Itatiaia – PNI – O primeiro parque do Brasil…

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…consegue demonstrar a incompetência generalizada do estado brasileiro, que não consegue nem elaborar propostas para a proteção da natureza, nem colocar em prática aquelas importadas de algum lugar.


Por Bárbara Pereira

Leia antes:

Itatiaia: Presença de caçadores e ineficácia das proibições.

Trilha do Pinhal: O descaminho no Planalto do Itatiaia.

O Parque Nacional de Itatiaia e seus problemas

A madrugada de sábado já anunciava um final de semana típico de verão em terras paulistas (apesar de estarmos no inverno). Mochila devidamente arrumada para uma caminha exploratória e sem muitas certezas parte-se em direção à divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, especificamente Serra da Mantiqueira, Parque Nacional de Itatiaia. E na medida em que se aproxima destas montanhas, cada vez mais o visual fascinante hipnotiza e aumenta a vontade de colocar os pés nos caminhos que devem existir por lá. E é essa vontade que encontra obstáculos, fazendo com que se ultrapassem os limites da legalidade, ao mesmo tempo em que proporciona a percepção da burrice e incoerência que existem nesta tal legalidade.

A total deficiência da legislação ambiental brasileira não é grande novidade. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) consegue demonstrar isso facilmente, uma vez que nem sua proposta, tão pouco uma prática conseguem dar conta da realidade do nosso território. E o Parque Nacional de Itatiaia é um forte representante destas afirmativas.

Esta Unidade de Conservação (UC) se fundamenta nos modelos norte-americanos e ingleses do século XIX, os quais se baseiam em uma perspectiva preservacionista, a qual defende a natureza intocada, na tentativa de preservar o que resta de ambientes naturais livres da interferência humana, sendo defendido pela vertente da ecologia profunda dos movimentos ambientalistas atuais. De acordo com os preservacionistas, a natureza é entendida como áreas naturais que não sofreram ou sofrem interferência de ações humanas de modo que permaneçam intactas, tal como em sua origem, fazendo ainda a dissociação entre homem e natureza. Neste contexto, surge a noção de “wilderness”, definida como vida natural ou selvagem, presente nos argumentos pela defesa da criação de áreas naturais protegidas de proteção integral, utilizados por grupos sociais que adotaram a concepção preservacionista (DIEGUES, 2008, MARTÍNEZ-ALIER, 2007). Segundo Diegues (2008), as idéias descritas acima fundamentam o propósito de preservação das áreas naturais por meio da restrição da interferência humana, e que permite apenas o desenvolvimento de atividades relacionadas ao lazer da população da sociedade urbano-industrial, assim como pesquisas científicas.

Neste contexto ideológico e social, os Estados Unidos da América criam o Parque Nacional de Yellowstone em 1872, com base no relatório produzido pelo explorador e geólogo Ferdinand Vandeveer Hayden, em 1881, o qual contava com informações da região coletadas por suas expedições realizadas neste mesmo ano e em anos anteriores, juntamente com fotografias de William Henry Jackson e pinturas de Thomas Moran. A criação do Parque Nacional de Yellowstone foi propulsora da expansão deste sistema de áreas protegidas (BRITO, 1995). Seguindo a perspectiva da “natureza selvagem intocada”, outras áreas foram estabelecidas além da fronteira dos Estados Unidos, uma vez que houve a exportação deste modelo para outros países, os quais, no geral, fixaram áreas protegidas em seus territórios sem considerar as amplas diferenças existentes entre o seu contexto, histórico e sócio ambiental, e do país que gerou o modelo importado. Segundo Morsello (2001) ocorreu a criação de 8.500 áreas protegidas em âmbito mundial no período compreendido entre 1872 e 1994.

A repercussão da criação do Parque Nacional de Yellowstone no Brasil refletiu na demanda de também criar áreas naturais protegidas, o que ocorreu entorno da mesma corrente ambientalista pautada pelos Estados Unidos, ainda que fossem duas realidades completamente distintas (IBAMA, 1989: 6). Apesar das propostas despertadas pela criação do Parque Nacional de Yellowstone, a questão ambiental ganhou dispositivos políticos apenas no início da década de 1930, com a criação do primeiro Código Florestal brasileiro (Decreto Federal n° 23.973). A evolução da política ambiental brasileira no período decorrente da criação deste código até os dias atuais, assim como a criação das áreas naturais protegidas, é bastante questionável e consideravelmente confusa.

