O Alto do Tuaçu

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Ele espicha suas altas encostas forradas de pasto, reflorestamento e mata ciliar ao largo da margem esquerda da Represa de Pirapora (SP) e os quase mil metros do seu ponto culminante tem formidável panorâmica de toda região. É o Alto do Tuaçu, simpático serrote próximo à Pirapora de Bom Jesus que não deve nada a seus vizinhos mais ilustres, como o notório Capuava ou o mais ilustre Voturuna. Situado em propriedade particular, porém de facílimo acesso, este é o relato detalhado desta prosaica incursão de pouco mais de meio período que, mesmo não possuindo as alturas ou desafios da Mantiqueira ou Serra do Mar, é pedida certa pruma chinelada sussa e altos visus nos arredores da famosa cidade peregrinatória.

Sim, você já deve estar se perguntando o motivo deste que vos escreve ultimamente bater cartão em Pirapora do Bom Jesus. A resposta ta na ponta da língua: porque o transporte passa do lado de casa e não demanda o tempo das longas (e desgastantes) baldeações que tenho, por exemplo, qdo vou pra Mogi ou Paranapiacaba. Coisas de quem percebe que esta ficando velho e rabugento mesmo, uma vez que já não tenho mais paciência pra muita coisa que antes tirava de letra. Simples assim.
Sendo assim, tomei o busão intermunicipal que sai bem cedo do Metrô Butantã e passa perto de casa cerca de 20 minutos depois. A viagem transcorreu sem grandes intercedências, sendo que no decorrer da mesma só deu pra matar o tempo apreciando a paisagem emoldurada pela janela que mutava da acizentada Baureri pra e rural verdejante Santana do Parnaíba (“Berço dos Bandeirantes”, como diz o portal de entrada), e depois findar logo depois na pacata e bucólica Pirapora do Bom Jesus, esta por sua vez gde ponto de peregrinação de São Paulo.
Desembarquei no centrão de Pirapora do Bom Jesus por volta das 10hrs da manhã, e me surpreendi pelo espesso nevoeiro que tomava conta da cidade. Brumas estas que se dissiparam conforme o Astro-Rei elevava-se revelando um firmamento límpido e isento de toda ou qualquer nebulosidade. Antes de nada passei numa padoca afim de abastecer minha mochila com alguma coisa pra comer. Ao invés de mandar ver o tradicional salgado percebi que era mais vantajoso (pro bolso, principalmente) comprar pão francês e alguns frios, e assim preparar meu lanche na hora.
Pois bem, dali cruzei a ponte João Minoto sobre um espumante Rio Tietê e toquei calmamente por toda extensão da Av. Jundiai, agora na outra margem do famoso rio, como se acompanhasse seu curso rio acima. Conforme avanço cruzo uma simpática pracinha, um posto policial e um ginásio esportivo, e logo as últimas residências do bairro piraporense de Vila Nova ficam pra trás. Logo então  me vejo palmilhando um estradão municipal de chão batido que basicamente continua acompanhando o curso d’água, que marulha calmo e sereno. Visivelmente reparo que a estrada vai de encontro a junção de um enorme morro pelado com a Serra do Capuava  – visão esta que se assemelha a um cânion sem arestas tão abruptas – onde decerto há uma barragem que que intercepta o Tietê.
Ignorando a bifurcação a esquerda que leva a Faz. do Salto, a estrada principal empina um pouco, ignorando outra ramificação á direita que leva á Barragem de Pirapora, devidamente sinalizada (e agora fechada), cujo rugido já era audível a um tempo. A subida se dá a passo lento nesta via de chão  – que atende pelo nome de Estrada Municipal Francisco Missé –  começa então uma ascensão considerável que contorna o “Morro da Barragem” pela esquerda e, uma vez no alto do selado de ligação com as colinas sgtes, revela tanto bela vista da continuidade do espelho d’água do Reservatório de Pirapora, a nordeste, como da escarpada Serra do Japi, ao norte.
