A Internation Mountain Summit (IMS), que está sendo realizada em Brixen Bressanone (Süd Tirol – Itália), acolheu na sexta, dia 28 de Outubro, um dos eventos mais esperados de sua programação: O debate Show biz no Alpinismo, em que vários especialistas e montanhistas de alto nível discutiram sobre a influência dos meios de comunicação e marketing sobre atividades montanhísticas.
O debate foi moderado por Ernst Vogel apresentador da rede de comunicação alemã Bayerischer Rundfunk e teve participação de grandes nomes do montanhismo e escalada, Reinhold Messner, Stefan Glovacz, Adam Ondra e David Lama, do guia de montanha Hanspeter Eisendle, do jornalista Alessandro Filippini (diretor da revista Sportweek e editor chefe do jornal Gazzetta dello Sport) do gerente da Deuter Bernd Kullmann e do fotógrafo de montanha Robert Bösch.
Ainda que no final não se tenha chegado a nenhuma conclusão, os protagonistas deste debate deixaram ao ar interessantes argumentos sobre o tema da questão tão importante para o desenvolvimento atual da informação sobre esportes de montanha e escalada.
Prova de veracidade ou respaldo à mentira?
Partindo da base expressa por Reinhold Messner de que o “alpinismo sempre tratou de contar histórias”, o mesmo alpinista sul tirolês apontou que “o show biz tem que servir para mostrar o que foi feito (na montanha), e é importante que não seja diferente da realidade”. Uma argumentação que foi apontada por todos os participantes, ainda que tenha sido exposta a dificuldade de demonstrar os logros quando a aventura entra em cena: “Nestes esportes não existem rankings, só temos as fotos, e corremos o risco de acreditarmos que, quanto melhores sejam as fotos, melhores são as histórias”, argumentou Robert Bösch.
Stefan Glovacz argumentou sobre as idéias de Bösch, comentando que “com a atual tecnologia todos podem fazer fotos e gravações; um documento em tempo real é uma prova de veracidade”.
Neste ponto, Alessandro Fillipini explicou a história do aventureiro italiano Ambroggio Fogar, quem em 1983 mostou impressionantes imagens caminhando pelo Pólo Norte, fazendo que todos acreditassem que ele havia logrado chegar ao Pólo Norte depois de 800 km de caminhadas em solitário pelo gelo, quando na verdade um avião o levava para locais distintos todos os dias. “Até hoje muita gente acredita que ele fez”, constatava Filipini, que afirmou que “a televisão ganha de longe da realidade”.
A televisão como parte da equipe
O escalador David Lama, que protagonizou uma forte polêmica sobre o método adotado pela equipe de televisão que o filmou no Cerro Torre, Patagônia Argentina, há dois anos, afirmou que “deve se considerar que a equipe de televisão é parte da equipe”. Já Robert Bösch apontou que “ir com uma equipe de televisão reduz significativamente a exposição da atividade”, opinião que Messner demonstrou acordo “estar em uma região selvagem é diferente se a televisão estiver contigo”.
Por sua vez, Hanspeter argumentou: “se estar sozinho com seu companheiro na montanha é estressante e exposto, o feito de ir uma equipe de gravação também é estressante, ainda que menos exposto”.
Divulgar ou não divulgar? Existe aventura sem o show biz?
Esta foi a pergunta realizada pelo guia Hanspeter em sua intervenção inicial, que também acrescentou que “divulgar uma aventura é uma decisão de cada um, mas só deve ser divulgado quem quer ser reconhecido”. No mesmo sentido, Messner comentou que “as aventuras necessitam boas fotos e vídeos para serem percebidas como tais, senão só haverá espaço nos meios simples de comunicação”.
Outro ponto de vista interessante foi desenhado por Stefan Glovacz que explicou sua primeira e nefasta experiência com um blog de uma expedição: “Foi muito difícil”, contou, “ter a pressão de escrever algo todos os dias na incômoda barraca com os dedos gelados… eu decidi que nunca mais farei isso. Atualmente temos acesso a muitas tecnologias, mas também a responsabilidade de decidir como usá-las”.
A polêmica do Cerro Torre: Filme ou documentário
Uma das partes mais quentes do debate foi a critica que vários dos presentes fizeram a David Lama por sua atuação no Cerro Torre, quando o jovem escalador austríaco foi tentar a primeira repetição em livre da via do Compressor com uma equipe televisiva que instalou diversas cordas fixas e numerosas proteções fixas. Reinhold Messner foi o mais veemente instando Lama a refletir sobre a maneira de comunicar sua atividade: ‘Não acha que estão te usando para fazer um filme ao invés de um documentário?” Espetou o primeiro catorze oitomilista da história.
A diferenciação entre filme e documentário, ou melhor, entre ficção criada e editada por cineastas e realidade documentada, foi objeto de intensas discussões entre os presentes. Uma linha muito tênue separa ambos conceitos e parece difícil discernir quando o trabalho de um fotógrafo e um câmera começa a afetar a própria realidade.
O papel dos patrocinadores
As empresas que patrocinam os escaladores e alpinistas foram também papel de debate. Que influência tem ditos patrocinadores na pureza das atividades e na seleção dos objetivos por parte dos atletas? Tanto Ondra quanto Glovacz e David Lama negaram que seus respectivos patrocinadores ditem os objetivos. Neste sentido, o fotografo Robert Bösch comentou que “nunca havia ouvido que um patrocinador tenha posto pressão sobre um atleta, porém, de todos os modos estas pressões existem”.
Bernd Kullmann, na sua posição de gerente da marca foi mais enérgico em sua intervenção, ao assegurar que “o que vemos nos meios de comunicação hoje não tem nada a ver com a realidade, é tudo falso (fake)”. Uma afirmação realizada por Bösch ao assinalar como válida “a opção de fazer a atividade primeiro e as fotos ou vídeos depois”, o que deixa espaço para a aventura em toda a sua pureza e também faz trabalhos artísticos disponíveis de boa qualidade. 'Isso é como as coisas tendem a trabalhar hoje', confirmou Adam Ondra.
Como ponto final do debate, vaga a reflexão de Reinhold Messner “O show do montanhismo não é mau, mas temos a responsabilidade de deixar registrado o que é realmente importante nos esportes de aventura”.