Macacos me mordam! (não, dêem o seg!)

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A distância dos alpes japoneses não esconde somente lindas montanhas escarpadas que superam a linha dos 3000 metros, de fato, todos os dez mais do país ultrapassam esta altitude. Estes alpes também escondem uma criatura fantástica, o Macaco Japonês, conhecido lá como Saru (macaco), internacionalmente como Snow monkey (macaco das neves). Vamos conhecer um pouco sobre este notável animal, suas habilidades de escalador nato e capacidade de lidar com o extremo.

Estes animais são hoje uma das espécies mais fotografadas do mundo. O número de imagens feitas, reproduzidas, vendidas, publicadas, blogadas, é realmente impressionante. Vendo um documentário  semana passada com a Lili ela soltou "amor, por que você não escreve sobre esses macacos?". Taí a idéia.

Fisicamente, são considerados de tamanho grande, avantajado. Machos chegam a pesar de 9 a 14 kg e fêmeas de 7 a 11kg. Vivem especificamente no Japão (e algumas partes montanhosas da China), e por isto são os macacos mais ao norte encontrados no mundo todo vivendo in natura. Diferentemente dos outros macacos pelo mundo, este quase não tem uma cauda. Não ultrapassa os 10 centímetros então não pode ser utilizada para escalar árvores ou terrenos como todos os outros macacos o fazem. Sua altura é em média de 60 centímetros para machos e cerca de 50 para fêmeas.

O peso destes macacos muda muito mais dependendo da região em que vivem. Quanto mais frio o local onde vivem, maiores e mais pesados são. Macacos da mesma espécie que vivem em regiões mais quentes são consideravelmente menores, já que não precisam comer tanto quanto os outros e por isso acumulam menos gordura pro inverno rigoroso.

A dieta destes macaquinhos é muito variada, senão digna de um prêmio. Comem literalmente de tudo. No verão, primavera e outono comem basicamente frutas, folhagem, e qualquer coisa que turistas dão, com predileção por maças. Só entre folhagens, a variedade espécies que servem de alimento ultrapassam o número de 200. Quando o inverno chega, comem até casca de árvore em busca de nutrientes e pra evitar a morte por fome, já que qualquer área onde normalmente vivem e se locomovem fica coberta por metros de neve. Eles fazem tudo pra sobreviver aos meses de inverno, superando as dificuldades de temperaturas de –20°C diariamente.

Há um lugar onde eles se aglomeram e em um evento social de caráter prazeroso, se banham em águas termais que não importa as condições climáticas, estão sempre a 40°C, quente demais para nós (causaria queimaduras de primeiro grau), mas para eles, com um casaco natural tão grosso que mesmo imersos não chegam a molhar a pele, é uma delícia. A maioria das vezes que são fotografados, estão neste banho termal, já que a rotina deles é tão regrada e estrategicamente foi construída uma passarela de observação pra turistas a apenas metros do grupo.

Durante o inverno aumentam sua atividade física que aquece o corpo, e visitam as águas termais diariamente (o grupo das águas termais). Ficam tanto tempo dentro da água que o rosto deles chega a ficar vermelho por causa do calor. Quando os metros de neve se acumulam e a vegetação congela e morre, os macacos começam sua caminhada sempre na tentativa de se manterem aquecidos, e a família sempre permanece unida (grupo do vale). A época de extremo se inicia e para todo lado no vale com nome de Kamikochi, é possível observar árvores descascadas pelos macacos, que buscam os nutrientes na camada de madeira logo abaixo da casca externa, que contém algum açúcar. Sem se preocupar, mesmo quando a temperatura chega ao mínimo de –25°C absolutos, andam no rio Azusa movendo rochas em busca de pequenos insetos e moluscos, que podem prover uma pequena porém vital quantidade de proteínas. É impressionante ver uma mãe carregando seu filhote caminhando pela neve, parar, e massagear as mãos para evitar o congelamento dos dedos.

Estes macacos vivem literalmente nos limites da sobrevivência.

Um problema acontece para os pobres macacos, não basta toda adversidade que passam na natureza, ainda precisam lutar contra o avanço humano indiscriminado como é cultural no Japão. As vezes, quando até as árvores congelam, fazem investidas nas cidades próximas aos limites das florestas em busca de comida. Atravessam estradas, e pilham plantações. Por isso, as vezes ficam na mira de caçadores revoltados pelo roubo de produto de cultivo. Visto de cima, o limite do vale é extremamente cultivado, quase não há espaço para carros ou tratores.

Já que seu comportamento é basicamente de observação e repetição, uma vez que notaram que estar perto de humanos é estar perto de comida, visitam constantemente casas. Mesmo assim, os pequenos as vezes não sobrevivem ao inverno e morrem de fome, pneumonia e congelamento.

Quando a primavera chega, tudo muda. Os metros de neve derretem e as cores invadem as montanhas. Comida farta e muito divertimento pros macacos. Vivendo sempre a uma altitude de 500 a 1500 metros, a variedade de alimentos na primavera é enorme.Entretanto, até quando o inverno se vai e a primavera chega, outros desafios atingem os macacos, chuvas que duram dias, as vezes semanas…

Quando o verão chega, os ataques aos macacos aumentam e eles são caçados como pestes. Aproximadamente 1500 deles são mortos todos os anos, até quando?