Dali parte uma picada á minhas costas que leva ao alto do Morro da Barragem e de onde se tem bela vista da cidade e da represa. Mas ignoro esta vereda e prossigo pela via principal, mas não por muito tempo. Do selado, não dá sequer 30 ou 40 metros pelo estradão que me deparo com uma decrépita e discreta porteira trancada, parcialmente tomada pelo mato. Pois é dali que nasce a vereda que palmilha o serrote almejado praquele dia. Apesar da placa enferrujada e quase oculta pela vegetação, consigo ler “Cia Brasileira de Reciclagem – Propriedade Particular – Proibida Entrada”. É ali mesmo por onde vou me pirulitar..
A porteira de madeira é fácil de transpôr, seja pelo lado (cuidado com arame farpado!) ou se esgueirando pelo meio de suas tábuas decrépitas e cobertas de musgo. Uma vez lá dentro não tem erro, pois basta se manter na vereda que sobe forte no comecinho, alternando seu chão de leves afloramentos rochosos, terra e principalmente capim alto. Logicamente que meu caminho já foi outrora uma precária estrada de reflorestamento, atualmente desativada mas utilizada principalmente por cavalinhos. Sua presença é notada discretamente pelas encostas, pastando, seja sob a forma de seus dejetos, presentes na vereda vez ou outra. Logo, já percebi que dali não sairia sem carrapatos..bem, faz parte!
Pois bem, a ascensão começa íngreme e forte mas um tempo depois suaviza, embora a trilha ainda esteja bem tomada por capim alto e os onipresentes cupinzeiros. No entanto, o mato abaixado pelo transito dos equinos facilita ao menos o sentido a seguir nos setores onde a encosta se alarga. Um tempo depois voçorocas de samambaias passam a ornar ambas margens de nosso caminho, que toca sem percalços sempre pra nordeste, agora subindo suavemente. Uma vez no comecinho da crista, o terreno torna-se cada vez mais limpo e fácil de andar, mas levemente ondulado. Noutras, vamos palmilhando suaves sobes e desces, ainda ganhando altitude de forma quase imperceptível.
Após menos de meia hora nesse ritmo o alto da crista é tomado por um precário bosque de reflorestamento de eucaliptos, impedindo todo e qualquer visu em qualquer direção. Surgem bifurcações mas me mantenho sempre no caminho mais batido e que vá na direção desejada, isto é, nordeste. Mas a rota muda abruptamente no sentido contrário, apenas pra descer a encosta na diagonal e logo depois retomar a direção anterior. Mas é somente agora que desemboco em terrenos mais descampados da crista, com largas vistas  do quadrante noroeste. Uma ampla clareira com sinal de acampamento surge no selado de ligação com o restante do serrote, de onde é possível avistar o verdadeiro ponto culminante que se eleva a nordeste. Falta pouco pra ele, coisa de 10minutos, acho.
A subida novamente aperta e se embrenha em mais um foco de reflorestamento onde – apesar do caminho estar isento de qualquer capim e sim de chão ligeiramente coberto de limo – os obstáculos se limitam a troncos e cupinzeiros enormes no meio da vereda. Cruzado o último foco de mata emerjo finalmente num cocoruto que precede o suave selado que leva ao topo, onde apenas uma crista ondulada e pelada domina todo restante da serra no sentido nordeste. O trilho se estreita, alternando terra e pedregulhos, e finalmente alcanço o cume derradeiro daquele serrote doméstico vizinho de Pirapora. O vento sopra o rosto refrescando o suor que escorre farto no rosto, apesar do dia relativamente frio. Horas? Algo de 13hrs. Pausa pra lanche e contemplação, claro. Lixo? Nenhum. Ao invés disso simpáticos gravatás de altitude salpicam o capim aqui e acolá.
