Impressões equatorianas

0

Carimbo que faltava em meu passaporte, o Equador, país que não faz fronteira com o Brasil, me mostrou o que eu já esperava: Semelhanças incríveis com outros países de nossa América do Sul. Vou falar um pouco sobre isto e o andinismo no país.

Bem, cheguei ao Equador com sonhos audaciosos mas nada impossíveis. Bastava o tempo ajudar e eu teria cumprido com tudo, mas montanha envolve disso. Derrotado duas vezes no Cotopaxi e duas vezes no Illiniza Norte, ganhei tempo de sobra pra refletir e fazer uma coisa que eu sou muito bom em fazer, observar e construir conhecimento de uma modalidade de História não muito popular dentro do meio acadêmico, a História Comportamental, de mentalidades.


Assim sendo, fiz uma série de observações e de acordo com isso fui organizando anotações com intenção de desenvolver este texto, passando um espelho de como é o Equador e a população equatoriana, dos andinistas que vivem, escalam, e guiam por lá, além do perfil dos alpinistas que tomam emprestadas as grandes e belas montanhas do país para experimentar (grande maioria) algo maior que cumes europeus e norte americanos limitados aos 4000 metros.


Povo Equatoriano

Lembraram-me muito os bolivianos. Não semelhança antropológica mas de caráter e uma característica que pensei ser exclusiva dos bolivianos: multi-profissionalismo. Quem já foi confirma, na Bolívia todo mundo é multi-profissional e faz qualquer negócio por dinheiro pra sustentar sua família. No Equador não é diferente, entretanto mais restringido. Várias pessoas possuem mais de um emprego, ou bicos, e necessitando de um outro por um trocado extra são “pau-pra-toda-obra”, não negam fogo. E isso não fica somente em classes desfavorecidas não, mas é bem distinto entre cidade grande (onde a força de trabalho é formal portanto um emprego em horário comercial) e pueblos (onde mesmo um bom emprego não impede de correr por um extra, talvez por falta de fiscalização, olho grande, ou pura necessidade por má remuneração). Exemplo: Em Lloa paguei por transporte até o Guagua Pichincha ao delegado da cidade. DELEGADO. Não era um policial qualquer. Vestia um terno e dirigia uma Vitara!


Nos pueblos a fisionomia é andina e vida também (índios de cabelos lisos, vida essencialmente rural), na cidade grande a moda, bebedeira e baladas reinam livremente.


Reuniões sociais nas praças e parques de Quito são muito comuns, e nelas as pessoas (predominantemente homens) jogam jogos de tabuleiro, volei, futebol, bolas de gude, todos juntos. É bastante interessante observar os costumes.


Uma coisa que se nota de diferença gritante entre nosso país e o Equador: Aqui no Brasil quando não se mora em uma cidade grande como São Paulo, ou Rio de Janeiro, ou Curitiba, Belo Horizonte etc, se mora em cidades de interior. Na cidade grande ou no interior o tráfico de drogas e a tecnologia estão presentes e não há escapatória. Por mais diminuta que uma cidade seja a desgraça encontra seu caminho (em 30 de janeiro de 2011 vi no Fantástico uma reportagem sobre venda de índias adolescentes pelas próprias mães no Mato Grosso do Sul, drogas e prostituição destruíram o meio de vida indígena que, como já falei antes aqui e em outros lugares, no Brasil está meio que acabado. A vida indígena brasileira foi “institucionalizada”, modernizada, atualizada).


No Equador é diferente. Lá (assim como em outros países sul-americanos) as cidades de interior se chamam pueblos, e nestas cidades as drogas não chegam, a vida é essencialmente rural. Algumas delas sequer tem energia elétrica. Todo dia de manhã o ovo é fornecido pela galinha, e o leite pela vaca. A carne vem da llama e as roupas são artesanais. O arroz é andino (Quinua), o milho é colhido no quintal de casa (choclo). Isso é um exemplo de coisa que falta ao Brasil. Melhor, está em extinção. Viver em lugares longínquos e sem adventos simples da tecnologia moderna criam uma certa barreira contra os maus que o próprio homem criou, salvando, mesmo que por enquanto, estes povos dos pueblos. Até quando?


A Dolarização no país


Desde março de 2000 que o país abandonou sua moeda Sucre, adotando o dólar americano como moeda corrente. Manifestações sem precedentes não foram suficiente para deter as medidas de Noboa, presidente do país na ocasição.
Perguntei pra algumas pessoas como foi a transição, e o melhor tipo de gente pra se fazer isso obviamente são taxistas. Assim como aqui em nosso país, sempre são um pouco politizados e gostam de conversar sobre seu país e são curiosos sobre o país dos outros, especialmente hermanos como nós.
O que escutei mostrou uma falta de planejamento tremenda: Assim que foi decretada a mudança da moeda, notas foram trazidas dos EUA para o país (o que aumentou mais e mais a dependência equatoriana em relação aos yankees – comércio, acordos, importações e exportações, empréstimos – dívida externa). Porém, ninguém teve a brilhante idéia de trazer também moedas. Só foram trazidas e impressas cédulas!!!


