Montanhas esquecidas do PNI: Parte III

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Pico do “Marombinha” – Cume
Pico do Maromba – Cume (2 vezes)
Pico Cabeça de Leão – Cume Leste
Pico Cabeça de Leão – Cume Oeste


Dia 1

Mais uma longa troca de e-mails: Parofes – Tácio Philip – Jorge Soto correndo para decidir onde seria a fuga da cidade grande para o feriadão. O Jorge nos convidou para fazer uma travessia bem incomum, mas optamos por continuar com os planos já traçados no decorrer da semana.

Para mim, sem dúvida foi ótimo poder dar continuidade à exploração de picos desconhecidos ou pouco visitados do Itatiaia. Então, novamente tive companhia: Meu parceiro Edson Vandeira, Paula Neiva e Tácio Philip. É a segunda vez que partimos juntos para montanhas e como na primeira, desfrutamos de entrosamento e sucesso ótimos.

O Edson veio pra minha casa onde esperamos o Tácio e a Paulinha, que chegaram por volta de 22:30h de quinta-feira dia 19.11.2009. Fomos embora seguindo o objetivo de chegar a Fazenda do Pavão, nas imediações do Pico Cara de Gorila (ou Cabeça de Gorila), uma montanha desconhecida no Itatiaia de acesso bem difícil.

A viagem foi longa e cansativa principalmente pro Tácio, que dirigiu por cerca de seis horas até conseguirmos chegar praticamente na porta da Fazenda do Marimbondo, que ficava apenas a 1 km da Fazenda do Pavão, nossa intenção inicial. Lá chegamos por volta de quatro e meia da manhã. Rapidamente montamos as barracas e dormimos um pouco.

Sete da matina e estávamos de pé. A intenção, como sempre, era começar cedo para chegar ao objetivo cedo, acampar e descansar para no próximo dia recomeçar também cedo.

Assim que levantei comecei a rodar pela área e logo me vi rodeado por um maravilhoso mundo de insetos de várias espécies, esperando para serem fotografados. Pirei como amador iniciante que sou na arte da fotografia! Saquei a máquina e cliquei pra todo lado. Antes de começarmos a caminhada propriamente dita eu já havia fotografado: Uma lagarta, um gafanhoto, dois opiliões, uma aranha, um besouro minúsculo e uma lesma bem grande. Dentro de minhas limitações para fotos, tanto em talento quanto em equipamento, fiz um ótimo trabalho!

Desmontamos o acampamento e rumamos para a fazenda. Chamamos porém ninguém atendia pelo nosso chamado. Fazer o que? Voltar depois de quase 350 kms de estrada?! Não! Invadimos a propriedade pulando o muro. Que coisa feia (risos). Lá dentro já chegamos timidamente nos desculpando com o caseiro Flávio por pularmos o muro. Este, gente mais boa impossível, nos recebeu sorridente fornecendo todas as explicações que pedimos. Nos contou que cerca de vinte anos atrás alguém tentou abrir uma picada dali até o Cara de Gorila mas que só ficou em paredões. Nos indicou repetidas vezes a Cachoeira do Escorrega como melhor caminho para chegarmos na montanha.

Não tínhamos opção, o jeito foi virar as costas e criar um plano de contingência. Voltamos, pulamos o muro novamente e chegando ao carro, estrada de novo. Indiscutivelmente acatamos às orientações do Flávio e fomos diretamente para a Cachoeira do Escorrega que fica a 1.315 metros, de onde sai uma estrada para uma outra fazendinha e, de lá, a trilha para a travessia da Maromba.

Deixamos o carro no estacionamento ao lado da cachoeira, mochilas nas costas e começamos a caminhar. Não lembro a hora exata mas era algo entre 10:00 e 10:30h da manhã. Muito tarde para o que planejamos mas, o que fazer? Tínhamos um desnível pesado a vencer e o relógio corria contra nós.

Chegamos na fazendinha e um novo papo, conversamos o proprietário e fomos embora. Finalmente estávamos na mata começando nossa caminhada na fazendinha onde a altitude está na casa dos 1.500 metros.

Lentamente e sofrendo com o calor infernal, ganhamos altitude pela mata onde o sol não entra. Só saímos desta na cota dos 1.920 metros de altitude, onde começa o tradicional zigue-zague para chegar no alto do Vale das Cruzes, lugar de beleza estonteante, um verde infinito até onde a vista alcança. Olhando para trás tínhamos a belíssima vista da Pedra Selada com 1.755 metros de altitude. Olhando para a frente, quer dizer, para cima, víamos o Marombinha (nome dado pelo Tácio).

