O fogo tomou conta do Morro Getúlio e se alastrou pelas encostas do Pico Caratuva. Alguns bombeiros acreditam que a tragédia começou antes mesmo do feriado de Sete de Setembro. A causa do incêndio ainda não foi revelada.
O Corpo de Bombeiros (CB), profissionais do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), montanhistas e vários voluntários trabalharam juntos a fim de conter o incêndio. Apesar da soma de esforços e do trabalho braçal árduo, pois colaboradores carregaram cerca de 20 litros de água nas costas, não foi o bastante para controlar a destruição.
A preocupação dos engenheiros florestais, neste momento, que estudam a Floresta Atlântica e, especificamente, a Altomontana, é que o fogo fosse impedido de chegar ao cume do morro Caratuva, onde a vegetação é mais bem conservada.
O governo do Estado cedeu um helicóptero para transportar 160 litros de água. No entanto, a demanda é superior à capacidade do helicóptero, que teve até mesmo de retirar as portas para suportar o peso.
A real e emergente necessidade era a disponibilidade de aeronaves próprias para incêndios nessas proporções, com capacidade de despejar grande volume de água diretamente nos focos, juntamente, à ação do exército em terra, mediante sua solicitação efetivada, por escrito, pelo Corpo de Bombeiros.
Os colaboradores e a população consciente do problema questionam o motivo pelo qual esse apoio não existiu. Será preciso mais incidentes para as autoridades tomarem providências cabíveis?
Desastres como esses refletem a negligência do Estado às questões ambientais. O local do incêndio, intitulado como Parque Estadual do Pico do Paraná, foi um dos planos de governo para criar uma Unidade de Conservação. Contudo, esta unidade criada pelo decreto 5.769, desde 2002, ainda não foi implantada porque não dispõe de recursos humanos e infra-estrutura mínima. No entanto, sua missão é exímia: conservar as áreas de maior diversidade no Estado do Paraná.
O Engenheiro Ambiental e Concervacionista, Gustavo Gatti respondeu um pequeno questionário a fim de explicar o porquê faz-se emergente a implementação de uma unidade de conservação.
– O que é uma Unidade de Conservação?
Uma unidade de conservação é um espaço territorial que, junto a seus atributos naturais, é destinado à conservação da natureza. Para ser legalmente enquadrada como “unidade de conservação”, uma área precisa atender a alguns critérios:
- – ter sido criada através de ato do poder público (normalmente é o poder executivo quem cria unidades de conservação, mas em menor proporção também o poder legislativo); isso implica em ter personalidade própria: como nome, ato legal de criação e objetivos, por exemplo;
- – deve ter seus limites definidos;
- – estar sujeita a um regime de manejo diferenciado das demais áreas e a ela devem ser aplicadas garantias de proteção.
As unidades de conservação podem ser de 12 diferentes categorias, definidas pela lei federal 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Embora cada unidade de conservação tenha seus objetivos próprios, a idéia é que todas as unidades juntas formem este sistema nacional, cujo objetivo primordial é garantir a existência a longo prazo da biodiversidade que encontramos no nosso país. Embora atualmente tenhamos cerca de 2 mil unidades de conservação no Brasil (considerando somente os níveis federal e estadual), ainda há muito que caminhar para que o nosso sistema de unidades de conservação atinja seus objetivos. Afinal de contas, o Brasil é um país megadiverso e todos seus ambientes devem estar representados e protegidos.
– Como deve funcionar na prática esta Unidade (recursos e ações)?
Com exceção da categoria “reserva particular do patrimônio natural”, que o próprio nome já diz se tratar de uma iniciativa particular em prol de um interesse coletivo, é obrigação do Estado (leia-se poder público: federal, estaduais e municipais) criar, implementar, manter e administrar corretamente as unidades de conservação. É importante ressaltar que isso é um dever do Estado e da coletividade, além de ser um direito do cidadão, conforme está definido na Constituição Brasileira (artigo 225).
Após a criação de uma unidade de conservação, é necessário criar um planejamento para esta área protegida. São realizados estudos do meio físico, biótico e sócio-econômico para determinar como uma unidade de conservação deve operar para cumprir seus objetivos de criação. Todas as definições devem ser detalhadas em um documento norteador chamado de plano de manejo. É responsabilidade do gestor de cada unidade de conservação cumprir o que determina o seu plano de manejo; para isso deve contar, logicamente, com o apoio institucional necessário.
Infelizmente, a realidade das unidades de conservação brasileiras, exceto raros exemplos, é bastante delicada. As instituições responsáveis, principalmente o IBAMA (atual Instituto CB de Conservação da Biodiversidade) e as agências ambientais dos estados não dispõem de recursos humanos e financeiros suficientes para realizar um bom trabalho e garantir a perenidade da biodiversidade brasileira através das unidades de conservação. O Paraná segue este mesmo caminho e infelizmente, apesar de toda boa vontade dos gestores de nossas unidades, estamos na maioria dos casos tapando o sol com a peneira e perdendo mais áreas naturais a cada dia. <br>Estamos falhando nesse nosso dever. Ao mesmo tempo, estamos privando o direito dos atuais e futuros cidadãos de viverem em um ambiente equilibrado.
