Nossas Serras (22/25): As Chapadas Nordestinas

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O relevo do Nordeste é dominado no seu interior pala depressão sertaneja e, fora dele, por três grandes regiões aproximadamente planas. Eu as chamo aqui de chapadas, embora costumem ter às vezes nomes diferentes.

A maior destas regiões é a Serra ou Planalto da Borborema, com a impressionante extensão de 400 km N-S e mais de 250 km na direção E-W. Situada entre as zonas do agreste e do sertão, forma um platô de talvez 95 mil km² que impede que a umidade marinha alcance a depressão sertaneja, tornando-a mais seca. Corresponde ao setor oriental do Planalto Atlântico, estendendo-se desde Alagoas até o Rio Grande do Norte.

Localização Aproximada do Planalto da Borborema (Fonte: www.todamateria.com.br)

Era habitada pelos índios cariri, um conjunto de diferentes etnias do tronco gê, espalhadas por todo o Nordeste. Foram praticamente exterminados durante os 30 anos da Guerra dos Bárbaros, a partir dos fins do século XVII. Hoje alguns grupos indígenas contemporâneos se declaram descendentes dos cariris históricos.

Mas não passam de 10 mil indivíduos em todo o Nordeste e não encontrei nenhuma reserva deles na Borborema. Como região de antiga colonização, o planalto conta com algumas cidades de grande porte, como Campina Grande (PB), Caruaru (PE) e Arapiraca (AL).

Relevo Simplificado do Planalto da Borborema (Fonte: www.todamateria.com.br)

Sua formação é cristalina, resultante dos abalos que se seguiram à cisão do Continente Gondwana entre América e África e ao posterior soerguimento de rochas magmáticas, atuando sobre um antiquíssimo assoalho pré-cambriano. O bordo leste é mais baixo e escarpado e as maiores altitudes costumam aparecer no centro do planalto. Entretanto, suas montanhas mais elevadas sequer ultrapassam 1.300m – os Picos do Jabre (PB), do Papagaio e da Boa Vista (PE).

Suas formações serranas costumam se distribuir no sentido E-W, avançando para o interior. São recobertas por uma vegetação variada, oscilando desde a caatinga, característica do clima semiárido, até a mata atlântica, derivada da proximidade da zona da mata nordestina. Sua fauna já não possui os grandes mamíferos, sendo entretanto muito rica em aves.

Pico do Papagaio, Ponto Culminante de Pernambuco, Triunfo, PE (Fonte: tripadvisor)

O maior rio da região é o Paraíba (380 km), que forma uma bacia independente rumo ao oceano. A grande maioria dos cursos da Borborema, como o Ipojuca, o Capibaribe e o Piranhas, também corre para o mar. A única exceção de porte é o Ipanema, afluente do São Francisco. É curioso notar que muitos são rios temporários: durante o mês em que viajei pelo Nordeste, só encontrei meia dúzia de cursos permanentes.

A única reserva natural de expressão é o PN de Catimbau, uma espécie de Parque da Capivara pernambucano, com panoramas espetaculares em arenito e preciosas pinturas rupestres nos seus 62 mil ha. É uma reserva entregue à própria sorte, ignorada pelo ICMBio. As demais são minúsculas: o Monumento Natural da Pedra do Ingá e os Parques Estaduais do Pico do Jabre e da Pedra da Boca, todos eles na Paraíba.

As Impressionantes Gravuras da Pedra do Ingá, PB (Fonte: Divulgação)

O Rio Jaguaribe separa a Borborema da Chapada do Apodi, uma região predominantemente plana entre o Rio Grande do Norte e o Ceará, com leve declive rumo ao mar, que está ao norte. Recoberta por calcário oriundo de deposição fluvial e marinha, é muito baixa, com altitudes da ordem de 100 a 150m – sua região mais elevada fica na Serra de Mossoró, porém abaixo de 300m.

Vegetação do Planalto da Borborema em Itaporanga, PB (Fonte: ecofriendlycotton.com)

O Apodi não forma uma encosta longa, provavelmente pouco excedendo os 100 km, para uma área da ordem de 5 mil km². Como é comum neste tipo de relevo, apresenta-se como uma cuesta, com a frente voltada para o Rio Grande do Norte e o reverso, para o Ceará. Os dois Estados repartem quase igualmente o seu território.

Parede Rochosa da Chapada do Apodi, Limoeiro do Norte, CE (Fonte: geoview.info)

O principal rio é o Jaguaribe, formador dos Açudes de Orós e Castanhão, que atravessa por 630 km o Ceará rumo ao mar. Seu equivalente no Rio Grande do Norte é o Apodi-Mossoró, com 210 km, que também deságua no mar, em meio a grandes salinas. Ambos só são perenes no baixo curso e apresentam trechos poluídos.