Não tinha vento, o calor nos cozinhava, não foi nada fácil chegar lá em cima. Enfim, chegamos ao topo da crista da serra e começamos a contornar o Marombinha. Ali nos separamos. Tácio e Paulinha começaram a descida do outro lado do vale, já com a invejável vista do Agulhas Negras, Pedra do Sino, Asa de Hermes, Pedra da Coroa, Serra Negra (gigantes brasileiros!). Edson e eu deixamos as pesadas mochilas no chão e subimos de ataque os 100 metros finais de desnível para este cume desconhecido. Como não há trilha, a subida é penosa. Muitos espinhos, trepa pedra, vara mato, escala mato e variações conhecidas.

Antes de subir chequei a altitude com o Tácio e ajustei meu suunto. Queria ter a medição mais próxima possível do real. Lá em cima, quando chegamos, registrei 2.425 metros. A nossa frente, todo o Maciço do Itatiaia e seus diversos cumes. A nossa esquerda o enorme Pico do Maromba. A nossa direita mais um imponente cume menor (algo em torno dos 2200 metros) que muito nos lembrou o Pico Luar do Ibitiraquire. Uma montanha linda que provavelmente sequer nome tem. Se eu estiver errado por favor me corrijam. Espero estar errado pois seria uma injustiça aquela montanha não ter nome!

Fizemos nossas fotos no pequeno cume, fiz um vídeo filmando os 360 graus de vista de paz infindável, filmei Tácio e Paulinha 150 metros mais abaixo na trilha, já em um lugar que escolheram para montar o acampamento.

Depois disso começamos a descer com cuidado. A encosta desta montanha é bem inclinada e um erro pode causar uma queda possivelmente fatal. Chegamos às mochilas, pegamos e voltamos a trilha. Mais um pouco dos chatos bambuzinhos e chegamos ao ponto de água que fica a somente 30 metros do acampamento. Matamos a sede e reencontramos os dois, que já estavam de barraca armada (no bom sentido), se preparando para o jantar.

Cheguei cansado. 1.100 metros de desnível naturalmente já não é muito fácil. Já fizemos muito mais que isso eu e Edson, a subida do Ciririca por cima (nesta ordem): Camapuan, Tucum, vale, Cerro Verde, 2 vales, Pico Luar, mais 3 vales, descida pelo rio até a base do Ciririca (última chance) e finalmente o ataque final. Nesta subida o desnível provavelmente beira a própria altitude do pico (1.705 metros) ou até mais, tudo isso com mochilas relativamente pesadas em 14 horas. Mas com o calor que fazia no Vale das Cruzes, estes 1.100 metros se tornaram bem cansativos.

Enquanto o Edson montava a barraca eu me encarreguei de buscar água. Lá fui eu, cumpri minha tarefa e retornei alguns minutos mais tarde. Edson já estava terminando a arrumação e me chamou para ir até uma cachoeira que vimos do cume do Marombinha. Eu estava cansado, nem pensar…Fiquei por ali mesmo preparando minha janta, me ocupando em repor as energias gastas durante as longas cinco horas de subida.

Lá foi o Vandeira, era 17:00h. O casal deitou após jantar, iriam descansar um pouco. Enquanto eles cochilavam eu jantei, bebi um bocado de suco e, que mais? Fotos é claro. Macro de um Gorgulho pequenino sobre uma rocha, pequenas flores, as mesmas que o Tácio fotografou quando foi ao Morro do Urubu também no Itatiaia semanas atrás, fotografei a paisagem à volta, Pico da Serra Negra, nuvens sobre o Agulhas Negras e o raio que o parta.

O minuto passou, os minutos passaram, a primeira hora se foi, hora e meia e, nada do Edson. O tempo começou a mudar, nublou completamente até que a tempestade tornou-se evidente após tanto calor no mesmo dia. Completou-se a segunda hora, Tácio e Paulinha já estavam acordados. Tácio deu a idéia de irmos atrás do Edson se a noite caísse antes de sua chegada.

Trovoadas e raios mudaram o cenário de tranqüilo para preocupante. Finalmente começou a gotejar no vale. Em cinco minutos a chuva começou a apertar e o Edson pintou na barraca lá pelas 19:15h, pouco antes do anoitecer e do pé d’água que caiu.

