Ganhei carona até o aeroporto de um dos amigos do Trauma que no mesmo dia voltava para sua terra, Niterói, para retomar sua vida, e eu seguia a minha explorando mais um lugar que tinha vontade de conhecer. Meus colegas viviam me perturbando , no bom sentido, pois eu vivia indo para alguma Chapada, Montanha sempre que uma folga surgia entre as consultas, cirurgias e plantões.
As viagens pelo mundo afora começaram em 2006, nas férias do meu último ano de residência. Resolvi não ficar em casa só dormindo e investi todas as minhas economias dos anos de residência naquela que foi minha primeira viagem sozinha. Fui para Fernando de Noronha e lá reencontrei o maravilhoso mundo do trekking, mares e conhecer novas pessoas, que tinha ficado um pouco abandonados durante a residência médica. Foi nessa viagem, para a Patagônia argentina onde conheci uma das minhas grandes amigas, a Margarete, com quem viajei alguns anos depois para o Campo Base do Everest, e com quem, numa das muitas conversas sobre lugares para conhecer que tivemos, surgiu a idéia de ir para o Monte Kilimanjaro.
Bom… A idéia surgiu em 2011, mas cada ano alguém tinha alguma viagem diferente para fazer e nessa nos desencontramos. Chegamos até a assistir um filme europeu, “ Le Neige du Kilimajaro “, pensando que íamos ver nele algo sobre a montanha… Saímos chorando de rir do cinema pois o filme nada mostrou dela. Vimos só a saga de um casal que tinha muita vontade de ir para o Kilimanjaro, passou a vida toda juntando recortes sobre o lugar e dinheiro para a tal viagem e no fim não conseguiram ir… Mas até chegar à Expedição Solidária ao Kilimanjaro muitas viagens se aconteceram… Intercalando temporadas no fundo do mar com temporadas nos trekkings e montanhas de altitude, oportunidades diferentes surgiram no meu caminho, e a viagem para o Monte Kilimanjaro foi ficando para uma próxima.
Numa dessas oportunidades, a tentativa de subir o Monte Elbrus na Rússia (cuja aventura já contei aqui) passei um perrengue que ao invés de me afastar das montanhas, me fez ir atrás de conhecimento técnico para caso enfrentasse uma situação semelhante novamente ou necessitasse ajudar alguém que estivesse comigo, estivesse um pouco mais preparada. Foi nesse ano do Elbrus, 2014, que resolvi investir em cursos de escalada em rocha e gelo.
Foi então que conheci o mestre da escalada em rocha Eliseu Frechou na primeira semana de Janeiro de 2015, e o que seria apenas um curso para conhecimento das técnicas de escalada em rocha, equipamentos e segurança, tornou-se na minha mais nova atividade. Uma forma de meditar, renovar minhas forças e aproveitar a vida. Depois desse curso, sempre que dá é para a rocha, que vou! Em especial para passar momentos nas rochas do Baú em São Bento do Sapucaí, escalar com o mestre e tomar um cafezinho antes de pegar a estrada e voltar para o agito da cidade grande.
Desde o Elbrus eu estava a procura de mais montanhas de altitude para subir, e cursos de escalada em gelo. Pedi informações para amigos e guias das outras viagens que fiz. Já estava quase fechando um curso mas tive problemas com minha escala de plantão e precisei reprogramar… Enquanto aguardava as trocas de plantões, acabei recebendo um e-mail no final de 2014, de uma empresa de turismo com a qual fiz algumas das minhas viagens. Qual não foi minha surpresa, quando vi o título do e-mail: “Como ser um montanhista”… Nossa… Bem o que eu estava procurando naquele momento. Fiz minha inscrição e quando fui na tal palestra, acabei reencontrando uma amiga que conheci durante o Trekking ao Campo Base do Aconcágua, a Claudia que eu não via desde o Natal no Campo Base do Aconcágua em 2013. Ela estava animada para fazer o curso com o tal palestrante, nada mais que Maximo Kausch, quem eu na verdade ainda não conhecia. Nem sabia o quão experiente ele era como alpinista e guia. Lembro que o Pedro Hauck estava junto, bem quieto num canto (eu não sabia quem ele era também, que vergonha para alguém que gosta de alta montanha não saber quem eram eles rsrsrs) e o Maximo teve que começar a palestra sem projeção… Esqueceu o cabo para ligar no projetor em algum lugar, e só depois de algum tempo uma boa alma do público salvou a palestra… Achei o cara meio engraçado, outros guias que eu conhecia eram mais sérios, o jeito dele falar sobre como sobreviver nas montanhas foi interessante, o que mais gostei na ocasião foi “não tem treino para ir para a montanha, só indo para a montanha mesmo “. Foi aí que vi a primeira vez imagens do Ojos del Salado (e surgiu a idéia de um dia ir conhecê-lo… Mas essa história ficará para outro texto, num futuro próximo…). Bom resumindo para chegar no cume do Kilimanjaro.
