Normas voluntárias de turismo se tornam obrigatórias para montanhismo no PR

0

Esta é apenas uma das conseqüências da Lei Estadual 17.052, sancionada em 23 de Janeiro deste ano, e em vigor desde então. De acordo com a lei, para praticar montanhismo e escalada, grupos de montanhistas terão que pedir permissão aos bombeiros, ao órgão competente para a utilização do local, e ter o acompanhamento de monitores habilitados. Normas anulam o padrão de guias voluntários, certificação de cursos de clubes, trabalho de guias e instrutores profissionais e voluntários e ainda obrigam a ginásios de escalada a usar capacete, dentre outras coisas.

 
Não é de hoje que projetos de lei polêmicos ameaçam a realização da prática esportiva de montanhismo, escalada e outros esportes ditos de aventura. O caso mais clássico foi a proposição do Projeto de Lei Federal 403/2005, que surgiu no Senado, chegou à Câmara dos Deputados com a numeração PL 7288/10 e recebeu emendas que desfiguraram a proposta que saiu do senado (mais ajustada à realidade do montanhismo nacional), e pode interferir na administração esportiva de esportes, na prática do montanhismo tradicional e reservar um grande mercado de certificação de instrutores e guias para associações de turismo.

A Lei Estadual do Paraná nº 17.052/2012, era o antigo PL 120/11, proposto pelo Deputado Osmar Bertoldi (DEM) e já está em vigor. Ela consegue ser ainda mais confusa e polêmica que o antigo projeto do Senado, promove uma grande confusão entre a prática comercial de atividades esportivas (turismo de aventura), a prática formal de atividades esportivas (via clubes e outras intituições de montanhismo) e a prática informal e voluntária (prática individual recreativa e contemplativa).

Isso ocorre porque, já no primeiro artigo da Lei, fica claro que ela é válida para “A promoção do esporte de aventura no Estado do Paraná, como atividade comercial ou atividade coletiva de recreação e lazer, de caráter público ou privado”.  A abrangência é bem generalizada e não afeta somente agências de turismo ou clubes e federações de montanhismo, mas todas as pessoas que pratiquem o montanhismo de forma coletiva, ou seja, pequenos ou grandes grupos, mesmo que informais, mesmo que desassociados de clubes ou federações. Isso ocorre porque a lei é extremamente subjetiva e abstratada, e não há uma caracterização do que é a atividade coletiva de recreação e lazer.

Desta forma, tal lei se aplica diretamente os esportes como a escalada, que via de regra deve ser realizada por no mínimo uma dupla, ou seja, uma coletividade, e, conseqüentemente, a inobservância dos mencionados dispositivos legais transforma a prática voluntária numa contravenção. Sendo assim, hoje, não há um montanhista ou escalador paranaense que atenda aos requisitos legais.


É exatamente este o ponto mais complicado da lei: Para a promoção dos esportes de aventura são necessários:

1) autorização do Corpo de Bombeiros Militar para a realização da atividade;
2)  autorização do órgão competente para a utilização de locais públicos ou privados para a realização da atividade;
3) responsabilização técnica do profissional habilitado pela atividade;
4) utilização de equipamentos e técnicas adequadas à atividade;
5) acompanhamento das atividades por monitores habilitados;
6) prestação de primeiros socorros no local onde se realize a atividade, se necessário;
7) condições de resgate da vítima, em caso de acidente.

Muitos dos itens acima são reduntantes e outros impossíveis de serem cumpridos, como por exemplo o item 1, que mesmo sendo uma exigência anual, de acordo com o artigo 7º, não significa a garantia de segurança na prática esportiva, pois os Bombeiros não são técnicos de montanhismo e muito menos certificadores de equipamentos de escalada.

Para piorar, o artigo 6º torna obrigatório o cumprimento das normas ABNT de turismo de aventura para a prática esportiva, o que condiciona os itens 3 e 5 acima, tornando obrigatória a certificação de clubes e grupos de montanhismo perante esta norma (ABNT), que deveria ser voluntária e também aplicada exclusivamente ao turismo, em atividades esportivas.  Ocorre que, clubes e federações de montanhismo possuem seu sistema próprio de certificação de guias voluntários, muito mais adequada para o montanhismo do que as normas do Turismo, onde a instituição certificadora é a ABETA, Associação Brasileira das empresas de Turismo de Aventura e Ecoturismo. Com isso, o receio da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME) de que uma associação de empresários do turismo passe a ter mais poder sobre a organização esportiva do montanhismo passa a se tornar real.

