Innominata – Escalando a agulha sem nome

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O escalador Ricardo Rato Baltazar continua a sua saga nas montanhas de El Chaltén, na patagônia argentina. No dia 14/12/2011, ele alcançou o cume da Agulha Innominata, também conhecida como “Rafael Juarez“, juntamente com mais dois compadres argentinos. Apesar do esforço contínuo de quase 48 horas, Rato considerou a escalada tranquila, tendo o trio aproveitado uma janela de temperaturas amenas, céu limpo e sem vento, conjunção rara na Patagônia.

Texto: Ricardo Rato Baltazar               
Introdução: Eduardo Prestes

A Innominata tem 2482 metros e faz parte do cordão do Fitz Roy, estando situada entre o Poincenot e a Agulha Saint-Exupéry. A primeira ascensão da montanha aconteceu em 1974, por uma equipe composta por 2 americanos (R.Silvestrer, D.Reid) e 3 britânicos (P.Braithwaite, M.Boysen, L.Dickinson). Eles estabeleceram a via Anglo-Americana, nas faces oeste e sul (400 m, 6b+ A0), rota escolhida por Rato e seus amigos para a escalada da Innominata.

Os primeiros ascensionistas rebatizaram a agulha como Rafael Juarez, em homenagem a um jovem escalador de Córdoba (Argentina), que desapareceu, juntamente com um amigo, em uma greta no Glaciar Adela, na mesma época em que a equipe anglo-americana escalava pela primeira vez a montanha. O nome, no entanto, nunca pegou totalmente. Cesare Maestri e Luciano Eccher já haviam escalado parcialmente a Innominata em 1958, até o colo desta com a Poincenot, e se referiram a esta montanha como "Aguja Innominata" (agulha sem nome), nome que continua popular entre os escaladores até hoje.

Em comparação com os seus vizinhos, a Innominata parece pequena. Por isso, muitos escaladores acabam subestimando suas dimensões, o que resulta em frequentes bivaques não-planejados em suas encostas. A Innominata possui cerca de 9 vias estabelecidas, além de variantes. Algumas destas vias estão se consolidando como escaladas clássicas da região, pela qualidade da rocha e visual. Rato dá mais detalhes da montanha e da escalada da Anglo-Americana.        

Dae cabeçada !!!  Saudações do fim do mundo!

Como estão as coisas aí pela tropicália ?

Por aqui, vamos levando, e entre um porteo e outro, saímos na caça das grandes baleias brancas da Patagônia. Desta vez, fisguei a Agulha Innominata, também conhecida como Rafael Juarez.    

A gente se reuniu na terça passada, dia 13/12. Montamos uma cordada de três, eu e dois amigos argentinos, o Gaston Riolla (que já havia escalado comigo a Saint-Exupéry) e Gustavo Mago. Arrancamos pela manhã de Chaltén, em direção ao Acampamento Niponino e dali para Polacos, uma sofrida aproximação de 7 hs. Por sorte, eu já estava com uma parte do equipamento lá em Niponino, então fui mais leve e tranquilo. A janela iria se extender por 3 dias ao menos, e acabaram sendo dias perfeitos. Na terça, fez um calor insuportável, fiz a caminhada até Niponinos de bermuda e sem camisa. Vocês tinham que ver, parecia que eu estava indo escalar em algum setor esportivo. Para fechar a gauchada, cruzei o Rio Fitz Roy a nado, inclusive porque a minha cadeirinha estava em Niponino, com o resto do equipamento. Fazia tanto calor que, mesmo com a água gelada que vinha do glaciar e da Laguna Torre, deu para encarar na boa a travessia. Cruzei a tirolesa do Torre a nado! Enquanto o Gaston passava minha mochila pelo cabo, tirei os tênis e plufff !!! Fue con ganas, no pelon-duro !!! Gostei tanto que na volta me joguei de novo, água boa, no ponto para gelar a cerveja !

Em Niponino, levei mais de uma hora para encontrar o meu depósito. Tinha umas cabeças por lá, todo mundo se botou a procurar um haulbag vermelho do brasileiro maluco, aquele de bermuda, sem camisa e de pé no chão. Rá ! O problema é que quando eu escondi meus equipamentos, uma semana antes, eu tinha bebido uns vinhos com o Gaston, uns muitos, e estava meio esquecido até de quem eu era. Naquele dia, eu perguntei para um americano que estava por ali, o Colin Haley, onde eu podia esconder o equipamento. Ele me indicou umas pedras, embaixo de uns bolders que tem por ali. Esse cara é um escalador fodido, fez em 2008 a travessia de todo o cordão do Torre com o Rolo Garibotti, em 3 dias e sem descer das montanhas, fazendo os cumes da Standhardt, Punta Herron, Torre Egger e Cerro Torre. Pues, como eu sou calejado e nasci brasileiro, moqueei as coisas da melhor forma que eu consegui, tão bem que nem eu lembrei onde era. Depois de todo mundo já ter desistido, e uns estarem dizendo que o glaciar havia se movido, a morena despencado e as rochas engolido meu haulbag, eu olhei para um canto e percebi umas pedrinhas muito ajeitadas, parecendo estar escondendo algo. Mexi nelas e tinha um buraco atrás, estavam ali meus equipamentos ! Quase que não encontro mais, na próxima vez acho que eu bato um ponto de GPS !     

