Ao se deparar com a quantidade de repórteres, ainda no Hospital São José, em Criciúma, Davi Luis Ghislandi, de 30 anos, surpreendeu-se com interesse que o público teve pela sua história. Ainda alterado pela adrenalina do apuro que passou, ele explica que não se perdeu na Trilha dos Tropeiros, na Serra catarinense, como foi divulgado enquanto o Corpo de Bombeiros procurava por ele na madrugada desta quinta-feira.
Natural de Nova Veneza, ele conta que tem cinco anos de experiência como montanhista e que estava em uma expedição de quatro dias. Na quarta-feira ele havia montado acampamento em um local e saído para explorar, como costuma fazer. Quando voltou viu que seu equipamento estava queimado e achou melhor pedir ajuda.
– Nessa época eles queimam os campos na Serra. Na hora que eu montei o equipamento base e parti para o pico, não tinha fogo. Quando voltei, todo meu equipamento estava queimado, inclusive roupas e alimentos – conta.
Sem seu equipamento, com o qual poderia deixar a montanha por conta própria, além de não contar com roupas ou suprimentos para se manter estável e aquecido até a manhã seguinte, Ghislandi soube que precisava de ajuda.
– Vi que era muito mais arriscado partir no campo aberto à noite do que esperar ali e informar alguém competente de que eu estava em uma situação de emergência. Se tivesse dado noite de geada eu provavelmente não estaria aqui agora – desabafa ele.
Depois que pediu ajuda, Ghislandi aguardou 14 horas até ser resgatado e garante que viveu a pior noite de sua vida. O Tenente Samuel Ambroso, do Corpo de Bombeiros de Sombrio, foi um dos que, como voluntário, ajudou a encontrar Ghislandi e o encaminhou até o hospital, em Criciúma, onde foi examinado e liberado em seguida. O montanhista passa bem.
Confira a entrevista de Ghislandi ao jornal Diário Catarinense
DC — O que você fez quando soube que precisaria de ajuda?
Davi Ghislandi — Eu contatei os bombeiros. Eles foram solícitos. Eu tinha as informações, as coordenadas e eles me disseram que o resgate não era possível naquelas condições. Foi a pior noite da minha vida, garantido, porque o frio dói. Tive que deitar em cima da fogueirinha.
DC — Como você se manteve aquecido?
Ghislandi — Consegui fazer uma fogueira, mas a manutenção do fogo me dava tanto trabalho que uma hora eu desisti. E acabei com todos os papéis e querosene. O que me salvou foi o repelente, que é um bom iniciador de fogo. Eu prezei me manter, nessa situação, num lugar que tivesse mais ou menos sinal de celular. O negócio é não fazer o que eu fiz, que é subir numa montanha de 1,2 mil metros sozinho. Foi uma imperícia, um erro.
DC — O que você estava fazendo na Trilha dos Tropeiros numa quarta-feira?
Ghislandi — Eu estou me reorientando profissionalmente e, junto com alguns amigos, estou com uma empreitada de turismo de aventura, para início no ano que vem. Desta vez eu estava em uma aventura solo, mas tinha uma conotação de exploração naquela região. E por isso que era tão longa. E ninguém quis ir comigo, porque é difícil para o pessoal se deslocar. E para mim é uma coisa comum, eu viajo com certa frequência. Mas aqui eu infringi uma regra, que é estar sozinho. Eu passei a pior noite da minha vida.
DC — Então mesmo sem conhecer o lugar, você não estava perdido?
Ghislandi — Eu não me perdi. Eu fui, naveguei até onde eu queria e voltei. O problema é que eu fui com 15 quilos de equipamento e voltei com um, o resto estava queimado lá no campo. E quando você está num ambiente natural a falta de uma segunda calça, de um saco de dormir faz a diferença pra você entrar num estado de hipotermia ou não. Passei até as duas horas da manhã fazendo fogo, por isso que as minhas mãos estão assim. Uma hora a exaustão bateu, tentei dormir e acordei com frio. Quando eu vi o sol tinha nascido, tentei caminhar para calçar as botas de novo. Esperei até as 8h o resgate, que não tinha aparecido, que tinha sido prometido um pouco mais cedo. Eles tiveram dificuldades, porque também não é um ambiente fácil, mesmo com guia local. A gente meio que se desencontrou, depois a gente acabou se esbarrando.
DC — O que você acha que causou a queima do seu equipamento?
Ghislandi — Foi uma fatalidade. Eu tenho certeza absoluta que o cara que soltou o fósforo ali não viu a minha barraca. O pessoal da Serra é extremamente solícito. Ai de ti se tu não aceitares o café que eles oferecem. Então não casa com o perfil deles. Por que eles iriam tocar fogo no meu equipamento, sabendo que sem aquele equipamento eu poderia acordar morto? Se fosse a noite anterior eu não teria sobrevivido. Sem drama, mas foi a pior noite da minha vida. Te dá uma sensação horrível. Em posição fetal, todos os músculos retesados, sendo queimados para manter o calor e tu não consegue se aquecer.
DC — Quanto tempo levou até você ser resgatado?
Ghislandi — Eu me vi em situação de emergência às 18h e fui encontrado pelos bombeiros às 9h30min. Até as 6h30min foi o terror, que é se manter aquecido. Os voluntários que me encontraram. É uma missão que sai do normal deles. Estou um pouco cansado, não lembro os nomes deles, mas sei que eram um sargento e dois tenentes das corporações daqui da região. Agradeço muito a eles. O que me prendeu foi a descida sem equipamento, sem alimentação decente há 48 horas, desidratado, sem ter dormido, fatigado dos músculos. Tanto que eu desmaiei no chão ali um pouco antes. Me acharam jogado no chão.
Fontes:
Jornal de Santa Catarina
Diário Catarinense