Em 1982 alguns macacos foram levados pro Texas, Estados Unidos. Lá, aprenderam a comer cactus, aprenderam a sonorizar pra avisar aos amigos sobre o perigo de cascavéis, escorpiões, e começaram a suar, o que nunca aconteceu com eles no seu país de origem. Hoje, mais de 600 macacos vivem neste estado americano.

Escaladores natos!

Agora sobre o comportamento deles, muito pode ser dito… O macaco japonês é uma espécie muito inteligente. Pesquisadores que estudaram esta espécie na ilha Koshima, no Japão, deixaram batata-doce na praia para que eles se alimentassem. Um teste. Presenciaram uma coisa impressionante: Uma fêmea chamada Imo (japonês para o inhame ou batata), lavou as batatas com água do rio em vez de escovar como os outros estavam fazendo, e mais tarde até mesmo mergulhou seu alimento limpo em água salgada do mar. Depois de um tempo, outros começaram a copiar seu comportamento. Esta característica foi, então, passada de geração em geração, até que finalmente todos, exceto os membros mais antigos da tropa estavam lavando os seus alimentos e temperando no mar.

O macaco tem outros comportamentos incomuns, incluindo o já citado banho em fontes termais e brincadeiras com bolas de neve rolando para se divertir. Também em estudos recentes, verificou-se que os macacos japoneses podem desenvolver diferentes sotaques, como seres humanos. Constatou-se que macacos em áreas separadas por apenas algumas centenas de quilômetros podem ter cantos diferentes em suas chamadas, a sua forma de comunicação. O macaco japonês esteve envolvido em muitos estudos sobre neurociência e também é (infelizmente) usado em testes de drogas.

Entre suas atividades, uma em especial impressiona. Escalam! Estes macacos são exímios escaladores e usam nada mais que mãos e aderência pra atingir seus objetivos. É fascinante observar sua rotina de outono, quando escalam até quase o cume de uma montanha de mais de 3000 metros do país, ali, logo abaixo do cume a cerca de 2.900 metros, há um pequeno platô onde árvores frutíferas abundam, e muitas nozes também os aguardam. Passam meses ali na mesma posição só se alimentando.

Existem algumas tropas que são observadas e estudadas, a tropa do vale, a tropa da hot springs (águas termais), e a tropa da montanha. Esta é a que escala. Quando vi o documentário não acreditei, encaram lajes de rocha de até 55 a 70 graus de inclinação sem nenhuma dificuldade, só contando com a aderência de seus pés e força das mãos, ou até mesmo paredes verticais. Até olham pra trás esperando seus companheiros!

Pena que não encontrei o documentário que passou na tv na semana passada que vi, pois dele conseguiria extrair imagens como a que descrevi dos macacos subindo a montanha. É incrível, eles conhecem o caminho como ninguém, e continuam seguindo pro mesmo lugar ano após ano. Já que sua expectativa de vida é de 30 a 40 anos, podem fazer isso dezenas de anos consecutivos.

Não é qualquer montanha, trata-se do Monte Yari, ou Yarigadake. O nome varia de “lança” com seu formato pontiagudo, e a escalada é fácil porém comprometedora. Até hoje, muitas pessoas já morreram tentando atingir seu cume durante tempestades mesmo tendo até escada fixa e correntes perto do cume. Há um refúgio logo abaixo do cume na crista principal. Aliás, as montanhas japonesas apesar de pequenas, representam um bom teste de resistência para montanhistas nipônicos já que quando o tempo muda, pessoas morrem. Quando escrevi sobre a febre do cume, lembrei que uma montanha japonesa de só 2.141 metros matou em um só dia 10 pessoas. Lá, acontece uma tragédia como essa volta e meia (parte disso se deve ao perfil do escalador japonês, persistente, cabeça dura). Escalar essas montanhas é moleza pro macaco das neves, e ele o faz brincando. Com 3.180 metros de altitude, ou 10.433 pés, segura a posição de 4ª montanha mais alta do Japão, e é muito cobiçada pelo montanhismo no país. A montanha também é conhecida popularmente como o Matterhorn japonês, já que sua silhueta lembra um pouco a famosa montanha européia do chocolate toblerone suiço.

Como se entende muito bem com a neve, é comum ascenderem montanhas inclinadas e nevadas aproveitando-se desta característica, e ao longo de sua vida, desenvolvem técnicas de locomoção próprias para galgarem as montanhas nevadas japonesas! É impressionante como este macaco se dá bem nas alturas. Apesar de não terem rabo longo como outros primatas, também são exímios trepadores de árvores, onde passam bastante tempo durante o frio, agrupados pra compartilhar calor corpóreo.

Então, o que acham de pegar um primata desse como parceiro pra ir guiando as escaladas, ou mesmo dando o seg? Parecem confiáveis não? 🙂

Agora se me permitem, vou ali viajar um pouco. Uma notícia inesperada me atingiu no dia 2 de janeiro, um belo presente de casamento, e então agora tenho tempo disponível, de novo desempregado. Vou ali levar a lili e minha sogra pra conhecer uns lugares fantásticos, e quando elas voltarem, fico mais 18 dias pra dar uma de macaco das neves nos andes.

Abrazos a todos

Parofes

Fontes de pesquisa: Documentário BBC Natural World 2009 “Snow Monkeys” (onde extraí algumas imagens)
Wikipedia
http://www.mountainhikingholidays.com/japanhiking.php
 

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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