Os efeitos desta lei, que já está em vigor, são muito negativos, pois acabam por dificultar e até mesmo impossibilitar a prática do montanhismo tradicional como é praticado hoje em todo o Brasil, bem como pode transformar as associações esportivas em entidades figurativas dentro da regulamentação administrativa do esporte, possibilitando que o turismo dite regras para a prática informal de montanhismo.

Enfim, esta lei acaba por aumentar demasiadamente a burocracia, sem necessariamente aumentar a segurança, enfraquecendo o esporte e fortalecendo tão somente ao turismo; bem como negligencia o direito ao risco e ao inexplorado, o direito à aventura, o direito ao montanhismo tradicional, tudo em busca de uma segurança jurídica, uma segurança fictícia, que não existe na prática, resultado de uma mentalidade neurótica que assola o direito, uma mentalidade controladora, com intuitos cada vez mais políticos e financeiros do que de humanistas.

A FEPAM (Federação Paranaense de montanhismo) não foi consultada durante o processo de elaboração da lei e está tomando providências para que as demandas dos montanhistas sejam atendidas.
 
Leia a lei na íntegra abaixo:

LEI No 17.052, DE 23 DE JANEIRO DE 2012
            
Data 23 de janeiro de 2012
Dispõe sobre a prática de esporte de aventura no Estado do Paraná.
            A Assembléia Legislativa do Estado do Paraná decretou e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1o A promoção do esporte de aventura no Estado do Paraná, como atividade comercial ou atividade coletiva de recreação e lazer, de caráter público ou privado, observará o disposto nesta Lei.
             Parágrafo único. Para os fins desta Lei, consideram-se esporte de aventura as modalidades esportivas de recreação que ofereçam riscos controlados à integridade física de seus praticantes e exijam o uso de técnicas e equipamentos especiais.
Art. 2o A prática dos esportes de aventura pautar-se-á pela preservação da inte¬gridade física de seus praticantes, observado ainda o controle dos impactos da atividade sobre o meio ambiente e as comunidades envolvidas.
Art. 3o São requisitos para a promoção do esporte de aventura, nos termos da legislação em vigor:
             I – autorização do Corpo de Bombeiros Militar para a realização da atividade;
             II – autorização do órgão competente para a utilização de locais públicos ou priva¬dos para a realização da atividade;
             III – responsabilização técnica do profissional habilitado pela atividade;
             IV – utilização de equipamentos e técnicas adequadas à atividade;
             V – acompanhamento das atividades por monitores habilitados;
             VI – prestação de primeiros socorros no local onde se realize a atividade, se necessário;
             VII – condições de resgate da vítima, em caso de acidente.
             Parágrafo único. Os equipamentos utilizados na prática de esportes de aventura devem apresentar certificado de qualidade expedido pelo órgão responsável em nível estadual ou federal.
Art. 4o Fica o promotor de esportes de aventura obrigado a:
             I – colher assinatura dos praticantes em termo de responsabilidade, no qual constem as obrigações da operadora, as características da atividade contratada e os riscos a ela inerentes;
             II – divulgar publicamente, nos locais onde atue, as informações necessárias ao seguro desenvolvimento de suas atividades.
Art. 5o As agências de turismo que operam com esporte de aventura deverão obter licenciamento específico para o exercício da atividade, nos termos desta Lei e de seu regulamento.
Art. 6o Na prática de esporte de aventura deverão ser observadas, além do disposto na legislação pertinente e em seu regulamento, as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
Art. 7o As concessões para o funcionamento das atividades esportivas de que trata esta Lei serão anuais, sendo exigidas, para sua renovação, vistoria do material utilizado e atualização de cadastro dos profissionais envolvidas na atividade.
Art. 8o O descumprimento do disposto nesta Lei sujeita o infrator às seguintes sanções, nos termos do regulamento:
             I – multa;
             II – suspensão temporária da atividade;
             III – interdição total ou parcial do estabelecimento ou da atividade;
             IV – cassação da licença do estabelecimento ou da atividade.
Art. 9o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio do Governo em Curitiba, em 23 de janeiro de 2012.
Carlos Alberto Richa
Governador do Estado
Evandro Rogério Roman
Secretário Especial de Esportes
Durval Amaral
Chefe da Casa Civil
Osmar Bertoldi
Deputado Estadual
(DOE – PR de 23.01.2012)
Este texto não substitui o publicado no DOE – PR  de 23.01.2012.
Fonte:

PARANÁ. Lei 17.052/2012. Diário Oficial Executivo – Poder Executivo Estadual –  Edição Digital nº 8636/109 páginas. Curitiba, Segunda-feira, 23 de Janeiro de 2012.
 
Compartilhar

Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

Deixe seu comentário