Passado o sufoco, retomamos o plano inicial e seguimos para o acampamento Polacos, onde chegamos no final da tarde de terça. Escolhemos como objetivo a via Anglo Americana, na Aguja Innominata. Descansamos, hidratamos, comemos e de noite bebemos um vinho que eu havia levado. Éramos 5 por ali, nossa cordada e outra dupla, composta pelo Marco e o Frederico Veterinário. Todos íamos tentar os 400 m da Anglo Americana.

Às três da manhã, já estávamos marchando para a canaleta de gelo que dá acesso ao pé da via. Maluco, é longe ! Foram três horas de aproximação em gelo, uma trepidanga sem fim. Chegamos na base lá pelas seis horas, nos encordamos e começamos a escalar os primeiros largos, que são um mixto (gelo e rocha) fácil. Assumi a ponta e acabou que guiei quase a via inteira, inclusive uns crux de sexto grau, esticados. Em seguida vieram uns largos em rocha, depois bailei por umas cordadas de 5º grau até o colo da Agulha, onde está o acesso para as últimas cordadas, cotadas em 6b. A partir daí, os largos são bem bonitos e expostos, mas não achei difíceis, apenas técnicos: fissuras de dedos, entalamento de mãos e pés, oposições, exigiram um repertório bastante variado, foi bem legal.  Chegamos na antecima lá pelas quatro da tarde. Neste ponto demoramos um pouco, no reinício da escalada, depois de uns mixtos, eu me perdi, entrei em algumas trampas das quais tive que me safar. Isso implicou em desescalar, sacando as peças. Depois, tive que estudar a parede, para buscar de novo a linha. Este trecho não é muito lógico, acaba sendo fácil sair da via. Mas, com um pouco de juízo e outro tanto de demência, encontrei a passagem em direção ao cume principal. Ás cinco da tarde, estávamos berrando no topo da Aguja Innominata !
Chegamos em meio ao verão patagônico, tempo perfeito, escolhemos bem a janela e isso fez com que a escalada transcorresse de maneira fluida e sem imprevistos, quer dizer, fora o sumiço temporário do haulbag. Lá no alto, pudemos olhar para todos os lados, com visão limpa: o cordão do Torre, Chaltén, logo ao lado a Agulha Saint-Exupéry, que eu havia escalado uns dias antes com o Gaston.

Mas nunca dá para esquecer que o cume marca a metade do caminho. Depois das fotos e de um descanso, começou a rapelera. Foi bem tranquilo, a corda não trancou nenhuma vez, e lá pelas duas da manhã de quinta estávamos dentro dos sacos de dormir, no bivaque Polacos. Foi a escalada na qual menos senti o cansaço e a exaustão. Acho que estou assimilando melhor os sofrimentos inevitáveis das escaladas na Patagônia.

Nesta próxima semana, descolei mais um trabalho de porteo até o Paso Marconi. Desta vez, vamos ajudar dois italianos, que vieram aqui para abrir uma nova rota na face oeste da Torre Egger. Esses tipos chegaram com uns 200 quilos de tralha para carregar. Eles estão preparados para ficar uns 40 dias metidos numa cova de gelo, lá nos cafundó atrás do Torre, esperando a oportunidade ideal para realizar o projeto. Rapá, tem de tudo por aqui, quando você acha que conheceu o mais louco, chega outro pior !

Hoje à noite vai ter um mega assado de cordeiro para todos que escalaram nesta última brecha de tempo bom. Estão preparando 3 cordeiros, vão ser assados em fogo de chão, lá em Planta Estable, uma espécie de bairro que fica na parte alta de Chaltén. Vai todo mundo, acho que até o Barack Obama ! A coisa promete, é demência garantida para todas as mentes e cabeças montanheiras. Se eu sobreviver, eu conto como foi ! Chegou um amigo do Brasil com a namorada, apareceram no dia certo, com uma garrafa de whisky embaixo do braço … Êta cramulhão dos inferno !

Os maloqueros patagônicos continuam na pelea ! Tá loco, essas montanhas deixam qualquer um maluco, chega a ser até um desrespeito o tanto de rocha que existe aqui !

Abraço a todos, é nóis e zás !!!

Ricardo Rato Baltazar

 

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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