Choveu como se fosse o último dia do Planeta, como se todas as plantas pedissem às nuvens “água, eu imploro, água!”. Choveu muito. Enquanto Edson e eu conversávamos a água foi se acumulando e nem percebemos…

Entendi o motivo da demora. Aquela bonita cachoeira que filmamos do cume do Marombinha que parecia estar a somente uns 200 ou 300 metros de caminhada do acampamento, na verdade estava a pelo menos meio quilômetro e dois pequenos vales a frente. Além disso, a mata alta e a inexistência de uma trilha dificultaram mais ainda o avanço do Edson. Mas o japa é obstinado, persistente! Kkkkk Lá foi ele varando o mato intrepidamente até conseguir chegar na cachoeira, que tinha uma bela piscina natural. Fez umas fotos, um vídeo, começou a voltar. Só que o caminho de ida custou inacreditáveis sessenta minutos, o mesmo para retorno, gastando lá de apreciação somente cerca de dez ou quinze minutos.

Na metade do retorno percebeu o começo da tempestade e se apressou. Mas não adiantava muito, era o mesmo descaminho para o regresso. Por isso já chegou um pouco molhado. Fim da aventura solitária dele, nosso retorno à situação atual.

Anoitecera, a chuva seguia impiedosa. O solo não conseguia mais drenar tanta água, que começou a se acumular no nosso acampamento! Logo nos vimos em verdadeiros colchões d’água, o avance de nossa barraca se transformara em um pequeno porto onde os encouraçados eram nossos pertences ali deixados minutos antes. Boiavam com a maré revolta na enseada.

Apesar de toda revolta dos céus, a água não venceu a qualidade das barracas e, o que poderia ser um perrengue bem desagradável nada mais foi que um bocado de diversão para nós quatro. Eu e Edson na nossa barraca, Tácio e Paulinha na barraca deles. Cada qual fazendo seus vídeos registrando aquela situação cômica. Não faltou conforto para dormir pois, pelo menos na nossa barraca, dormimos antes da chuva parar completamente e, ainda estávamos na cama d’água que nos sacodia a cada virada de lado dentro do saco de dormir.

Dia 2

Acordei com o céu azul, alguns pontos “de brigadeiro”, outro dia, outro lugar, outra estação.
Em minutos estávamos todos de pé tomando café da manhã discutindo nossas opções para o ataque, deixando nosso acampamento base ali estabelecido.

O relógio marcava apenas cinco minutos após as oito da matina quando começamos nosso trekking rumo ao Pico do Maromba, com 2.620 metros de altitude. Em nosso acampamento a altitude era de 2.290 metros, o que nos deixava um desnível confortável de apenas 330 metros a uma distância de 1,2 quilômetros de nosso principal objetivo para o feriadão. Quando comparados aos números do dia anterior, isso era moleza certo?

Como o cansaço ainda não fora vencido por todos nós, pela falta de trilha por onde seguiríamos, pela chuva do dia anterior (possibilidade de muitos charcos), pensamos que levaríamos pelo menos três horas até o cume da montanha. Nos enganamos. Avançamos bem mesmo considerando todos estes fatores e levamos 1h e 35min até os 2.620 metros, onde vimos um totem bem legal. Edson foi o primeiro a chegar, depois eu cheguei, em seguida Tácio e por fim a Paulinha.

O tempo já mostrava alguma má vontade conosco, assim, como tínhamos em mente continuar adiante até o Pico Cabeça de Leão (ou Cara de Leão), rapidamente saímos do cume do Maromba seguindo para esta montanha de dois cumes. No começo tudo foi bem, apenas descendo pela crista, mas não ficou assim por todo o trajeto.

Depois que descemos até uma pequena elevação e chegamos ao único vale que separa as duas montanhas começou o problema. Até ali já havíamos caminhado sem nenhuma trilha, mas com alguns totens perdidos ao longo do caminho. Isto é prova de que a trilha até existia, mas como ninguém vai até lá, a vegetação cresceu e tomou conta. Mas não é vegetação que cresce e cai sobre a trilha não, esta desapareceu completamente. Quanto tempo é necessário pra isto acontecer? Não sei. Chuto alguns meses pelo menos.

Atravessar este vale não foi muito complicado mesmo sendo um completo vara mato. Alguns arranhões aqui e ali mas nada demais. Passamos e em seguida subíamos a encosta do pico calmamente. Chegamos no menor cume as 11:45h. Apreciamos mais a vista ali do que no Maromba. Nossa, eu que pensava que a vista da Pedra Furada era melhor, troquei de opinião. Vista incrível…Fotos e vídeos, papo, lanche, etc e tal, tínhamos que continuar.