Resumidamente, o cume é largo e tomado de pasto, capim e o que sobrou duma cerca de madeira, mas é possível sentar num rochedo pra descansar. O quadrante sul é praticamente dominado pelo espelho dágua do Reservatório de Pirapora refletindo o firmamento isento de nuvens, e elevando-se majestuosamente temos o Morro do Capuava e a Serra do Voturuna, logo atrás. Com esforço é possível avistar a geometria horizontal de Barueri sob um véu cinza de poluição.Na direção nordeste temos o restante do serrote, descendo em suaves corcovas até a base da Serra do Porto. E um pouco mais ao fundo temos a Serra dos Cristais, o Vale do Ponunduva e a inconfundível Placa de Cajamar, coroando o morro do mesmo nome. Já a oeste temos a silhueta de várias elevações significativas, desde as serras do Sapoca, Guaxinduva e do Japi, ao fundo. E finalmente a sudoeste temos Cabreúva e a Serra do Piraí, e ao longe, elevando-se isoladamente, é possível distinguir o Morro do Saboó, já em São Roque. Pirapora do Bom Jesus está também naquela direção, mas oculta pelas corcovas menores da serra em que agora me regateio um bom pit-stop. Em tempo, por não portar GPS ou aparelho algum de medição, apenas estimo aproximadamente a altitude do cume em torno dos mil metros. Digo isso pois o topo é visivelmente superior ao Capuava (950m) e mais baixo que o Voturuna (1100m).
Pois bem, descansado começo o ritual da volta. Mas ai fiquei na terrível dúvida: prosseguir pela crista, rumo nordeste, descendo as corcovas de pasto seguintes, atravessar um bosque de pinnus no extremo e terminar caindo na Estrada Municipal, pra depois retornar algo de 10km entediantes até Pirapora? Ou simplesmente dar meia-volta e voltar pelo mesmo caminho da ida, porém generoso em visual e brisa refrescante? Claro que optei pela segunda alternativa, e assim foi. Sem pressa e compassadamente, voltei pelo mesmo caminho e desta vez atentando pra detalhes que me haviam passado despercebidos.
E assim, com tempo passando de forma imperceptível, atingi o inicio da trilha pouco depois das 14:30hr. Com tempo mais que de sobra, ainda estiquei pro Mirante de Pirapora, perto dali, com bonita vista da Represa de Pirapora e do Vale do Salto do Caracol. Mais cliques e novo descanso, mas desta vez o pit-stop foi breve ao reparar uma leve coceira no tornozelo que so poderia significar uma coisa. Sim, carrapatos. Dane-se, pois quem tá na chuva é pra se molhar…
Na sequência voltei pra Pirapora do Bom Jesus, onde cheguei pouco depois das 15hr. Tempo suficiente de abastecer minha mochila de latas de cerveja, um salgado e um suculento pastel, e dali então  ficar largado na pracinha principal. Sim, descansando e vendo o vai-vem daquela pacata cidade, onde turistas e locais se fundem numa massa só. Na verdade esta espera foi necessária pois a condução de volta direta pra Sampa tem horários irregulares e escassos aos domingos. No meu caso, esperei ate pouco depois das 16:30hr. Portanto informe-se bem ao planejar sua vinda á região. Ou faça as tradicionais, demoradas e entediantes baldeações de bus e trem, mais frequentes e regulares. Em tempo, esteja preparado pra voltar com carrapatos pois contabilzei meia duzia grudada ao corpo, na volta. Afinal, o morro é área de pastagem de vaquinhas e cavalinhos. E quem for alérgico a estes maleditos bichinhos procure outro programa.
Analisando melhor a carta local foi possível avaliar as possibilidades que as serras do entorno sugerem, e desta vez a dica do Alto do Tuaçu foi perfeita prum domingo de sol e dia limpo. E as perspectivas são ainda bem mais animadoras qdo o olhar vai além do Tuaçu, com muito mais morros abaulados, serras respeitáveis, belas cumieiras, cristas escarpadas e, logicamente, altos visuais pedindo pra serem conhecidos. Programas breves de um dia e de fácil acesso que podem ser esticados, conforme a disposição ou tempo mandar. Motivos mais que suficientes pra voltar a região, claro. Isso a apenas 40 kms da maior metrópole da America do Sul, em Pirapora do Bom Jesus.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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