Claudia falou que faria o curso com eles, e eu depois de ver meus plantões, acabei decidindo fazer junto, pois o curso que eu programava para o começo do ano, sem chances de ir por causa do meu trabalho! Foi então que em julho de 2015 fui parar na Bolívia, atrás do curso de escalada em gelo pois a minha vontade de subir montanhas de altitude só aumentou depois do episódio no Elbrus. Senti a necessidade de aprender mais sobre as montanhas de altitude, sobre o uso de equipamentos e como me locomover nas montanhas com neve e gelo, como ter mais autonomia, e saber o que estou fazendo, não simplesmente ser levada para o cume das montanhas por alguém.
Eu queria saber mais sobre como lidar com situações de dificuldade na montanha. Se um dia for subir um 8000 metros, e passar por uma situação sozinha ou precisar ajudar alguém, quero ter algum preparo para não causar mais danos! Foi então que conheci um pouco mais aqueles que me deram parte da orientação que eu procurava e me ensinaram onde buscar mais informações sobre as montanhas de altitude, a dupla Pedro Hauck e Maximo Kausch. Foi assim também que cheguei ao Gente de Montanha.
E o que isso tem a ver com o Kilimanjaro? Ah… Fácil, eles tem o Kilimanjaro no roteiro! Não… Ainda não tinham… Bom, como estes são especialistas em montanhas, comecei a programar as próximas altas montanhas com eles. Depois do curso de Gelo, onde cheguei ao cume do meu primeiro 6000, o Huayna Potosi, vieram para a minha lista de montanhas para voltar, ou novas para conhecer e subir, o Aconcágua, Ojos Del Salado ( aquela das noites estreladas da palestra que fiquei “Meus Deus, onde é isso”), Mercedário, Cho Oyu, Illimani, Sajama, Tupungato…… Enfim, a lista não acaba, só aumenta. E o Kilimanjaro? Bom. As outras em seu devido tempo vão ganhar suas histórias.
Estava eu a descer do Ojos del Salado, no dia após a tentativa de cume, aquele mar de montanhas no deserto chileno, uma mais bonita que a outra, o silêncio dos que não haviam conseguido chegar ao cume, o silêncio dos que conseguiram, as pernas não tão fortes devido a uma entorse de joelho que prejudicou o treino que antecedeu a expedição ao Ojos, muita atenção em cada passo, pois ainda tinha um pouquinho de receio de torcer o joelho novamente (torci descendo do cume do Aconcágua 5 semanas antes de partir para o Ojos, o que limitou meu treino a caminhadas e à fisioterapia motora antes de partir para o Chile), me fizeram pensar na vida, agradecer por estar subindo as montanhas que eu tinha vontade de conhecer, e ter uma idéia repentina de qual seria a próxima montanha….
Já tinha em mente outra viagem para junho, com escalada em gelo e rocha, mas enquanto descia do Ojos fui tomada pela vontade de ir para o Kilimanjaro. Estava num momento de renovar as coisas na minha vida, e uma expedição solidária, por que não? Eu já estava juntando doações há algum tempo, ia mandar pela equipe que ia, pois até então tinha outros planos em mente. Mas naquele momento descendo do refúgio alto do Ojos del Salado e observando as montanhas, senti que minha escolha seria ir para o Kilimanjaro ao invés do outro plano da escalada em gelo e rocha.
Até plantões extras , muitos, eu tinha feito, e juntado a grana suficiente para ir entregar pessoalmente minhas doações com os demais integrantes do grupo e tentar subir o Kilimanjaro, aquele que em 2011 eu estava planejando subir com a minha amiga Margarete.