Se você nasceu em Minas, provavelmente começou a caminhar ou escalar no Espinhaço. Se nasceu em São Paulo, então foi na Mantiqueira. Mas, se você vive no Paraná ou no Rio, a sua iniciação certamente aconteceu na Serra do Mar. Veja se você se reconhece neste artigo.
A Serra do Mar primitiva localizava-se no interior do Continente Gondwana, que existiu 200 milhões de anos atrás. O Supercontinente Pangeia, que continha toda a terra do mundo, dividiu-se em dois imensos territórios, Laurásia e Gondwana. Dentro deste último, a Serra do Mar foi soerguida e depois erodida, transformando-se num gigantesco planalto desértico. Mas o choque entre instáveis placas tectônicas há 130 milhões de anos fragmentou o Gondwana, causando a separação entre a América e a África.
Na América do Sul assim criada, houve o afundamento da bacia do Paraná, que gerou o soerguimento de suas bordas 80 milhões de anos atrás. Isto expôs a leste os antiquíssimos granitos que hoje constituem a Serra do Mar, datados de mais de 600 milhões de anos. Assim, a sua formação resultou tanto de eventos tectônicos como da erosão e da deposição de sedimentos. Ela está associada seja a granitos e gnaisses ou a calcários e diabásios.
Ao longo dos 1.400 km litorâneos que se estendem desde Santa Catarina até o Rio de Janeiro, a Serra do Mar assume diversos nomes: Serra de Itajaí ou do Tabuleiro em SC, do Marumbi, de Ibitiraquire, da Graciosa e da Prata no PR, da Jureia e de Paranapiacaba em SP, da Bocaina, das Araras e dos Órgãos no RJ. As mais notáveis são a meu ver as duas primeiras do PR e a última do RJ.
Assim como a Mantiqueira, a Serra do Mar foi importante para nossa história. A sua muralha litorânea teve de ser ultrapassada durante o período colonial, para permitir a penetração dos planaltos interiores. Porém ela foi apenas local de passagem, só o litoral e o planalto, antes e depois dela, tendo sido ocupados. Isto foi especialmente válido quando ela se aproximou da costa, como no sul do PR e do RJ. Nos locais em que seu recuo permitiu as planícies costeiras, como na Baixada Santista, houve ocupação antiga.
As montanhas da Serra do Mar costumam apresentar um perfil pontudo ou abaulado, apenas emergindo por cima do verde que recobre suas encostas. Porém por exemplo no Maciço do Marumbi, na Serra dos Órgãos ou no Parque dos Três Picos ocorrem grandes paredes expostas que fazem a delícia dos escaladores.
Procurei mostrar no quadro anexo as principais montanhas – aviso que, apesar de longa, a lista é certamente incompleta e imprecisa. Você notará que a Serra do Mar não é uma formação elevada, dificilmente ultrapassando a altitude de 2.000m. Suas paredes são de bons granitos e gnaisses para escaladas.
Em alguns locais, ela é apenas uma escarpa costeira, sem grande desnível interior, como em Ubatuba; em outros, apresenta elevações dos dois lados, como em Teresópolis. O ponto culminante pertence à Serra dos Órgãos, com os Picos Maior e Médio de Friburgo (a aprox. 2.300m). Esta região é às vezes chamada de Patagônia brasileira pelas estupendas paredes de escalada.
Acredito que as outras formações notáveis seriam a Pedra do Sino que coroa o magnífico PN da Serra dos Órgãos carioca, o Pico do Corcovado no imenso e abrupto PE da Serra do Mar paulista e o Picos Paraná e Monte Olimpo, na difícil Serra de Ibitiraquire e no deslumbrante Maciço Marumbi paranaenses.
A topografia e a vegetação não tornaram a Serra do Mar propícia para travessias. As exceções são os 30 km da maravilhosa Petrópolis-Teresópolis, pelos altos dos Órgãos, e os 50 km serra abaixo na Trilha do Ouro da Bocaina. Montanhistas resistentes gostam de atravessar trechos da Serra de Ibitiraquire, como Ciririca-Itapiroca ou Ferraria-Caratuva; o próprio Pico Paraná exige dois dias para seus quase 20 km ida e volta.
Não conheço nenhuma formação serrana com vegetação tão exuberante quanto a da Serra do Mar. Suas densas florestas apresentam enormes árvores com copas amplas, abundância de cipós e trepadeiras junto com vistosos xaxins e bromélias – típicos das vegetações tropicais e costeiras, úmidas e íngremes. Estes espaços acolhem uma grande variedade de aves e uma rica população de mamíferos.
Mas há dois aspectos em que a Serra do Mar mostra-se mais pobre que a Mantiqueira. Nesta, os rios de planalto são cursos grandes. Naquela, são sempre pequenas formações que logo encontram o mar. Só conheço uma exceção: o longo e belo Ribeira do Iguape. Também as vilas associadas à Serra do Mar dificilmente são pitorescas, com a ressalva de Paraty.
O relevo da Serra do Mar contribuiu para que muitas de suas regiões fossem pouco habitadas e desenvolvidas. Ao longo do tempo, foram sendo criadas extensas áreas de preservação, aproveitando os mais de 15 Parques criados, nacionais e estaduais. A eles foram integradas cerca de 10 reservas. Alguns exemplos são o PN da Serra da Bocaina, o PE da Serra do Mar, o Mosaico do Jacupiranga e a EE da Jureia.
Desta forma, algo como 600 km de nosso litoral, de Mangaratiba (RJ) à Ilha do Mel (PR), respondem por áreas de conservação permanente. Se não houve dupla contagem, elas atingem 2 milhões de ha, uma extensão amazônica (ver quadro no mapa anexo). Este esforço de conservação nem sempre é conhecido e valorizado, mesmo pelas populações do litoral que dele se beneficiam.
2 Comentários
Prezados:
Gostaria de esclarecer que, geologicamente e geomorfologicamente, a matéria supracitada carece de fundamentação teórica.
Em tempo: comprometimento com a ciência, minimamente, para o leitor, penso que fará a diferença.
Obrigado pela atenção dispensada.
Seja o que for a gente vai sabendo um pouco mais dessas serras e vai aprendendo e se apaixonando. Estou aqui perto da vertente nordeste da Serra de Paranapiacaba e já tão fascinante quanto aquela que vai para baixada litorânea de São Paulo.