Nossas Serras (19/25): Os Parecis

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Até agora, as nossas serras não alcançaram as fronteiras do Brasil. Foram basicamente interioranas. À medida que esta série continuar avançando para o norte, começaremos a encontrar formações limítrofes. Esta é a primeira delas.

Novamente, a Chapada dos Parecis não será uma serra no sentido estrito, com duas vertentes opostas. Ela repetirá aquilo que você já encontrou no Espigão Mestre e nas Mangabeiras: uma área plana que se precipita de um só lado, numa única escarpa.

Localização da Chapada dos Parecis, RO e MT

Recoberta por arenito, como todas as formações do Centro-Oeste, ela começa de forma interessante, ao norte de Cuiabá, percorrendo então um rumo oeste no MT. Atravessa longamente um platô na altitude de talvez 700m. Dirige-se para o norte e, depois, noroeste, já em RO, com elevação média um tanto menor, de 450m.

Note que, à medida que avança para oeste, o relevo em geral perde altitude, chegando a meros 250m nas terras de Rondônia. Portanto, a altitude dos Parecis é modesta, se comparada aos chapadões de MG, GO ou MS, situados normalmente acima de 800m.

Chapada dos Parecis, MT

O trecho cuiabano exibe escarpas interessantes de até 350m de desnível; quando a Chapada vira para o norte, decrescem para 250m. Acredito que seu ponto culminante esteja a 800m. São pouco elevadas e recobertas de vegetação, com pouca rocha exposta – não são encostas bonitas.

A maior altitude regional ocorre no Pico do Tracoá na Serra dos Pacaás Novos, um topo aplainado algo acima de 1.100m – porém já muito afastado, bem ao norte da Chapada. Esta formação será assunto do próximo texto.

O embasamento dos Parecis é curiosamente basáltico, recoberto por sedimentações areníticas de origem fluvial em períodos mais recentes. Os geógrafos dizem ser uma enorme cuesta, com a frente mais abrupta voltada para o sul e o reverso em suave declive orientado para o norte.

Cidade de Pedra, Chapada dos Parecis, MT (Fonte: Divulgação)

A leste no MT, a Chapada converge para as Serras das Araras-Tombador e a oeste em RO, para a Serra dos Pacaás Novos – estas duas formações têm de fato a forma serrana, com perfis aliás um tanto agitados. Os Parecis têm a surpreendente extensão de 650 km. É uma região imensa, de uma planura infinita – às vezes verde da mata ou da soja, às vezes branca do algodão ou ocre do milho seco. A área talvez supere 120 mil km², maior do que a do Planalto da Borborema – ou cerca de 1/5 de toda a área agrícola brasileira.

Parede da Chapada dos Parecis, MT

No MT ela corre ao norte do Rio Paraguai (2.620 km), cujas nascentes abriga – é este rio que irá drenar mais ao sul todo o Pantanal. Em RO, a leste do Rio Guaporé (1.700 km), que também nasce nela e faz divisa com a Bolívia, da qual a Chapada chega a distar apenas 100 km. Assim, funciona como um divisor entre estes dois cursos enormes, pertencentes às Bacias do Prata e do Amazonas.

Planície Fluvial do Rio Guaporé, Divisa com Bolívia (Fonte: researchgate.net)

Note que correm em sentidos opostos, respectivamente para o sul e para o norte. No início da Chapada, as duas bacias chegam se separar por apenas 5 km. Existem muitas bacias menores, além dessas duas gigantes. São os casos do Juruena, do Cuiabá, do Aripuanã e do Ji-Paraná, rios caudalosos, porém de águas calmas. A região contém um dos maiores volumes de água doce do Brasil.

Pôr do Sol no Rio Paraguai, MS (Fonte: Marcelo Souza)

A cobertura vegetal corresponde ao cerrado, especialmente no MT. O cerrado inclui desde formações arborizadas a matas lenhosas e campos gramados, com aquele aspecto rústico e sofrido. Áreas baixas em RO são ocupadas pela vegetação amazônica, onde predomina a floresta aberta com palmeiras, com uma exuberância que contrasta com o cerrado.

Aliás, é interessante a transição entre esses dois biomas, com ilhas de um deles aparecendo de repente no interior do outro. Muitas vezes você encontrará solos mais pobres dentro das terras indígenas, como o cerrado ressecado da Terra dos Utiariti. Ou inversamente terras férteis e agricultáveis, como no chapadão de Sapezal.

A fauna é numerosa e variada, com algumas espécies desaparecidas, raras ou ameaçadas. Acolhe onças e felinos, porcos selvagens, antas, cervos, primatas e rodentes, além de grande abundância de aves, peixes e répteis. O clima é tropical úmido, com precipitações acima de 2.000 mm – é difícil ficar seco lá.

É impressionante a quantidade de terras indígenas, talvez mais de duas dezenas, para uma dúzia de etnias. As maiores TIs são de Aripuanã, dos Nhambiquaras, dos Enawê-Nawê e dos Paresi, com um tamanho entre 1½ e ½ milhões de ha. Mas são sempre habitadas por poucos indivíduos, algo (se tanto) como 350 ou 500 cada. É nestas terras que ocorrem muitas das cachoeiras da região.

Índio da Aldeia Wazare, Campo Novo do Parecis, MT (Fonte: adrenalinamt.com.br)

A Chapada começou a ser ocupada muito recentemente, com a expansão da fronteira agrícola a partir de 1960. Os dois principais vetores de penetração seguiram as Rodovias BR-364 (Cuiabá – Porto Velho) e BR-163 (Cuiabá – Santarém). As reservas naturais e indígenas foram criadas para proteger a natureza do assédio das culturas de soja, cana e arroz. Mas as extrações de castanha e de látex, de madeira e de lenha também continuam acontecendo.

O PN mais conhecido nas proximidades é o da Chapada dos Guimarães (33 mil ha) no MT a leste. Em RO a noroeste existe o PN dos Pacaás Novos (765 mil ha), que ainda é desconhecido. O PN da Serra da Cutia (833 mil ha) tem difícil acesso e nenhuma visitação. Três reservas biológicas foram concebidas para preservar ecossistemas de floresta fluvial no Rio Guaporé e floresta aberta no Rios Jaru e Pacaás Novos, ambas em RO. É um mundo de diversidade e riqueza que está sendo protegido.

Rio Papagaio, Chapada dos Parecis, Sapezal, MT

As duas capitais regionais são Cuiabá e Porto Velho, porém fora dos limites da Chapada. Ocorre, porém, um surpreendente número de cidades de porte médio, como Campo dos Parecis, Ji-Paraná, Cacoal e Vilhena, impulsionadas pelo agronegócio, todas elas de origem recente. O seu avanço irá mudar a região, com o corte da floresta, o aumento do plantio, o empobrecimento da fauna e a pressão sobre as terras indígenas.

Salto Utiariti, Chapada dos Parecis, MT

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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