Avançamos rumo ao segundo e principal cume, doze metros mais alto alcançando 2.442 msnm, onde havia um tímido totem. Edson tratou de dar uma organizada no totem que ficou bem legal, podendo ser visto de longe! Ali mais fotos, um ou dois vídeos, novo descanso e começamos a voltar.

Não fizemos o mesmo caminho de retorno, pelo menos não inicialmente. O Tácio deu a idéia de contornar aquela descida chata que fizemos. A intenção era boa, evitar aquele vara mato para subir novamente a crista. Pensamos em descer a crista do Leão mesmo até uns rochosos mais abaixo, passar ao lado dos dois lagos que ali estão e começar a subida mais lateralmente. Foi o que fizemos.

No começo foi tudo bem, até que chegamos a um charco. Uns 30 metros pra atravessar, mato bem alto, cerca de 1,80 metros e bastante água sob nossos pés. Evitando tudo aquilo e levando um baita tempo conseguimos passar por este. Caminhamos sobre as pedras e um segundo charco separava este rochoso do próximo. Lá vamos nós outra vez…Este foi pior, a travessia em si era menor porém mais complicada. A mais sofrida. O mato ultrapassava em alguns pontos dois metros de altura e, a água, chegava aos joelhos. Afiado como navalha o mato nos causava mais ferimentos. Lutávamos contra a natureza para conseguir passagem ali, pulando de raiz em raiz (quem conhece entende que a base deste mato faz uma plataforma rígida negra que serve para pisar) para fugir da água. Ninguém queria se molhar, ainda mais levar uma picada de alguma cobra que ali estivesse.

Aos trancos e barrancos, gargalhando feito um bando de bestas (risos) íamos evoluindo. Em determinado momento o Tácio errou uma passada e entrou de vez na água. Daí pra frente literalmente cagou e foi até o final na água mesmo. Edson ia pulando de raiz em raiz e eu seguia seus passos (pulos). Infelizmente errei um, o capim gigante cortou meu dedo em três locais diferentes, um ferimento que eu não queria naquele e em nenhum outro momento, doeu bastante! Neste pulo eu gastei tanta energia que tive que me deitar sobre o capim, torcendo pra que ele agüentasse meu peso, podendo então assim me suspender novamente e continuar meus pulos até chegar a rocha apenas três metros adiante. Nossa, como isso foi cansativo. A Paulinha, que já tinha desistido e afundou o pé na lama, rachava o bico rindo do meu infeliz pulo e da minha rolada pra conseguir me levantar novamente…risos

Por fim conseguimos passar. Avançamos só uns 250 ou 300 metros na descida e já se passara uma hora! Foi terrivelmente cansativo. Nesta hora realmente entendi o porquê de não haver trilha, de ninguém fazer relato destes picos, nem fotos na net. Aliás, o único relato que encontrei foi do Roberto (Blog “O Andarilho”) que subiu estas montanhas há quase dez anos atrás. Ontem, antes de terminar este relato, tomei ciência de mais um amigo que fez este trajeto apenas três semanas atrás porém não publicou ainda o relato. Fica aqui registrado que não fomos os últimos por tanto tempo assim! Jorge Soto pisou por aquelas bandas nos primeiros dias de novembro. Fora nós, os militares vivem por lá em treinamento e despejo de lixo, lamentável.

Começamos a subir em direção ao colo que divide a crista do Leoa e do Maromba. Foi um misto de rochas e mais vara mato, mas só o fato de não ter charco foi bem mais animador. Nesta hora começaram os trovões, aí veio a preocupação de voltar logo! Passando pelo misto de rocha e vara mato, para nosso deleite, chegamos a um curto porém muito bem vindo campo de altitude com vegetação rasteira de caraguatá e um mato bem baixinho. Foi tão bom andar ali, lembro perfeitamente da sensação de relaxamento depois de tanta mata fechada, de tantos ferimentos…

Como eu disse na hora que isso acabou: “Alegria de montanhista dura pouco”. Logo voltamos a atravessar mata mais alta e pular algumas pedras grandes até que, finalmente, depois de longas duas horas de retorno, chegamos a crista que fizemos o caminho indo para o Leão. Dali sabíamos que o mato seria menor e, o caminho ainda estava em nossas cabeças.

