Itupava

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Andar no mato é mais do que simplesmente uma fuga da vida urbana, é um vício. Nada melhor que alimentar os mosquitos e depois coçar as feridas. Em dezembro é perfeito porque além dos borrachudos que tem preferência pelas dobras do corpo como as juntas dos dedos, mas nunca desprezam as canelas ainda tem as butucas que são bem maiores e menos seletivas.

Então no meio da semana o Elcio já me telefonava com um convite irrecusável:
    – Vamos tomar sorvete em Porto de Cima!

Estão anunciando pra sábado a tempestade do século e de fato choveu a noite inteira de sexta. Quando não se tem nada, absolutamente nada pra fazer no fim de semana sempre há o Itupava, a velha estrada para mulas que liga o planalto à marina, abandonada a um século e meio. Com chuva o Itupava fica muito próximo do paraíso para quem adora se equilibrar sobre pedras escorregadias e atolar as botas no barro. O melhor é que o trajeto é bem curto, só 8 horas de pernada de Borda do Campo a Porto de Cima em frente da sorveteria na praça principal.

Oito horas de sobe e desce dentro da floresta tropical por sobre um tapete de seixos centenários ensaboados um a um pelo sumo das folhas apodrecidas que despencam as toneladas das copas das árvores, imensos poços de lama negra embebida em Channel Nº5 que engolem as botas e escorrem pelas meias, rios tempestuosos e nuvens de borrachudos vorazes.

6:30 da manhã, sem nada no estômago, peguei o busão em frente ao quartel, dentro já estavam o Elcio e o Moisés. Uma hora mais tarde, no trailer do IAP, um rapaz bastante simpático lutava bravamente com a caneta e o vocabulário para preencher nossos nomes em uma ficha até que pediu um número de telefone pra avisar em caso de emergência.
    – Amigo, em caso de emergência não me ligue que estarei muito ocupado.

A trilha não decepcionou em nada e nos deu tudo que esperávamos, mas a meteorologia pra variar foi uma negação. E ainda dão certeza do aquecimento global. “Em cinco anos a Terra se aquecerá 2ºC, os mares subirão 2 metros, vai chover 200 mm no verão e as geleiras vão derreter 2000 toneladas”.  Os caras não acertam nem o dia seguinte e ficam fazendo previsões catastróficas para daqui cinco anos! Não choveu uma gota sequer durante o dia inteiro e o anorake foi carga inútil na mochila. Decepcionante!

No meio da serra, pouco antes da descida pro cadeado, tomamos a Trilha do Sabão e em cinco minutos estávamos cruzando por cima da barragem do Véu de Noiva, depois perdemos alguns minutos visitando o que sobrou da estação enquanto os trabalhadores da ALL, sentados numa longa fila paralela aos trilhos, tranquilamente devoravam suas marmitas. Dali seguimos pelos trilhos para ver a cachoeira, o túnel abandonado, o cânion e o memorial ao Barão do Cerro Azul só fazendo uma breve parada no Cadeado onde nos fartamos com uma barrinha de chocolate, algumas castanhas e uma maçã. Um banquete para os padrões do Elcio, mas que tanto eu como o Moisés permutaríamos sem pensar duas vezes pelas quentinhas dos peões.

O bom é que do meio de um viaduto pude observar a linha da encosta e ter a certeza de que é por ali que outrora passava o caminho original, muito antes do horrível atalho do Cadeado que foi aberto a mando do Cel. Afonso Botelho. Ao contrário da terrível encosta que é vencida por curtos zig-zags e termina no cadeado, aquela cumeada é perfeita para ser percorrida por passos humanos como de fato estava restrita antes de 1770. Esta certeza me dá novos ânimos para retornar com mais tempo e procurá-la.

Vencida a floresta ainda restava a Estrada das Prainhas e seu calor abrasador, mas uma parada para um mergulho no Rio Nhundiaquara repôs toda a energia e a força de vontade. Saímos da estrada e voltamos a percorrer uma trilha por dentro da mata até o Poço da Preguiça que neste dia não estava nem um pouco preguiçoso, mas para compensar estava deserto. Com o rio bravo e cheio pelo excesso de chuva nas cabeceiras a descida com bóias fica proibida, então apesar da forte correnteza deixamos as roupas na margem e tchibummm na água gelada.

Revigorados pelo banho de rio, só nos detivemos na sorveteria. O meu com duas bolas, por favor, fradinho e flocos! O melhor sorvete do Paraná.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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