Novas vias no Paredão dos Enamorados, Itatiaia

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Assim que voltamos do Paredão dos Enamorados, com a via “No Amarillys” aberta, descansei uma semana voltei para o Enamorados para repeti-la. Não tinha ficado satisfeito com a primeira surra que tomei da via .

Durante a repetição namoro mais uma vez as linhas da parede ainda por serem abertas, uma do lado esquerdo e a outra do lado direito da via "No Amarillys".

Voltei para casa e Karina e Eu conversamos sobre as linhas, a Ka, que por sua vez já tinha a sua linha escolhida, sugere:"e se cada um abrisse sua via sozinho?!… já que cada um de nós tinha preferência por uma linha". Bem a possibilidade de voltar ficou martelando na nossa cabeça por alguns dias.
 
Era impossível levar uma vida normal sabendo que aquelas vias estavam lá sozinhas, esperando por alguém que lhes desse atenção. Não tinha como, uma sequência de boas coincidências nos ajudou a parar tudo e voltamos ao Enamorados, sabíamos que se não voltássemos agora antes da época das chuvas, a janela de tempo se fecharia e seria muito mais difícil conseguir uma sequência de dias bons (sem chuva) e possivelmente não teríamos mais possibilidade de voltar este ano.
 
Novamente, …kilos de equipamentos, comidas pra uma semana e tralhas variadas, firmaram a camionete no chão. Nós de novo na estrada,"on the road", rumo ao Itatiaia. Caminha e carrega, carrega e caminha…
 
Após três dias de nossa saída, estava tudo na base da parede novamente. Lá estávamos novamente, enfiados no fundo do grotão, num espaço reduzido e com ameaça de chuvas. Belo tempero para acelerar as coisas. Se chovesse aquele grotão se transformaria numa cachoeira , e nós usávamos o leito seco do rio, junto das aranhas, como acampamento. Separamos o equipamento e cada um montou sua base e na manhã seguinte começamos "o toca toca" pra cima. Cada um trabalhou o dia todo sozinho em suas respectivas vias e no final do dia, voltamos para base, para preparar o dia seguinte, comer e dormir.
 
Saímos cedo, a Karina levou suas coisas para cima; daí para frente ela dormiria no porta ledge e eu desceria para dormir na base mais 2 noites. Em três dias e duas noites na parede, Karina mandou a via "Trágico e Sublime" , grau sugerido D4 7A A2 E4, 180m , e Eu a "Só Para Loucos".
Chego no cume algumas horas na frente da Karina, recolho parte do meu equipamento e espero a Ka chegar no final da sua via. No cume fizemos uma puta festa, com cerveja belga, comidas importadas ( Mountain House), luz estrobo( pisca das lanternas), confetes, serpentinas, apitos e vários fantasmas e entidades como convidados… bom, tem coisas que eu não lembro direito; mas foi um festão.
 
Eu estava podre, e resolvi dormir no cume, para no dia seguinte rebocar a carga e tirar as cordas e a Karina faz um transporte naquela noite e voltaria no outro dia para me ajudar com a minha carga. Cara! Essa moça de idade avançada tem uma disposição e força, que sinceramente, sinto vergonha alheia.
 
As duas vias foram abertas no "martelaço", distribuindo marteladas pra todo lado. Também, grandes bostas, as vias tem uma "nadica" de nada de proteções fixas. A via "Só Para Loucos", não tem nenhuma proteção fixa, a não ser nas paradas e a "Trágico e Sublime" só tem … 6 proteções fixas, sendo 3 delas nas paradas.
 
Mais uma pra coleção. Uma via que por várias vezes encostei meu rosto na rocha fechei os olhos e pensei comigo: putz…vou voar!
 
Clifs estalando, rocha podre, agarras quebrando, pedras soltas, terra nas agarras e em algumas situações não encontrava lugar para proteger e pra colocar muitas das proteções tive que tirar a terra antes de colocá-las. Se fosse uma escalada alpina as fissuras estariam cheias de gelo, mas aqui na terra do samba e do mensalão, é terra mesmo.
 
A via, nao pude graduá-la com precisão ( sempre tenho dificuldade em graduar) mas posso dar uma referência que pode ajudar quem quiser repeti-la: uma via difícil e arriscada, com muita pedra solta ainda por cair. Toda com proteções móveis e com +- 35m de artificial que cruza um trecho em pedra podre. Acho que assim da pra entender, "mais ou menos": "Só Para Loucos", grau sugerido D5+-E3+-; 7bc+- A3+-200mts +-"
 
Estava bom…, este ano foi divertido, muitas escaladas e principalmente abertura de vias novas e este ultimo mês foi especial pois realizei um sonho de quase 40 anos que era escalar o Paredão dos Enamorados. Um mês de adrenalina e estrada; em 30 dias abrimos 3 vias de parede e repetimos uma, no Enamorados.
 
Pra variar, passamos o ano escalando e abrindo vias, sem molestar ninguém, sem profanar, com a nossa grana, no quintal de casa, sem alardes revolucionários, (mesmo porque não encontramos inimigo nenhum, somente amigos querendo ajudar) e com nossos martelos. Fizemos nosso trabalho imitando uma caravana cruzando o deserto, …sabe como…igual nos filmes: pra trás, rastro e poeira e pela frente, o desconhecido te mostrando os bolsos cheios de aventura e muita areia virgem pela frente (sem rastros, lógico).
 
Até agora tá tudo certo… queria deixar essa parte pronta antes de dezembro chegar. O fim do mundo tá aí e eu já escolhi meu barranco… vou levar uma mochilinha pequena, só com uns "enjoy" dentro, óculos escuros e uma almofada. Tô di bôa!. Mas caso o mundo não acabe, vou continuar a dar chance às montanhas e a aventura, também vou continuar a destrinchar a palavra "fragilidade" e vou continuar usando a regra número 1 da malandragem: "não encher o saco de quem ta quieto".
 
Pois é,… não é fácil ser feliz. 
 
John Lennon dizia que a felicidade é uma arma quente, …outra diz que a felicidade esta nas coisas simples, uma outra, diz que o caminho para a felicidade é um circulo, tem uma que diz que ela anda ao seu lado e você não vê… Hêhê …deve ser.
 
Boas escaladas,
 
Bito Meyer
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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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