Quando em 1951, Ignazio Piussi recebeu sua primeira corda, dificilmente poderia imaginar que se tornaria no emblema do “sextogradismo” dolomítico, apenas uma década depois. O italiano que faleceu em 11 de junho do presente ano aos 73 anos de idade, na cidade de Gemona, dedicou mais de cinquenta anos a sua paixão pelas montanhas que descobriu aos 16 anos.
Para Ignazio bastaram somente oito anos de escaladas para realizar sua primeira grande incursão em rocha, na Torre Trieste, aonde junto de Giorgio Redaelli abriu a “Superdirettisima”, que ficaria como símbolo do artificial extremo da época e como rota muito cobiçada para repetição. Isso foi em 1959. “Ignazio nunca falava de montanha, nem de suas escaladas. Durante os 50 anos que fomos companheiros só mencionou a Superdirettisima para me alertar de seus riscos”, afirmou Roberto Sorgato, um dos companheiros de cordada mais antigos de Piussi.
Isso foi o começo, porque depois, dotado de condição física invejável, Ignazio, participaria em algumas das grandes empreitadas alpinas da década de 60. Acompanhando René Desmaison, Pierre Julián e Yves Pollet-Villard na ascensão do Frêney em 1961, um dos desafios “impossíveis” do Mont Blanc que já tinha resistido às tentativas de alguns dos grandes alpinistas do momento, como Walter Bonatti, cuja tentativa acabaria em uma das tragédias mais relevantes do maciço, apenas alguns meses antes. Robert Guillaume, Pierre Kohlman, Andrea Oggioni e Antoine Vieille faleceram após vários dias impossibilitados de descer devido a uma tormenta na La Chandelle no que deveria ter sido uma “bonita” conquista, sobrevivendo Walter Bonatti, Roberto Gallieni e o fortíssimo Pierre Mazeaud. Essa conquista (700 m, ED) finalmente seria realizada quando os britânicos Chris Bonnington, Ian Clough, Don Whillans e o polonês Jan Duglosz, que coincidiriam de se encontrar com a equipe de Piussi e chegariam ao cume quase juntos, embora Bonnington e Whillans proclamassem naquele momento sua “vitória”, iniciando uma dessas polêmicas que se arrastam através dos anos.
Vida depois do Frêney
Depois daquela segunda/primera no Mont Blanc, e no mesmo ano, se consagraria com a tentativa invernal de outra das paredes cobiçadas, apesar de não ser uma face Norte dos Alpes: a “Solleder a la Civetta”. Teria que esperar dois anos e convencer Toni Hiebeler e Sergio Radaelli para conseguir superar os 7 intensos bivaques da Solleder-Lettenbauer.
“Piussi era alguém completamente diferente, em tudo, comparado aos outros”, disse Roberto Sorgato, com quem Ignazio tentou até 17 vezes a Norte do Eiger sem êxito, entre 1963 e 1964. “Era tremendamente humano e isso era o que mais se destacava dele, acima de sua habilidade nas montanhas”. Destreza que voltaria a demonstrar em 1965 com Mazeaud e Sorgato para completar sua via, a Punta Tissi, no ano de 1967, ou com Alzio Molin no esporão norte-oriental ao Cima Su Alto, ambas no grupo de La Civetta.
“Sem dúvida ele foi um grande montanhista e um grande atleta, mas além das suas grandes ascensões, não se deve esquecer das suas vitórias no esqui cross country e salto de esqui. Ignazio era completamente natural, ele tinha tanto força como agilidade. Eu nunca vi ninguém como ele.
A um ponto em que ele foi ao Mont Blanc, como habitualmente. Ele deixou Chamonix a pé, chegou a Les Houches e seguiu em linha reta até a montanha, que depois de algumas centenas de metros o levou à Dôme du Goûter e depois ao cume do Mont Blanc. A partir daí ele atravessou o Mont Maudit e Mont Blanc du Tacul, desceu a Vallée Blanche e retornou para Chamonix. Um enorme percurso, tudo em um único dia, sem dizer nada a ninguém. Talvez eu seja o único a saber disto.