– De que forma uma Unidade de Conservação poderia evitar ou minimizar impactos ambientais como esse ocorrido no morro Getúlio e Pico Caratuva?
A região onde ocorreu este lamentável incêndio está inserida nos limites do Parque Estadual do Pico Paraná, uma pequena unidade de conservação estadual criada em 2002 com pouco mais de quatro mil hectares. Embora pequena, esta unidade de conservação tem um papel importante, pois deve proteger um trecho remanescente de Mata Atlântica, além da bela paisagem da Serra do Ibitiraquire. Vale ressaltar que a Mata Atlântica é um dos biomas mais ricos do mundo em termos de endemismos e que ainda sofre uma ameaça histórica que já a reduziu para meros 7% do que era originalmente.
Se estivesse implementada, ou seja, caso tivesse uma equipe trabalhando exclusivamente nesta unidade, se tivesse um plano de manejo, se tivesse estrutura física para abrigar os serviços necessários e obviamente se tivesse os recursos financeiros para galgar a este patamar mínimo aceitável, certamente então haveria um monitoramento intensivo nessa época do ano para detectar e logo combater qualquer tipo de incêndio criminoso que ocorresse. Em outras palavras, caso fosse um parque implementado (e deveria ser!), seus gestores provavelmente já teriam toda uma articulação institucional e operacional necessária para acionar rapidamente uma operação de combate ao incêndio, mobilizando não só as forças públicas que detêm esta atribuição, mas também grupos de voluntários que poderiam auxiliar sobremaneira na operação. Equipes treinadas e com os insumos necessários para realizar um bom trabalho deveriam estar à disposição. Talvez até mesmo tivesse sido combatido e extinguido o incêndio logo no seu início, sem a necessidade de mobilizar centenas de pessoas em uma missão hercúlea com as condições desfavoráveis.
– Quais são as medidas a serem tomadas para implantação dessa Unidade?
Um primeiro pequeno passo pode ser considerado fundamental: a intenção e vontade político-institucional de se proceder a implementação. De pouco adianta criarmos unidades de conservação em datas comemorativas e largá-las ao abandono e à própria sorte. É necessário haver uma articulação básica internamente à própria agência ambiental responsável e é preciso que alguém vista esta camisa e faça as coisas acontecerem.
Talvez chegue um dia em que as autoridades percebam que, além de sua obrigação, é também um bom negócio ter um parque bem implementado, dando suporte a atividades tão interessantes que passem a ser o cartão de visitas de um governo de visão e responsabilidade. Some-se a isso a movimentação econômica gerada pelas atividades associadas ao funcionamento de uma boa unidade de conservação, como o turismo em áreas naturais, por exemplo.
Porém, algo que raramente se menciona, e que considero mais importante que o restante, são os serviços ambientais que continuam a acontecer a partir de uma unidade bem implementada. Água limpa, abundante e contínua, manutenção de aspectos cênicos de uma paisagem preservada, polinizadores, incorporação e imobilização de carbono, microclima, macroclima, biodiversidade com diferentes potenciais de uso (seja direto ou indireto), ciclagem de nutrientes, recarga de aqüíferos, estabilização de encostas, pólos de disseminação de fauna e flora para a recolonização das áreas degradadas do entorno, etc., são alguns dos muitos serviços que as áreas protegidas realizam ou tem o potencial de realizar.
Para a implementação acontecer, já que os governos historicamente não têm demonstrado o bom senso necessário, creio que também a sociedade deve se mobilizar e não apenas exigir, mas também colaborar como puder para que a implementação ocorra. Já temos excelentes exemplos que “montanhas adotadas” por grupos de pessoas, ou programas de educação e sensibilização patrocinados por empresas, ou universidades que desenvolvem suas atividades de pesquisa tendo como área de estudos uma unidade de conservação. Essas iniciativas não bastam por si, mas contribuem muito para a melhoria do quadro. Esses exemplos deveriam ser multiplicados. Porém, atenção: em qualquer que seja a circunstância, é preciso respeitar o plano de manejo e os responsáveis pela sua implementação, ou seja, os gestores da unidade.
– Como montanhistas e visitantes podem colaborar com a conservação do local? E como a UC evita, controla e reprova atitudes degradantes?
Primeiro passo, ter um comportamento adequado quando estiver visitando uma unidade de conservação. Respeite as normas, pois elas existem para a sua segurança e para a perenidade dos ambientes que as unidades de conservação protegem. Na falta de orientação, como no caso de uma unidade não implementada, o importante é agir com bom senso: não faça fogueiras; não corte ou danifique vegetação; traga todos os seus resíduos de volta e aproveite para coletar algum lixo que “por acaso” alguém tenha esquecido para trás;
1 comentário
Excelente retrospecto e novas reflexões