É interessante observar que nas chapadas o regime de chuvas coincide com o do Sudeste, com um verão úmido e um inverno seco, embora não chova por mais de 4 a 5 meses. Já no sertão nordestino ocorre o inverso, com precipitações em julho e agosto, e seca de setembro a fevereiro.

O relevo e o solo favoráveis permitiram a ocupação e a mecanização do Apodi, quando pouco restou da caatinga original – pela derrubada da mata e pelo plantio do algodão. Desde há quase 30 anos, existe um grande projeto de irrigação às margens do Jaguaribe, que fomentou a produção de frutas e legumes. Existem denúncias de que os incentivos às empresas produtoras levaram à expropriação dos agricultores familiares e à concentração das propriedades.

Ao ser recoberto por calcário, o Apodi apresenta cavernas, sumidouros e dolinas, formações típicas desta rocha. O único Parque Nacional na região é o da Furna Feia, que contém a caverna calcária de mesmo nome. Não é uma formação extensa, contando com apenas 760m lineares. Sua área de 8 mil ha ainda não está aberta à visitação.

Caverna da Furna Feia, PN Furna Feia, RN (Fonte: ICMBio)

O Apodi é uma região bastante habitada, embora com cidades de pequeno porte. O maior centro é Mossoró, uma cidade próspera que se tornou a segunda maior do Rio Grande do Norte.

O Rio Piranhas é um divisor natural entre o Planalto da Borborema e a Chapada do Araripe. Situada entre Ceará, Pernambuco e Piauí, ela se encontra mais a oeste, sua frente se estendendo por cerca de 170 km. Metade de sua área de 10 mil km² fica no Ceará. É ela que faz a ligação com Ibiapaba, a maior serra nordestina, assunto da próxima coluna.

Vista da Parede da Chapada do Araripe, CE (Fonte: Divulgação)

O platô de Araripe está a quase 1.000m de altitude vs. 400m nos vales frontais. Isso significa que sua parede apresenta um considerável desnível. A frente da chapada é voltada para o Ceará e o reverso, para os interiores de Pernambuco e do Piauí. Seu solo é formado por arenito de baixa fertilidade, da época em que o sertão já foi mar. Uma vez mais, são terrenos antigos, afetados pela ruptura do Continente Gondwana.

Desses terrenos, há dois tipos. Os sedimentares, solos pobres que acolheram lavouras esparsas de mandioca, retiradas de frutas e minerações de calcário. E os chamados latossolos ou solos minerais – no passado foram salgados e livres de oxigênio, permitindo armazenar fósseis de dinossauros.

Representação do Santana Raptor do Araripe (Fonte: Divulgação)

O exemplo mais conhecido é o tiranossauro Santana Raptor, um dos cinco espécimes encontrados na região. A fauna de hoje não é mais tão surpreendente, limitando-se a aves, ofídios e pequenos mamíferos. Entre as primeiras, o belo e raro Soldadinho do Araripe.

O Soldadinho do Araripe, Ave Endêmica da Região (Fonte: allaboutbirds.org)

A vegetação do Araripe é interessante, devido à presença de rochas armazenadoras de água. Como se fosse um oásis no sertão. Foi esta umidade que atraiu os índios cariris e depois os sertanistas, que lá criaram a chamada civilização do couro, com rebanhos e vilas. Eles se depararam com densos cerrados, trechos de mata atlântica e manchas de caatinga.

A grande quantidade de nascentes não gera cachoeiras, por ser predominantemente freática, a partir dos muitos aquíferos existentes. Os rios de Pernambuco correm para o sul, rumo ao São Francisco. Os do Piauí para a bacia do Parnaíba a oeste. E os do Ceará, para os vales do Jaguaribe e do Piranhas, que buscam o oceano no seu curso norte.

A Vegetação Exuberante da FLONA do Araripe, Crato, CE (Fonte: geoparkararipe.blogspot.com)

Foi criado no Ceará de forma pioneira o GeoPark Araripe, que procura conservar e divulgar locais de especial interesse ecológico, cultural, científico ou religioso. São quase 60 pontos, dos quais cerca de 10 visitáveis. Fora dele existe em Souza (PB) a UC do Vale dos Dinossauros, com incríveis pegadas preservadas destes estranhos animais. A parte visitável é pequena – mas ela integra a enorme área de 173 mil ha, com vestígios de mais de 50 espécies, em dezenas de diferentes localidades.

O Geopark da Chapada de Araripe

A grande reserva natural é a FLONA do Araripe com 40 mil ha, a primeira Floresta Nacional a ser criada no Brasil em 1946. Ela não é realmente interessante, na sua extensão plana e igual, com cobertura misturada entre cerrado e mata atlântica. Esta reserva observa do alto as vilas de Juazeiro do Norte e Crato, berço do Padre Cícero – seu culto atrai todo ano 2 a 3 milhões de romeiros. É a figura sacra que se contrapõe à de Lampião, o bandido romântico do qual foi contemporâneo e protetor.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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