Os trovões chegavam cada vez mais perto e meu pensamento na hora era de que seria inevitável sermos pegos pela tempestade. As nuvens se aproximavam cada vez mais engolindo tudo atrás de nós, não conseguíamos ver nada para trás, só a frente. Meu maior medo era de sermos pegos pela tormenta no cume do Maromba, isso seria muito perigoso por causa das descargas elétricas, com histórico bem conhecido no Brasil de mortes de montanhistas causadas por tais descargas. Um caso bem conhecido no Pico do Selado em Monte Verde e, recentemente, ainda este ano, um outro caso no Rio de janeiro.

As pausas para descanso eram bem curtas, começamos a nos apressar mais e mais até que chegamos no cume do Maromba pela segunda vez no mesmo dia. A esta altura do campeonato só pensávamos em comida, o Tácio falava da truta em Maringá e sei lá, acho que aquilo deu um gás a mais kkkkk…Fizemos novas fotos de cume aproveitando uma possível melhora no tempo, depois de tanta ameaça de chuva com raios.

Mais rápido impossível, ficamos no cume do Maromba por uns três ou quatro minutos e já começamos a descer, perdendo altitude novamente agora com trilha definida, muito melhor caminhar assim!
A minha idéia inicial era continuar pela crista até o marombinha mas como todos estávamos cansados, decidimos por voltar pelo mesmo vara mato que subimos. Conseguimos encontrar o colo e descemos apressados atravessando a inclinada encosta.

Nesta descida ganhei o ferimento que mais me causou dor. Como era descida relativamente inclinada, a vegetação entra facilmente sob a camisa. Foi o que aconteceu. Um galho entrou e me arranhou da cintura até quase a axila. Nossa, como aquilo doeu…Vi estrelas, falei meia dúzia de palavrões, fiquei pxxx da vida. Coitada da mãe da montanha.

Chegamos ao fundo do vale. Dali para nosso acampamento faltava pouco. Eu contava os metros para chegar lá e poder lavar meus braços que tinham inúmeras escoriações. De nós quatro acho que os mais prejudicados com ferimentos fomos eu e a Paulinha. O braço dela ficou literalmente esfolado e, o sol só piorava isso queimando a pele sobre a ferida.

Por fim, após quase nove quilômetros de caminhada e cerca de setecentos metros de desnível de subida para este dia, chegamos ao nosso acampamento. Já estávamos sem comida e sem água, todos com muita sede.

O Edson não estava muito bem, a partida de futebol que jogou na quarta antes de viajarmos só trouxe desgaste muscular e aborrecimentos, além disso, nossa noite anterior não foi suficiente pra recuperar o corpo. Tratou de cochilar um pouco, eu também estava exausto e tentei dormir mas tão cedo não consigo.. Tácio e Paulinha conseguiram um meio banho na fonte de água ao lado de nosso acampamento e, não estavam tão cansados quanto eu e Edson. Começaram a cuidar de sua janta enquanto eu só relaxava olhando as fotos e curtindo toda a pernada do dia.

Quando o relógio marcou 19:00h comecei a esquentar a minha feijoada, tinha bastante fome mas mesmo assim esperei até um horário melhor para não jantar tão cedo. Edson também começou a fazer sua macarronada depois de tentar dormir, mas só conseguiu cochiladas isoladas. Jantamos bebendo o tradicional tang de uva. Nossa, como comi…

A esta hora Tácio e Paulinha já tinham se recolhido fazia tempo, mas acho que ainda estavam acordados. Acredito que não fui o único que se deitou com o sentimento de dever cumprido, de sucesso. Passamos por maus bocados neste dia por causa da vegetação e mesmo assim não desistimos, fomos até o final atingindo os cumes que decidimos e, voltamos com segurança ao acampamento para o merecido descanso e jantar. Leoa e Gorila ficaram para a próxima.

Nesta noite, incrivelmente, não choveu. Aliás, na hora em que chegamos no acampamento o tempo abriu e saiu um sol de rachar o coco. Me lembro de ficar com os braços arrepiados quando o sol batia, tamanha a sensibilidade em que a pele se encontrava de tantos cortes que, por si só eram pequenos. Mas dezenas deles causam um tremendo desconforto. Além é claro de serem portas de possíveis infecções.

A noite caiu e com ela nós também. Dormimos.

Dia 3

O dia do retorno. Acordei as quatro da manhã e não conseguia mais dormir. Deitar muito cedo me faz acordar muito cedo. Saí da barraca pouco antes de acordar definitivamente e lá fora reluzia uma sinfonia de vaga-lumes, iluminando a escuridão tímida da noite, não era total.

