Se você olhar um mapa do Brasil, notará que praticamente todas as serras até agora descritas nesta série de colunas apontavam para o norte, da Serra Geral ao Espinhaço e ao Roncador. Mas agora você conhecerá uma formação que ruma para o oeste. Estaremos a partir de agora seguindo para as fronteiras interiores do Brasil.
A Serra do Cachimbo estende-se num sentindo SE-NW por 550 km, desde o Mato Grosso até o Pará. Ela corre entre os vales do Xingu a sul e do Tapajós a norte. No MT, ela converge para a Serra Formosa, que é sua ligação com o Centro-Oeste. No PA, apenas encontra terrenos pouco acidentados na outra margem do Tapajós, já na planície amazônica. O Cachimbo está situado entre o planalto brasileiro e a depressão amazônica.
Próximo a estes duas extremidades, parece se diluir em trechos um tanto dispersos e baixos, com altitudes médias de 350m. Entretanto, na sua porção central, apresenta um maciço mais contínuo e elevado, com uma altitude interessante, acima de 500m na média. Neste trecho, a serra corre paralela ao Rio São Manuel, um dos formadores do Tapajós (o outro sendo o Juruena), dele distando cerca de 120 km. Acredito que seu ponto culminante esteja a 740m.
São colinas com topos planos ou pontudos, algumas vezes com o formato de cuestas, ou seja, com uma frente abrupta e um reverso inclinado. A Serra do Cachimbo carece de grandes escarpas, normalmente não passando de 200m de desnível. É apenas no seu trecho central que elas podem atingir 300m. Mesmo assim, a verticalidade das escarpas é mascarada pela vegetação que as reveste. Não é um visual interessante, com pouca variação de relevo e de paisagem.
Isto é típico do arenito, que é a rocha sobre a qual o Cachimbo está assentado. As formações do embasamento são muito antigas, da idade do Proterozoico, de 2 bilhões de anos atrás. Porém os sedimentos areníticos que o recobrem são bem recentes, chegando a datar de 10 mil anos apenas.
Seu solo arenoso não apresenta potencial mineral ou agrícola. Por esta razão, é uma região despovoada – e também remota, o que contribuiu para que sua natureza permanecesse grandemente intacta. A vegetação mostra uma transição entre o Cerrado e a Amazônia, com predominância desta – você verá desde os cerrados não cultivados até campos agrícolas de soja e algodão, desde a impressionante massa vegetal da floresta amazônica até as extensões planas das pastagens para o gado.
A vegetação nativa é bastante variada, desde as florestas montanas, densas ou abertas, até as manchas de cerrado e as campinaranas. Ocorrem ainda campos rupestres nas áreas mais elevadas, buritizais nas terras rebaixadas e matas aluvionares ao longo dos rios. Nas florestas são encontradas as gigantescas castanheiras e samaúmas, nos cerrados os jatobás e nas campinas as palmeiras caranaí e os buritizais.
As campinaranas são formações típicas da Amazônia, encontradas em solos arenosos e úmidos, que podem se apresentar florestadas, arbóreas, lenhosas ou campestres, conforme a densidade vegetal – aliás, à semelhança dos cerrados.
O Cachimbo é ainda uma região de fauna exuberante, com espécies ameaçadas, raras ou endêmicas. Muitos sapos, lagartos e aves são endêmicos e até mesmo um mamífero é assim referido, o ágil macaco coatá. Indivíduos ameaçados como a águia cinzenta, a arara azul, o tamanduá bandeira, a jaguatirica e o gato maracajá habitam a região.
Na região do Cachimbo forma-se uma dezena de bacias fluviais, que fluem para o Xingu e o Tapajós. A passagem da serra para a planície acontece em patamares escalonados, onde às vezes são formadas cachoeiras, como o belo Salto Curuá. Um trecho particularmente interessante é o arco serrano logo antes da divisa do Pará.
Sua colonização é recente, datando do movimento de ocupação do Brasil promovido pelo Governo na década de 1970. Vamos entregar a terra sem homens da Amazônia aos homens sem terra do Nordeste, dizia o Presidente Médici. Este programa naturalmente povoou e desenvolveu a região, mas causou o que hoje se chama Arco de Desmatamento. Foram colonizados 500 mil km², o tamanho da Suécia ou da Espanha, desde o leste do PA até o interior do MT, RO e AC.
Para prevenir a grilagem e o desmatamento, existe no Cachimbo um grande mosaico de áreas protegidas com 6 milhões de ha. Nas suas proximidades foram criadas a FLONA do Jamanxim, a Rebio Nascentes do Cachimbo e o PE do Cristalino. São unidades recentes, do começo dos anos 2000. Naturalmente, existem reservas indígenas da etnia caiapó, como dos Mundukuru e Menkragnoti.
Mas a região também abriga o imenso Campo de Provas Brigadeiro Veloso, estabelecido já na década de 1950. Foi inicialmente criado com o objetivo de dar apoio ao tráfego aéreo no interior do Brasil, já que não existiam campos de pouso entre o Sudeste e a Amazônia.
O Campo de Provas é também usado para testar novos armamentos e treinar o pessoal da Aeronáutica. Para permitir o alcance necessário aos voos, tem o impressionante tamanho de 2 milhões de ha, abrigando 200 militares.
Esta região tão rústica não é naturalmente povoada, não havendo nenhuma cidade de porte no seu interior. Ao sul do Cachimbo, existe a agitação das cidades agrícolas de colonização gaúcha, das quais a maior é Sinop. Ao norte, a calma e o isolamento das vilas pastoris, ainda não alcançadas pela cultura dos grãos, que fatalmente irá transformar a região.