se quis nos cartórios da Amazônia. Uma iniciativa do INCRA detectou anos atrás que 70% dos registros de inacreditáveis 1,0 milhão de km² eram fraudulentos e foram em seguida cancelados. Normalmente os registros forjados são inscritos pelos criminosos na Receita e no INCRA para adquirirem uma aparência legal.
Costuma existir uma certa hierarquia entre os grileiros. Não é incomum serem reunidos por um invasor ou mesmo um fazendeiro com grandes posses e bons contatos. Ou formarem uma associação, para dar uma fachada social a seus crimes. Não sei até que ponto eles se entrosam com as 16 mil ONGs que de lá extraem o seu sustento. Como muitas são estrangeiras, são acusadas de colonialismo verde.
Esta é a forma dominante de agressão à nossa natureza. Mas convém lembrar duas outras, pelos caçadores e garimpeiros. Apesar de parecer menos predatória, considere a grande quantidade de espécies regionalmente extintas – tatus canastra, gaviões reais, onças pintadas, araras azuis, tamanduás bandeira, peixes boi. O assoreamento e contaminação dos rios é o presente que nossos garimpeiros nos deixam, fora o solo revolto e devastado.
Mas não será surpresa se houver participação de algum órgão público: talvez o INCRA tenha iniciado um assentamento nas proximidades de alguma reserva, a FUNAI tenha remanejado convenientemente as tribos indígenas ou o IBAMA ignorado aquele atalho por onde trafegam caminhões sem identificação.
O próprio Governo contribui para as práticas ilícitas. A chamada Lei da Grilagem permitiu o registro das áreas públicas invadidas até seis anos antes da sua publicação, e a custo favorecido. E, pior, é inacreditável considerar que o atual surto de invasões foi estimulado por declarações de um Presidente ignorante e impulsivo.
E como fiscalizar esses territórios gigantescos? Técnicos experientes podem identificar pelas imagens de satélite as regiões vulneráveis (se é que já não são antecipadamente conhecidas). Os sinais mais evidentes são clareiras e fogueiras. Mas então será necessário chegar nelas: um grupo de fiscais deverá embrenhar-se na floresta por talvez uma semana, naturalmente carregando barracas, aparelhos e víveres.
Estas ações devem ser apoiadas pela polícia, de preferência de municípios distantes, para evitar vazamentos. Mais recentemente, o Exército tem também participado, com resultados efetivos. É preciso produzir um flagrante, para o enfrentamento e a prisão de dezenas de invasores. O grupo de fiscalização pode contar com um escrivão, para a execução in loco dos autos de infração.
Os presos devem ser levados às delegacias dos municípios e julgados pelos juízes das varas cíveis das suas sedes. Os fiscais comentam que as leis ambientais são severas, mas sua aplicação pode sofrer influência de juízes lenientes e políticos interessados. A meu ver, a aplicação da Justiça não é executiva ou expedita, sendo lenta, incompleta e irregular.
Inversamente, já encontrei ocasiões em que os fiscais é que são ameaçados pelos criminosos – e até mesmo agredidos. Para minha surpresa, sequer existe um sistema de proteção legal a estes agentes da lei.
E sua remuneração não reconhece a eficácia da fiscalização, não há bônus por desempenho. Lamentavelmente, quando se mostram inoportunos, estão sujeitos a serem remanejados para outras funções ou colocados sob novas chefias. Não é incomum verem suas conquistas destruídas por um novo gestor suspeito, indicado por influência política.
Não sei se seremos capazes, mas o Brasil poderá deixar um belo legado ao futuro, do país e do mundo, se conseguirmos minimamente preservar a ainda grandiosa natureza amazônica.
1 comentário
O mais preocupante nesses movimentos identificados no texto é o patrocínio ou invariável participação de muitos figurões políticos nas artimanhas das grilagens, não só na amazônia como em outros rincões. Quem deveria legislar para proteger ou ainda executar ações assertivas é quem mais lucra com as práticas criminosas.