A independência dos países de colonização hispânica da América foi muito diferente da do Brasil. Nossa independência começou com a revolta pernambucana de 1821, na qual os valentes locais venceram as tropas portuguesas. Do ponto de vista militar, terminou logo em 1823, quando a resistência portuguesa no norte do país foi debelada.
É curiosa a origem da independência brasileira. Dom João VI tinha fugido da invasão de Napoleão Bonaparte, se refugiando no Brasil em 1808. Porém, com o fim da guerra, os tribunais europeus passaram a exigir o retorno do Rei. Dom João usou então do artifício de criar o Reino Unido de Portugal e Brasil para aqui permanecer. Com as demandas da Revolução Liberal do Porto, teve enfim de retornar em 1821.
Dom João, entretanto, deixou no Brasil seu filho Pedro como Príncipe Regente. As cortes portuguesas determinaram que o Brasil deveria se subordinar a Portugal. Pedro passaria a mero Governador do Rio de Janeiro. Exigiram depois que também ele retornasse a Portugal – sua figura era ridicularizada pelas cortes. A resposta foi o emocionado Grito da Independência de Dom Pedro I em 1822.
A vitória do exército brasileiro (formado por mercenários, antigas tropas portuguesas e civis recrutados) no norte do país encerrou três anos de conflito armado – começaram então as negociações pelo reconhecimento de nossa autonomia.
Com o Tratado de Amizade e Aliança entre Brasil e Portugal, este aceitou a independência. O Brasil pagou uma grande indenização a Portugal, bem como uma remuneração aos ingleses sempre presentes por sua intermediação.
A luta pela independência no restante da América do Sul foi muito mais longa e violenta. Iniciou-se em 1808 e levou vinte anos para que todos os países hispânicos do sul fossem autônomos – os da América Central só se tornaram independentes a partir de 1838. Duas figuras militares foram de enorme importância: Simon Bolívar no norte e José San Martín do sul.
Juntos, libertaram toda a América espanhola, da Venezuela à Argentina. A única exceção foi o México, onde nenhum deles participou. O país foi o primeiro a se tornar independente, mas suas raízes históricas foram também diferentes das dos demais.
Bolívar e San Martín tinham muito em comum: pertenciam à aristocracia criolla de descendência espanhola, possuíam grandes propriedades rurais, tiveram educação liberal europeia, nunca foram homens de família, iniciaram muito cedo suas carreiras militares e lutaram desde sempre. Eram homens pequenos e magros, enérgicos e carismáticos. Mas Bolívar lutou mais longamente e faleceu bem mais cedo. Você verá por quê.
O sonho de Bolívar era libertar e manter unidas as nações da Gran Colombia, que compreendia o Panamá, a Venezuela, a Colômbia e o Equador, e da qual foi presidente depois das grandes vitórias militares de Boyacá e Carabobo.
Bolívar idealizou depois a Confederação dos Andes, para uni-la ao Peru e à Bolívia, de cujas guerras de libertação também participou. Já foi dito que, para Bolívar, a América hispânica era a pátria.
Mas Bolívar não conseguiu controlar as disputas internas e acabou assistindo à sangrenta divisão entre os atuais países. Deposto, renunciou à presidência sob a amarga frase de que todos os que serviram à revolução araram o mar.
Sua saúde comprometida desde a infância levou-o à morte por tuberculose antes de completar os 50 anos, em Santa Marta na Colômbia. Ao visitar lá seus aposentos, fiquei surpreso como foi tão pequeno um homem de tão grande estatura.
San Martín retornou da Europa onde permaneceu por vinte anos para consolidar a independência argentina e participar do seu governo como membro do triunvirato, que a dirigiu por um curto período.
Percebendo que seria inviável manter sua pátria independente enquanto os espanhóis não fossem expulsos no norte, organizou o Exército dos Andes para libertar o Chile e depois o Peru.
Dividindo o exército em seis partes, atravessou de forma heroica a Cordilheira dos Andes. Menos da metade das mulas e cavalos sobreviveu. Mas o exército tinha de estar pronto para a luta logo após a travessia.
San Martín conquistou o Chile nas batalhas de Chacabuco e Maipú. Depois, organizou por dois anos a Frota do Pacífico para alcançar Lima por mar.
Suas forças não passavam de 4 mil homens vs. 23 mil adversários distribuídos pelo país. A estratégia de San Martín foi evitar confrontos diretos e fomentar divisões internas. Seis anos depois que começou a formar seu exército na Argentina, San Martín finalmente pôde negociar a libertação do Peru. Tornou-se brevemente seu presidente e partiu ao encontro de Bolívar.
Os dois gigantes se encontram em 1822 na Conferência de Guayaquil no Equador. Não há registros deste encontro. Ao sair dele, San Martín apresentou sua demissão ao parlamento peruano e retornou à Argentina. Como já havia acontecido antes, sempre que buscava apoio, foi recebido friamente.
Decidiu então embarcar para um exílio voluntário na França. Permaneceu lá por quase trinta anos, vindo a falecer já idoso, com mais de 70 anos. Este homem tão peculiar passou dois terços de sua vida longe da América hispânica que ajudou a libertar.
San Martín havia concebido um plano de juntar todas as forças libertadoras para expulsar definitivamente os espanhóis da América. Devo explicar que Bolívar em geral contou com exércitos grandes.
No ambiente politicamente rarefeito da Argentina, disperso entre federalistas, unitaristas e caudilhos, San Martín nunca obteve recursos suficientes. É impressionante o número de chefes militares com quem teve de conviver: Belgrano, Güemes, Rondeau, Balcarce, Irigoyen, Cochrane e estes são apenas alguns dos nomes.
Segundo, apesar da aspiração comum, Bolívar e San Martín tinham perfis distintos. Bolívar não era apenas militar, mas também político – exerceu cargos de presidente em diversos países por 17 anos e não hesitou em praticar crueldades e deslealdades.
San Martín não governou Estados ou Províncias por mais de 4 anos. E mais de uma vez recusou o poder – neste aspecto, foi parecido com seu amigo chileno Bernardo O´Higgins. Embora ambos autoritários, e ninguém comanda um exército sem sê-lo, o argentino era mais um estrategista e organizador e o venezuelano, um líder e comandante.
Então, o que aconteceu em Guayaquil? Bolívar não ofereceu a San Martín senão uma pequena quantidade de homens para sua força libertadora. E ficou evidente que Peru e Colômbia, então dirigidos por cada um deles, nunca uniriam forças por serem rivais. Não caberia a San Martín pacificar o norte, em justaposição a Bolívar. Ao sul, a Argentina lhe negou ajuda e, no Chile, seu aliado O´Higgins estava prestes a cair. Não sobrava mais ninguém para apoiá-lo.
Mas, assim como ele abandonou a América pela Europa, ele já havia inversamente abandonado muito antes a Espanha pela Argentina.
Ele passou a juventude na Europa e lutou na África, na Espanha, em Portugal e na chamada Guerra Peninsular, quando os exércitos napoleônicos invadiram a Península Ibérica. Mas, quando tinha quase 30 anos, decidiu voltar à Argentina. E, da mesma forma como dez anos depois, quando retornou à Europa, ninguém sabe por quê.
Se você for à Argentina, não encontrará cidade alguma, por menor que seja, sem uma avenida, praça, estátua ou rua com o nome de José San Martín. O homem que foi ignorado por seus contemporâneos é hoje o maior herói nacional da Argentina.