Ao longo das últimas décadas, a prática do montanhismo no estado do Rio de Janeiro vem sendo inviabilizada pela introdução de políticas cada vez mais restritivas em suas Unidades de Conservação.
As dificuldades naturais intrínsecas a essa atividade, como questões técnicas, meteorológicas, logísticas e humanas, agora se somam a outras antes inexistentes, artificialmente impostas pela maioria dos Parques Nacionais e Estaduais em funcionamento no Rio de Janeiro. Restrições nos horários de entrada e saída, proibições de pernoite, necessidade de autorizações especiais para caminhadas e escaladas clássicas, além da cobrança de taxas cada vez maiores, são exemplos de ações que tornam proibitiva a prática regular do montanhismo como atividade amadora.
Vemos claramente que, seguindo esse caminho, o Montanhismo Amador estará condenado a desaparecer, cedendo seu espaço nas Unidades de Conservação a atividades mercantilistas, comumente classificadas com o título de turismo ecológico ou de aventura, vinculando assim um viés econômico obrigatório a uma atividade lúdica e integradora.
Um claro exemplo dessa política restritiva adotada por muitos parques está na forma de manutenção das trilhas. Os caminhos de montanha sempre foram mantidos por seus usuários e, com o início da prática do montanhismo como atividade organizada, os montanhistas passaram a abrir e manter trilhas especificamente usadas para acessar cumes, bases de escalada e percorrer travessias. Nunca se esperou que outros setores da sociedade cuidassem desses caminhos, que serviam a um segmento tão específico da população, e assim as coisas vinham se mantendo até hoje.
No Rio de Janeiro, muitas trilhas consideradas menos técnicas e mais recreativas, usadas pela sociedade em geral, também eram mantidas total ou parcialmente com a ajuda de montanhistas, geralmente organizados em clubes ou associações. A criação de Parques Nacionais e outras Unidades de Conservação pouco alterou esse tipo de atuação, que vinha sendo considerada natural, necessária e bem-vinda.
A manutenção de trilhas é essencial para garantir o acesso a áreas naturais e em alguns países existem programas específicos desse trabalho voluntário em Parques Nacionais. A atividade consiste não só na remoção de obstruções, vegetação que cresce e árvores que tombam sobre as trilhas, mas também na estabilização do solo para resistir à passagem dos caminhantes (calçamento e degraus), no fechamento de atalhos e principalmente na criação e limpeza de um eficiente sistema de drenagem que evite o efeito destruidor causado pela água das chuvas.
A Unicerj sempre foi engajada no trabalho permanente de manutenção de vias de escalada, assim como de trilhas de montanha. Em nosso clima tropical, é muito comum encontrarmos problemas de drenagem e obstruções nos caminhos que percorremos, sejam eles em locais acessíveis e frequentados ou mais ermos e raramente visitados. Temos muito orgulho em afirmar que nossa contribuição para a manutenção de inúmeras trilhas de montanhismo no estado do Rio de Janeiro, particularmente no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PNSO) e no Parque Nacional da Tijuca (PNT), vem melhorando as condições de acesso a essas áreas naturais.
Esse trabalho é realizado principalmente por montanhistas. Nós o fazemos, sempre que possível, de forma silenciosa, contínua e discreta, procurando minimizar o impacto visual para os que percorrem esses caminhos. Porém, todo esse cuidado acaba, infelizmente, levando a uma total ignorância de muitos frequentadores sobre a existência e importância do esforço.
Por ser a Unidade de Conservação mais frequentada pela Unicerj, o PNT é onde naturalmente dedicamos a maior parte da nossa energia para manutenção de trilhas. Durante a administração do Sr. Pedro da Cunha e Menezes, entre 1999 e 2000, chegamos a firmar uma parceria para cuidar da trilha do Andaraí Maior/Tijuca Mirim. Além disso, desde fevereiro de 2003, quando o PNT iniciou o Programa de Voluntariado, até julho de 2011, a Unicerj participou de 70 dos 78 mutirões organizados pelo Parque, colaborando com uma média de 11 participantes em cada excursão.
Em função do compromisso com ecossistema tão importante para a cidade do Rio de Janeiro, esse forte vínculo da Unicerj com o PNT foi formalizado no seu Plano de Manejo.
O PNSO é outra área de imensa importância na história do montanhismo brasileiro e já contou, no passado, com uma excelente infraestrutura para a prática dessa atividade, incluindo quatro abrigos de montanha e inúmeras áreas de acampamento, além de uma infinidade de trilhas. Como não podia deixar de ser, a grande maioria dessas trilhas também foi aberta e vinha sendo mantida pela comunidade mais interessada, ou seja, nós, montanhistas.
Em razão da insuficiência de recursos humanos do PNSO para realizar os trabalhos de fiscalização e manutenção dos 130 quilômetros de trilhas e 10.024 hectares protegidos no Parque (conforme informado na página oficial do PNSO na internet), que abrangem os municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim, a Unicerj entende que as atividades e excursões dos montanhistas voltadas para manejo e manutenção de trilhas não podem ser taxadas de ilegais e elevadas à categoria de crime ambiental, igualando montanhistas aos verdadeiros inimigos da preservação, como caçadores, exploradores de madeira e desmatadores.
Como o PNSO não mantém nem tem condições de manter todas essas trilhas que existem em sua área, cabe a pergunta: Como é que elas persistem transitáveis até hoje? A única resposta razoável é que o Parque vem contando, há anos, com a ação voluntária e silenciosa dos montanhistas para desempenhar esse papel.