Haveriam inúmeras coisas a dizer tais como o fato de que ele tinha uma vida dura, porque ele era um gênio e tanto crédulo. Mas, quando era o momento certo, ele sabia como contar uma história, era um grande animador. Viajou pelo mundo e, embora nunca tivesse estudado, falava muitas línguas diferentes. Ele gostava de fazer as coisas, construir coisas: até o final dirigiu as obras de reforma da sua cabana em Malga Cragnedul. E ele amava a sua terra, suas montanhas, as Julian Alpes.
Acabei de falar com Pierre Mazeau, ele disse que com Piussi uma era chegou ao fim. Sim, pois já não existem homens e montanhistas como ele.” Contou Sorgato, escolhendo com cuidado a partir de milhares de imagens que certamente encheram sua mente de lembranças.
Sua capacidade de brigar contra as contingências, quem sabe por consequência de ser o menor de dez irmãos, o levou a ser escolhido para participar em algumas grandes atividades fora dos Alpes. Seguiu para a Antártida em 1968 (con Manzini, Mauri, Ollier, Segre e Stocchino) fazendo parte da primeira expedição italiana que explorou aquela paisagem selvagem, regressando com oito cumes virgens na sua bagagem. Fez parte da equipe que tentou, em 1986, o Churen Himal (Nepal) e em 1975 da que tentou a sul do Lhotse, liderado por Cassin, no que seria sua última aventura como alpinista de vanguarda, afastando-se das grandes atividades por consequência de uma luxação nas costas.
Ignazio nasceu em 22 de abril de 1935 em Pezzeit (Val Raccolana, Itália) e se criou com a vista diante de um horizonte de montanhas. Seu bisavô, Giuseppe Piussi, mais conhecido como Pucich, foi o primeiro guia de montanha do vale, iniciando uma tradição familiar que seguiriam seu avô Ignazio, seu tio Osvaldo Pesamosca (guia da montanha Julius Kugy) e seu filho Davide Pesamosca.  , ,  ,
Assista na WebTv TrentoFilmfestival um filme de Nereo Zeper: Ladro di montagne – Ignazio Piussi: montanhista e explorador
Principais fatos que marcaram a trajetória de Piussi:
1952 – primeiras experiências noalpinismo com os irmãos Arnaldo e Berto e Perissutti e Lorenzo Bulfon.
1954 – 1ª ascensão da face norte do Piccolo Mangart di Coritenza.
1955 – 1ª ascensão da face norte (Pilar Leste) do Mt. Veunza (Gruppo del Mangart) com os irmãos Perissutti.
1955 – 1ª ascensão de repetição da via Lacedelli, Cima Scotoni (Dolomitas)
Inverno 1956 – 1ª travessia da cadeia montanhosa do Mangart com Lorenzo Bulfon, Arnaldo Perissutti e Bruno Giacomuzzi.
1956 – 1ª ascensão da face norte (Pilar Oeste) do Mt. Veunza (Gruppo del Mangart) com A. Perissutti.
1958 – a sua 1ª ascensão solitária: spigolo Deye Peters-Sulla, Torre della Madre dei Camosci (Jof Fuart).
1959 – 1ª ascensão da face Sul da Torre de Trieste (Civetta – Dolomitas) com Giorgio Radaelli.
1961 – 1ª ascensão ao pilar central do Freney (Mont Blanc).
1962 – 1ª ascensão do Pilar Norte do Mangart Piccolo di Coritenza com Sergio Bellini e U. Perissutti.
Inverno 1963 – 1ª ascensão de Solleder-Lettembauer, Civetta (Dolomitas), com Sergio Radaelli e Tony Hiebeler.
1965 – 1ª ascensão da Punta Tissi (Civetta-Dolomitas) com Roberto Sorgato e Pierre Mazeaud.
1967 – 1ª ascensão da aresta Noroeste do Cima su Alto (Civetta – Dolomitas) com Alziro Molin, Aldo Anghileri, Ernesto Panzeri.
1968 – Expedição Antártida organizada pelo C.A.I. e o Centro Ricerche Nazionale. Durante os 21 dias de exploração escalaram 8 picos virgens. Eles foram os primeiros italianos a explorar o continente antártico.
1975 – expedição liderada pelo italiano Riccardo Cassin para a face Sul do Lhotse.
Redação AltaMontanha com informações de Desnivel e PlanetMountain