O Catimbau

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Existe no interior de Pernambuco uma reserva com panoramas grandiosos, formados por chapadões, escarpas, cavernas, torres e cânions esculpidos no frágil arenito. Árido, remoto, elevado e primitivo, este é o Parque Nacional do Catimbau, tão mal divulgado e tão pouco visitado.

O Catimbau

O Catimbau é um PN pernambucano, situado logo ao lado de Arcoverde, que é considerada o portal do sertão. Fica num vale entre três municípios, sendo Buíque o seu local de entrada. Mas Ibimirim e Tupanatinga concentram a maior parte de sua área. Buíque está a cerca de 300 km de Recife, num rumo quase perfeitamente E-W.

Existe no Nordeste uma separação entre as regiões chamadas de agreste e de sertão. A primeira é uma estreita e longa faixa oriental de relevo acidentado, com vegetação um tanto perene e variada, incluindo a mata atlântica e a caatinga, dotada de clima semiárido de baixa umidade, esta se concentrando no inverno.

O sertão, ao contrário, é uma região interiorana, baixa e plana, dominada pela áspera caatinga, que lá sobrevive a um clima extremamente seco e árido, onde pouco chove no verão.

As Regiões do Nordeste (Fonte – wikipedia).

Entre ambos, existem as elevações do Planalto da Borborema. Ela é uma região gigantesca, estendendo-se de sul a norte por quase 400 km, desde Alagoas até Rio Grande do Norte.

Corresponde ao setor oriental do Planalto Atlântico, vale dizer próximo à costa. É a barreira da Borborema que impede o avanço da umidade marinha rumo ao interior, tornando mais seca toda a depressão sertaneja.

A rocha nordestina é basicamente cristalina (ou seja, granito e quartzito) associada ao colapso do Continente Gondwana, quando sua fratura causou a separação entre a América e a África.

Entretanto, na região do Catimbau existe uma falha ou lineamento geológico que vem desde perto de Recife até Petrolina, numa extensão de 500 km. Este acidente foi preenchido com arenito, dando ao Catimbau um aspecto diferente de toda a região próxima. É uma transição arenítica, e não cristalina, entre o agreste e o sertão.

Mapa Simplificado do PN do Catimbau, PE (Fonte – SNE).

Catimbau é um Parque grande, com 62 mil ha. Apesar de ocupar uma região acidentada, apresenta um formato aproximadamente retangular, com os 35 km do lado horizontal (E-W) sendo o dobro do vertical.

Apresenta uma situação curiosa, pois praticamente só a sua extremidade sudeste, próxima ao vilarejo de Vale do Catimbau, é de fato visitada – algo como menos de 20% da área total.

Existe uma estrada precária que avança pelo interior da reserva num rumo noroeste, atingindo uma formação serrana que não é, entretanto, tão interessante quanto as serras na entrada do Parque.

Como chove pouco, as estradas não requerem manutenção tão frequente. A rigor, poderia haver uma outra entrada pelo norte (onde a BR 110 bordeja o Parque), conectada à estrada interna.

Vista do Mirante do Chapadão, PN do Catimbau, PE (Fonte – ICMBio).

As principais serras percorrem um arco de 50 km, com cores e formas variadas. A Serra de Jerusalém é a mais próxima e apresenta marcantes penhascos fraturados e vermelhos. A Serra Branca, ao contrário, tem uma sedutora parede clara e regular. A Serra do Brejo fecha o arco com sua elegante coloração cinza e vermelho.

No seu visual rústico, essas serras encerram um território de rocha, de areia e de espinho, que conheci ainda no ocre da estação seca, submetida a um teimoso e pálido céu azul.

Mas há também escarpas rosadas, castanhas e alaranjadas, como costuma ocorrer com a rocha mutável do arenito. E muitos formatos espetaculares, a começar pela gigantesca Pedra do Cachorro, um monólito isolado logo à entrada do Parque.

A Pedra do Cachorro de Catimbau, PE (Fonte – wikimedia).

Você também conhecerá as curiosas formações do Camelo, do Cavalo Marinho e do Elefante – e, sobretudo, o Cânion do Chapadão e a Serra da Igrejinha.

A região do Catimbau é até hoje escassamente povoada – os rios são temporários, o solo é pobre, o clima é árido e a vegetação é escassa. Pertence à bacia do São Francisco e seu maior curso é o intermitente Riacho do Mel. Sua altitude de 900m é bem expressiva para as terras baixas do Nordeste.

Recoberta por caatinga, dispõe ainda assim de grande variedade vegetal: umburanas e quixabeiras, angicos e jatobás, carnaúbas e babaçus, cactos e bromélias. A fauna é de pequeno porte, mas bastante rica, com veados catingueiros, lobos guará, gatos maracajá, muitas aves e muitos ofídios.

As propriedades dos sitiantes são pequenas e precárias, distribuídas por toda a área da reserva. O Parque não é indenizado, nem conta com estrutura ou sinalização. Foi um antigo território de índios da etnia tupi-guarani, hoje havendo ao sul uma reserva kapinawá de 12 mil ha.

A Pedra Furada na Igrejinha, PN do Catimbau, PE (Fonte – agturccatimbau.blogspot.com).

Os ancestrais dos indígenas deixaram preciosas pinturas rupestres nas paredes areníticas. Existem perto de 30 sítios rupestres, ricos nos estilos agreste e nordeste – respectivamente com representações de ações, animais e humanos ou com misteriosos grafismos abstratos.

Quase sempre na coloração sépia, são datados de 4 a 6 mil anos. O Catimbau é reconhecido como nosso segundo maior acervo rupestre, depois do da Serra da Capivara.

O Painel Rupestre do Alcobaça, PN do Catimbau, PE (Fonte – ArchDaily).

Na realidade, o Catimbau me parece entregue à própria sorte, sob o olhar inativo de uma gerência distante, sediada no conforto da capital.

São os monitores locais que desenvolveram as trilhas, negociaram os acessos com os sitiantes e operaram a visitação. Assim, o Catimbau continua pouco conhecido e visitado – algo como apenas 8 mil pessoas por ano.

Existe uma dúzia de trilhas, nenhuma das quais muito exigente apesar do calor, por não serem tão longas (até 8 km).

As encostas do Cânion, PN do Catimbau, PE (Fonte – Divulgação).

Achei grandiosas as visões do cânion, seja pelo alto ou pela encosta, bem como emocionante a subida às agitadas Torres. O painel rupestre do Alcobaça me pareceu notável por seu tamanho e variedade. E o panorama visto das rochas da Igrejinha foi uma surpresa ao descortinar a infinita planície sertaneja.

Estive durante quatro dias no Catimbau, caminhei por 20-25 km e conheci pelo menos ¾ de suas trilhas. Preferi me alojar em Buíque, uma cidade modesta, mas distante apenas 18 km da reserva, por boa estrada asfaltada. Mas você pode preferir o vizinho povoado do Vale do Catimbau ou, inversamente, a vila de médio porte de Arcoverde, a 45 km.

Afora os visuais das trilhas, não há muitas atrações na região, por ser pobre e seca. Talvez nas chuvas você descubra algum poço ou cachoeira. Ou, se for curioso, o bonito artesanato em madeira, palha ou tecido deste vale rude e belo.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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