Considerando-se que esse tipo de trabalho, antes feito de forma simples e rotineira durante as excursões, agora deva ser submetido previamente ao crivo de um analista ambiental do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), é inegável que essa burocracia, ignorando completamente o histórico dos montanhistas na manutenção de trilhas do próprio PNSO, resultará num retrocesso nas relações entre clubes amadores e parques em geral.
O que mais nos preocupa agora é perceber a tendência do PNSO em fechar trilhas que não consegue manter, seja alegando a real insuficiência de recursos ou usando artifícios argumentativos de preservação da natureza, como se a simples presença episódica de visitantes representasse algum impacto relevante sobre os ecossistemas da região.
Esse tipo de pensamento contamina há muito tempo o Parque Nacional do Itatiaia (PNI), cuja política, que dificulta o acesso estabelecendo horários limitados e taxas elevadas, oferecendo estradas intransitáveis e um diminuto número de vagas para pernoite dentro do Parque, praticamente inviabiliza o montanhismo em um dos locais onde nasceu. Mesmo com a recente reabertura de algumas trilhas e áreas de acampamento, ainda temos lá um parque único, próximo aos dois maiores centros urbanos do Brasil e de onde os montanhistas têm sido, durante anos, excluídos por um sem fim de regras impraticáveis.
Os ambientes naturais adequados para a prática do montanhismo estão, na grande maioria das vezes, localizados em Unidades de Conservação que foram criadas pela sociedade brasileira e para seu benefício, sendo mantidas através de impostos e administradas por órgãos do Governo. O acesso a esses sítios é um direito de toda a população brasileira, garantido pela Constituição da República.
Porém, os novos modelos de administração, que aos poucos vêm sendo adotados pelos parques, envolvem agora a terceirização da gestão de áreas públicas. Essa nova proposta deveria proporcionar, em tese, uma melhoria dos serviços oferecidos pelos parques, uma vez que significativa parcela da arrecadação seria retida com a concessionária, ficando esta encarregada de arcar com os custos operacionais e algumas melhorias.
As empresas privadas atuam motivadas pelo lucro em suas atividades. Para que essas empresas tenham interesse em participar de um processo licitatório e adquirir uma concessão para administrar atividades num parque, é fundamental que esse serviço se configure como um negócio rentável, o que nunca fez parte dos objetivos da criação de Parques Nacionais ou Estaduais.
Assim, foram implementados sucessivos aumentos nas tarifas dos Parques, não apenas no valor da entrada, mas também na criação de novas taxas, para percorrer trilhas, para acampar e para entrar com o carro, atividades que obviamente não implicam em prestação de qualquer serviço que justifique, tributariamente, a cobrança de taxa, ou em gasto adicional para o administrador, seja ele público ou privado.
Além dos aumentos, outras medidas foram postas em prática ao longo dos anos, como a proibição de acampamento em outras áreas que não as que futuramente viriam a ser administradas pelas concessionárias e o fim dos descontos dados a guias de clubes de montanhismo, que deixaram de ser vistos pelo Parque como parceiros nos trabalhos de conscientização ecológica e se tornaram apenas usuários pagantes. No entanto, curiosamente, esses descontos continuam a ser dados aos guias profissionais no exercício de sua atividade.
Recentemente foi firmado contrato entre o PNSO e a empresa que hoje está responsável pela gestão de diversos serviços no Parque. Entretanto, pouco se percebe em termo de melhorias, seja nos estacionamentos, nas áreas de acampamento ou nas trilhas de montanha, que continuam sem receber os devidos cuidados.
Em breve, será também implementada a cobrança para percorrer áreas do Parque que sequer estão sob a gestão dessa empresa e que jamais foram cobradas, como o Alcobaça, o Dedo de Deus, o Escalavrado e o Dedo de Nossa Senhora.
O discurso e a prática de restrição do acesso aos Parques, com trilhas fechadas, não sinalizadas, taxas elevadíssimas, horários incompatíveis, proibições de acampamentos, visando com isso preservar a ecologia é uma grande falácia que aos poucos vem matando o montanhismo amador no Brasil. Cada nova Unidade de Conservação criada é vista temerosamente como um local a menos para o excursionismo tradicional.
Quando se soma a isso a política de terceirização de serviços descrita acima, percebemos um direcionamento cada vez maior da estrutura dos Parques para o chamado ecoturismo, onde o visitante/turista não se importa em desembolsar um valor elevado por uma oportunidade eventual ou até mesmo única. Enquanto isso, os montanhistas amadores, antes frequentadores assíduos e continuadores históricos do cuidado com as montanhas, são afastados cada vez mais.
Porém, a longo prazo, a manutenção de tantos parques por uma sociedade que não pode frequentá-los é inviável, pois será cada vez mais difícil encontrar pessoas que defendam aquilo que não conhecem ou só conhecem pela televisão. É preciso conhecer para preservar.
Em nome de uma ecologia que nos coloca a todos como vilões, onde a simples passagem por uma trilha ofende o meio ambiente, o calor do corpo humano agride as plantas, um grampo de segurança fere as pedras, um bivaque no campo é uma heresia e montanhistas são execrados como as maiores ameaças aos Parques Nacionais, o governo adota políticas de administração que no passado seriam consideradas absurdas, mas hoje são aceitas, cegamente, por nós. Onde estão os Clubes de Montanhismo? Fica aqui nosso veemente protesto como cidadãos brasileiros.
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