O que aconteceu foi um tremendo salto na inflação, vez que o pãozinho que custava o equivalente a cinco centavos de dólar passou a custar 1 dólar, um litro de leite que cutava o equivalente a 30 centavos passou a custa 1 dólar, um punhado de frutas no mercado popular que custava o mesmo que 50 centavos de dólar americano passou a custar 1 dólar. Tudo isto porquê a menor cédula existente era a de 1 dólar! Que absurdo…


O problema só foi resolvido 18 meses mais tarde com a chegada de moedas, moedas estas que desapareceram na sua maioria dos EUA, que foram repassando ao Equador moedas que iam sofrendo modificações de modelo ficando obsoletas. Ainda hoje se vê americanos no país, turistas, se divertindo ao ver moedas que não viam há pelo menos uma década.


É no mínimo estranho ouvir o povo equatoriano dizendo a palavra “dólar”. Não soa bem.


Segurança no Equador


Assunto delicado como em todo lugar. Para turistas, é precária com a colaboração dos locais, explico.
Durante as 3 semanas que passei por lá, escutei quatro relatos de quatro pessoas diferentes e países diferentes que foram roubadas e perderam tudo, desde o mp3/ ipod até o passaporte e a câmera fotográfica.
Táticas comuns no Equador:



Pickpocket, a mesma que eu sofri em Roma. Lá é comum em ônibus lotados.
Navalha na mochila, não é nada seguro viajar com mochilas em ônibus no Equador, seja uma viagem curta de um bairro pra outro, seja entre cidades. Sabe quando a gente decide ficar com a mochila de ataque na mão com as coisas mais valiosas como laptop, máquina, celular e documentos? Lá isso é pior. Seria melhor se a mochila estivesse no bagageiro junto com o mochilão. O que eles fazem é por debaixo do seu assento, cortam a mochila com uma navalha e retiram seus pertences sem que você note. Em um dos quatro relatos, a pessoa estava abraçada com a mochila e mesmo assim perdeu passaporte, câmera, ipod, cartões de crédito e cerca de 300 dólares em espécie.
Assalto, este conheço bem. Assalto a mão armada. Muito comum no centro de Quito. Domingos e feriados são dias de ficar enfurnado dentro do albergue por instinto de auto-preservação!

Agências, tours, escaladas, refúgios e equipamentos


O centro de Quito nova é regado de agências que organizam tours para montanhas, cavalgadas, Galápagos e se preferir só transporte, uma a cada esquina.
As mesmas agências fornecem expedições completas para escaladas inclusive combos de aclimatação e escalada nas principais montanhas procuradas: Cotopaxi e Chimborazo.
Se você não quiser uma expedição completa e apenas um guia, apenas contrate um transporte pra montanha desejada e fique no refúgio, lá encontrará pelo menos uma dúzia de guias com clientes, contrate o serviço e pague na hora.


A maioria das grandes montanhas equatorianas possui refúgio de pequena, média e grande capacidade. Chimborazo, Cotopaxi, Cayambe, Antisana, Tungurahua, e até o Guagua Pichincha contam com refúgios. O maior e mais impressionante é o Jose F Ribas do Cotopaxi que tem beliches para 86 pessoas, com locker individual que cabe sem exagero 3 mochilas de 90 litros cada. Em caso de super lotação, usando o chão e mesas para sacos de dormir, essa lotação sem dúvida cresce para 200 alpinistas!


Para equipamentos, muitas lojas vendem equipamentos para escalada mas nem todas de qualidade. Inclusive é complicado encontrar bujão de gás com rosca, muito usado por nós aqui no Brasil, tive que andar dez lojas até encontrar uma que foi cara, mas encontrei. A conhecida loja tatoo que existe no Perú e na Bolivia também é fantástica lá. Tem nada mais nada menos que 3 andares, mesmo sem equipamento é possível entrar na loja e sair pronto para uma expedição ao himalaia! Só um porém, o segurança da loja é meio “noiado” e fica perseguindo os clientes que entram e começam a ver as mercadorias. Entrei e me senti desconfortável, reclamei com a gerência da loja e saí.


Andinistas e guias equatorianos


Muito fortes, lembram muito os bolivianos. Caminham em alta montanha como se estivessem na praia em nível do mar, estão constantemente aclimatados já que guiam praticamente 4 ou 5 dias da semana. Alguns fazem cume no Cotopaxi até cinco vezes em uma única semana!


Em geral são muito divertidos, muito experientes e não trabalham sós, sempre para uma agência em contrato. Assim&nbsp, são meio que funcionários&nbsp,mas possuem certa liberdade de decisão. Todos se conhecem, todos já escalaram a grande maioria das montanhas de seu país. As maiores todas, as menores escolhem ou não conseguem por erupções vulcânicas.