Fiquei rolando para um lado e para o outro até o sol começar a nascer. Exatamente as seis saí da barraca, fui ao banheiro, fiz umas fotos do belo dia que amanheceu. Em seguida o Edson acordou, Paulinha e Tácio também. O Tácio acordou meio mal, teve febre durante a noite e estava indisposto.

Já acordei pensando no café da manhã. Na minha mochila ainda tinha um pedaço grande de provolone. Tive uma idéia, ligar o fogareiro e aquecer o queijo no fogo. Ahhh que idéia boa…rendeu até o vídeo “comer bem na montanha – tomada 2”, já no youtube. Eu e Edson comemos bastante queijo, Tácio e Paulinha não quiseram.

Arrumamos nossa barraca, mochilas e ficamos prontos. Quando o Tacio e a Paulinha ficaram prontos, começamos a descida, exatamente as 08:15h. O sol queimava com vontade, a mata machucava mais ainda e, eu torcia para perdermos altitude rápido chegando então na floresta, onde a trilha é bem aberta e o sol não entra.

Na bifurcação ponderamos sobre subir o Marombinha, mas isso significaria muito mais gasto de energia já que é escala mato, cheio de caraguatá, pontos bem expostos, trepa-pedra e etc, gastaríamos no mínimo uma hora para subir e descer. Como já pensávamos na truta, resolvemos passar direto.

Chegamos ao zigue-zague voltando, mais fotos do visual que estava de brilhar os olhos. Tempo bem aberto, tapete de nuvens centenas de metros abaixo, Pedra Selada piscando para nós pedindo uma passadinha por lá! Paramos algumas vezes para fotos e rápidos descansos. Escorreguei na trilha e bati o joelho, como doeu…

Seguimos e só paramos no último rio durante a subida, na casa dos 1.950 metros, para descanso, lanche e uma refrescada. Fomos alcançados neste momento pelo Jorge Soto e dois amigos, Paulo Roberto, meu xará que me reconheceu do mochileiros.com e, Carlos (mamute). Trocamos experiências durante a travessia e eles também passaram por maus bocados com a chuva e com a mata avantajada.

Daí em diante seguimos todos juntos por pouco tempo, acredito que um quilômetro de trilha somente. Quando chegamos no outro rio paramos novamente pra um novo descanso, refresco e, lavar as feridas. Nesta trilha tem um tipo de planta que não sei o nome, ela tem micro espinhos que agarram nas roupas, mochila, pele….pele? Sim! Pele! Como velcro. Corta e corta bem. Sofri uns cortes por causa disso e sangrava pra todo lado…O braço que já tinha inúmeras feridas piorou mais ainda, eu ardia pra todo lado, o suor escorria e piorava a situação…Lavar os braços no rio era um momento de puro prazer corpóreo!

Neste rio nos separamos, Soto seguiu com Carlos e Paulo sem parar, nós seguimos um pouco depois. Não os vimos mais.

Finalmente chegamos na fazenda, nem paramos, continuamos a descer a estradinha de terra contando os minutos para chegar logo ao carro. Conforme o barulho da cachoeira aumentava, sabíamos que estávamos mais próximos. O relógio marcava 11:59h quando paramos e tiramos as mochilas das costas. Tácio e Paulinha trocaram de roupa, eu tirei a segunda pele que esquentava demais, entramos no carro e fomos para a estrada.

Chegamos a Maringá meia hora depois, escolhemos o restaurante e sentamos. Tácio e Paulinha pediram truta mas eu não resisti e pedi a boa e velha picanha na pedra. Que delícia, que maravilha de refeição…

Fiz mais umas fotos, o Edson filmou um burrinho que se coçava na esquina (engraçado!), paramos em uma loja onde comprei uma camiseta pra Lili. Depois disso foi só estrada até São Paulo, com uma parada em uma churrascaria onde comemos outra vez logo depois de Aparecida, pegamos algum trânsito porém não muito.

Longas seis horas até a capital, pior pro Tácio que dirige. Chegando em casa tive que lavar a cabeça e a barba três vezes para que toda a sujeira saísse. Caprichei no banho e, pegando chuva, fui pra casa da Lili.

Feriadão muito bem sucedido, mais montanhas novas, das quais pelo menos uma que é o Cara de Leão, provavelmente nenhum outro montanhista além do Jorge Soto e nós vai há meses.

Vídeos da viagem, visite meu canal no youtube: www.youtube.com/parofes

Abraços a todos!&nbsp,

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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