Inserido nesta perceptível instabilidade e total falta de coerência, foi criado o primeiro parque brasileiro, o Parque Nacional de Itatiaia, em 1937, com o propósito de possibilitar lazer a população urbana e incentivar pesquisas científicas, aspecto que foi definido pelo artigo 9° do Código Florestal brasileiro aprovado três anos antes (DIEGUES, 2008:116). Nos anos consecutivos, foram criados os Parques Nacionais do Iguaçu e da Serra dos Órgãos (1939) e o Parque Nacional de Aparados da Serra (1959).
Ao seguir o modelo norte-americano de áreas naturais protegidas, não se consideraram as muitas diferenças contextuais existentes entre os países e a possibilidade de que a eficácia de uma ação em uma realidade pode não ter o mesmo desempenho se aplicada à outra. Obviamente, a política ambiental brasileira não conseguiu implementar alguns aspectos presentes na definição importada de áreas protegidas e nem criar mecanismos políticos capazes de satisfazer as exigências do cenário local (DIEGUES, 2008).

Se a teoria da legislação ambiental brasileira já é falha, vamos tentar “imaginar” a realidade. Entre os Parques Nacionais que conheço não consigo apontar nem ao menos um que contrarie minha percepção de que nossas UC´s só são úteis para as fábricas de papéis e para as contas bancárias de nossos estimados políticos que fingem se esforçar imensamente em elaborar políticas ambientais. Mas vamos utilizar o exemplo proporcionado pelo recente “contato” com o Parque Nacional de Itatiaia.

Aquela vontade de “colocar os pés nos caminhos que devem existir por lá” logo foi barrada por quem já conhecia o funcionamento do Parque: PROIBIDO. Em tese, ou nos lugares “onde tem turista” a fiscalização do Parque é intensa e muito rígida (sendo considerado o Parque mais fiscalizado do país), de modo que para acessar a área do Parque é necessário passar pela portaria do mesmo, fazer cadastro, pagar (novidade…), andar nos lugares demarcados e voltar em determinados horários. Travessias? PROIBIDO. Pernoite nas montanhas? PROIBIDO.

Estas medidas até poderiam contribuir para a proteção do meio ambiente local, se não fossem pura hipocrisia de uma política que tenta enganar os menos atentos.

Dois exemplos para exemplificar, ou confirmar, a afirmação acima. Primeiro, no recente contato com a área do Parque, ultrapassou-se as fronteiras da legalidade, de modo que a caminhada burlou a burocracia e a fiscalização, atingindo áreas não visitadas e tão pouco fiscalizadas, mas que mesmo assim fazem parte da área abrangida pela UC. E qual não foi a não surpresa em descobrir que o primeiro e mais fiscalizado parque do Brasil é amplamente explorado por caçadores “urbanos”, à procura de um lazer “diferenciado” em meio à floresta. Diversos acampamentos, armadilhas, picadas e lixo presentes na mata fechada comprovam isso. E a fiscalização? Está lá, na portaria do Parque. Certamente, este fato não é nenhuma novidade para muita gente, mas mesmo assim merece alguma reflexão e revolta.

O outro exemplo de situação atual que ocorre em Itatiaia pode ser ainda mais revoltante. Como descrito acima, o Parque Nacional de Itatiaia é uma UC de proteção integral, na qual não é permitida a presença de populações humanas em seu interior. Porém, como em muitas UC´s brasileiras, existem populações humanas em seu interior. Mas no caso de Itatiaia, não são populações indígenas ou tradicionais, que muitas vezes contribuem para a proteção do meio ambiente local: os moradores “humanos” do Parque são “dignos” representantes da classe média alta da sociedade carioca, amigos do Ministro.

Esta situação é ainda mais revoltante.
Analise: o Ministério Público entrou com uma ação para remover os moradores ilegais do Parque Nacional de Itatiaia. Estes moradores na verdade não moram no Parque, mas passam temporadas em suas majestosas casas, poluindo as não mais límpidas águas dos rios que cortam o Parque. Estas casas são ilegais. Seus moradores são ilegais. Mas são amigos do Ministro. E como a realidade política brasileira é desprezível, tenta-se agora criar mecanismos legais que possibilitem e permanência deles na área
Apesar de não poder apresentar aqui mais detalhes, as conclusões que podem ser tiradas deste breve resumo da situação não deixam muitas dúvidas sobre o que está acontecendo.

Agora, que tal juntar os dois exemplos acima com as restrições do Parque:
Qual a validade do Parque Nacional de Itatiaia para a real proteção ambiental da área?
Qual a validade das Unidades de Conservação brasileiras para a proteção do meio ambiente?


Referências:

BRITO, Maria C.W. Unidades de conservação: intenções e resultados. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995.

DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB – Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras – USP/Hucitec, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Aspectos Conceituais e Legais. Brasília, 1989.

MARTÍNEZ-ALIER, Juan. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. São Paulo: Contexto, 2007.

MORSELLO, Carla. Áreas protegidas públicas e privadas: seleção e manejo. Annablume: FAPESP. São Paulo, 2001.

Bárbara Pereira é&nbsp, formada em pedagogia pela UFPR e cursa mestrado em ciências ambientais na Universidade de São Paulo – USP. Montanhista, já caminhou por diversas serras do Sul, Sudeste e inclusive da Amazônia.

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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