Por exemplo, eu e Boris planejamos escalar juntos como parceiros o Tungurahua (5.021 metros, 10° ponto culminante do país) mas não conseguimos. Todo dia que pensávamos ir, uma nova erupção começava. Em 21 dias no país, o vulcão teve 6 explosões em seis dias diferentes, como pequenos alívios de pressão, com fluxo piroplástico de pequeno porte mas mesmo assim com temperaturas elevadíssimas de 200 a 250 graus celcius próximo à cratera, muito arriscado subir. É um dos vulcões mais ativos do país que fica em um pueblo chamado Baños, e em erupção contínua, com dias bons e ruins. Uma roleta russa. Boris nunca o escalou e tem o sonho de subir mas nunca rola quando ele tem tempo disponível.


Escaladas no exterior: Não são todos os guias que são andinistas, alguns fazem só como profissão, outros fazem por extensão à paixão pelas montanhas como o Boris, que já fez diversos cumes nos andes, nos Estados Unidos (onde morou por 7 anos), alguns na Europa. Estará de partida para a polacos em mais uma ou duas semanas mas já fez cume no Aconcágua pela normal.


O máximo que alguns guias fazem por treinamento é atravessar até a Colômbia e Perú, vizinhos do norte e do sul, para treinar nas Sierras colombianas ou em Huaraz no Perú, viagens curtas mas que proporcionam experiências boas aos guias.


Os alpinistas de fora no Equador, estrangeiros como eu


É meio triste notar que, o pessoal de fora que visita o Equador, em uma variedade de nacionalidade incrível, sempre chega por lá cego pelo Cotopaxi e Chimborazo e só isso.


Cruzei nas montanhas com muitos norte-americanos, australianos, austríacos, polacos, alemães, espanhóis, eslovacos, portugueses, holandeses, sul-africanos, canadenses, franceses, tchecos, e tantos outros que nem me lembro mais. Sempre o perfil de objetivos é o mesmo, as duas mais altas. Um ou outro diz que vai ao Cayambe ou ao Antisana, montanhas mais perigosas e mais técnicas, que estavam na minha lista de objetivos e que nem pude tocar por causa da gripe que me pegou na semana que o tempo ficou límpido no país.


Os piores são certamente os norte-americanos, franceses e polacos, que não sabem reconhecer as condições adversas e saem pro cume mesmo quando uma tempestade terrível ataca do lado de fora da proteção das paredes e rochas de um refúgio. São cegos pelo cume, não importa a escalada, como chegam lá, se tem risco de avalanche, topam qualquer negócio.


Na minha segunda tentativa observei isso, e já havia notado esse comportamento antes em outros países. O tempo estava péssimo do lado de fora do refúgio, mau dava pra abrir os olhos de tanta nevasca que descia em ângulo de 60° por causa do vento cortando o rosto como navalha. Mesmo assim forçaram seus guias a saírem e voltaram tão logo chegaram na linha do glaciar, onde o frio e o whiteout chegaram ao patamar de insuportável, e voltaram semi-congelados.


Na maioria arrasadora pagam por escaladas guiadas, inclusive fecham pacotes com montanha de aclimatação (Rumiñahui – dentro já do “parque” do Cotopaxi), Cotopaxi e Chimborazo.


Os “parques nacionais” do Equador


Muito me lembram o nosso país, desafortunadamente é claro. Os parques nacionais do Equador só existem mesmo no papel, na guarita, e no comprovante bonitinho que te entregam quando você paga os dois dólares de taxa na entrada. Servem pra dar emprego a meia dúzia de coitados que ficam na guarita todo dia recolhendo as moedinhas.


Dentro dos parques, ao contrário do que se espera, existem propriedades privadas com casas, hospedarias (exemplo: Tambopaxi dentro do parque do Cotopaxi), e até mesmo plantações: Extrativismo de madeira. Pinheiros e eucaliptos.


Os parques são repletos de lixo por todas as estradas ou trilhas que passam dentro dos limites, e o único ponto positivo que pude notar são as sinalizações, bem localizadas.


Um exemplo: Conheci o dono do refúgio dos Illinizas, que também é um parque nacional. A propriedade é privada, o faturamento vai pro bolso dele. O governo só vê uma pequena fatia no final do mês pois ele sonega imposto sem entregar o recibo a quem dorme por lá, disse que “alega que a maioria acampa ao lado do refúgio”. Mas ele não conta que ganha dinheiro até mesmo de quem acampa, cobrando uma quantia “simbólica” de cinco dólares. Dormir no refúgio custa algo em torno de doze dólares, não sei pois não perguntei e não usei o refúgio.


Acredito que o correto seria a renda do refúgio pagar o funcionário que fica por lá e só isso, o resto deveria ser pra manutenção do próprio refúgio e de manutenção do parque, das trilhas, limpeza e eventualmente alguma bem-feitoria pra educação local. Isso não acontece.


Bem, acho que é isso. Espero ajudar quem deseja conhecer este belo país! Não se preocupe com os pontos negativos, são fáceis de contornar. Existe problemas no Equador assim como existe aqui, nenhum país é “quase perfeito” como a Noruega. Em alguns pontos o Equador perde pro Brasil, em outros ganha. Mas enfim, essa é a vida moderna como a conhecemos…


Abrazos a todos,

Parofes

Compartilhar

Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

Comments are closed.