O Chaco Paraguaio

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Se o Egito é uma dádiva do Nilo, que fertiliza seu solo e conecta seu território, o Paraguai também é um presente do rio de mesmo nome, que o atravessa por inteiro e lhe serve de eixo.

Manso e lento, estranhamente silencioso, o Rio Paraguai é navegável o ano todo e, por assim dizer, resgata o país de sua condição interior ou mediterrânea. Foi ao longo de sua orla que o Paraguai se estabeleceu, fundou sua capital e criou seus portos fluviais.

Mas, ao cortar o país de norte a sul, coube ao Rio Paraguai dividi-lo em duas regiões muito distintas: a Paranenha e o Chaco. A primeira é atravessada por muitos rios, afluentes seja do Paraná ou do Paraguai, que banham suas terras férteis e onduladas, com regimes favoráveis de chuvas e de ventos. Ela é uma extensão do Planalto Brasileiro, abrigando as criações de gado e as plantações de grãos, e concentrando basicamente toda a riqueza e a população do país.

Mapa do Gran Chaco, abarcando Paraguai, Bolívia e Argentina. Um território plano e imenso, com mais de um milhão de hectares.

Mas o outro território, o Chaco, é uma história completamente diferente. Ele faz parte do chamado Gran Chaco, uma enorme região de planície sedimentar, com quase 1.3 milhões de km², muito extensa na Argentina ao sul e na Bolívia ao norte.

É nesta região que fica a chamada floresta seca, a segunda maior do continente, depois da amazônica. Como o nosso cerrado, ela é depreciada por seu visual modesto, empobrecido. É curiosa a comparação com as Yungas, as exuberantes florestas úmidas que atravessam o continente, da Venezuela até a Argentina. Elas estão do outro lado, a oeste, numa estreita faixa, também elas ameaçadas de devastação.

O Paraguai contribui com apenas um quarto do total do Gran Chaco, mas é dele que quero lhe contar, pois é afinal a região que melhor (ou menos mal) conheço. E essa região corresponde a quase 2/3 da superfície total do Paraguai.

O Chaco é um prolongamento dos pampas, num extremo contraste com a região Paranenha. É um território plano e seco, vazio de rios e lagos, de vegetação penosa que pouco parece proteger a terra da inclemência do sol, e onde a vida orgânica luta com dificuldade para se afirmar.

Indígenas do Grande Chaco. Existiam muitas nações, como guaicuru, mataco, vilela e guarani (Fonte – Divulgação).

Mas este Chaco tem uma capital importância para os paraguaios, e por duas razões. Continha os ferozes guaicurus, índios nômades, navegantes, cavaleiros – e sobretudo guerreiros – contra os quais os colonos tiveram de lutar duramente para afirmarem o seu país. Eles os expulsaram das terras férteis, confinando-os aos terrenos secos do Chaco. Os chaquenhos são ignorados e destituídos, como os severinos do poema que abre este capítulo.

A segunda razão veio depois, quando a Bolívia reivindicou para si o Chaco. O país queria obter uma saída para o mar através do Rio Paraguai, uma vez que havia perdido a cidade marítima de Antofagasta na guerra contra o Chile. E também assegurar os depósitos de petróleo que se acreditava (erroneamente) existirem lá. A guerra entre Bolívia e Paraguai, vencida por este último, exauriu o Paraguai, mas uniu-o em torno do Chaco.

As ecorregiões do Paraguai, com predomínio dos Chacos Seco e Úmido.

O Chaco paraguaio é dividido em duas zonas distintas. Ao norte ele é mais alto, quente e árido, com um longo período de seca e pouca água subterrânea ou, às vezes, até mesmo salobra. Sob um sol abrasador, é chamado de inferno verde. Apesar de terras até férteis, não é capaz de apresentar vegetação de porte, apenas arbustos, gramas e cactos – e, eventualmente, pequenas árvores como o espinheiro. É sufocante atravessar seus espaços áridos e monótonos.

O Chaco úmido fica ao sul, em terras mais baixas e em várzeas, que quando mal drenadas originam áreas pantanosas. A vegetação é agora de savana aberta, com capins altos, plantas arbustivas, palmeiras carandá, árvores de quebrachos, palos santos e lindas ceibas barrigudas. O tanino e a madeira podem ser extraídos dessa região. Mas a fertilidade não é alta. O Chaco é basicamente habitado apenas por povos nativos.

Vegetação do Chaco Úmido, com grama, palmeiras e cerrado (Fonte – Divulgação).

Devido à disponibilidade de grandes áreas, abarca três parques nacionais, com a enorme área conjunta de um milhão de hectares (o país conta com 75 áreas protegidas). O maior deles é o PN Defensores del Chaco, que contém o Cerro León, uma formação em que rochas empilhadas se sobrepõem ao arenito regional, embora com altitude modesta. Abriga também animais de grande porte e populações de índios isolados. Imagine que existe um projeto de mineração de suas rochas, duramente contestado por pessoas de bom senso.

O Gran Chaco tem uma fauna muito variada, incluindo bugios, onças, lobos e veados. Embora não seja uma região rica, o Chaco paraguaio também acolhe animais de grande porte, devido às suas extensões amplas. Os catetos, tatus e tamanduás são reportados, e mais aves como jaburus, seriemas e garças. Confesso que avistei muito pouco ou quase nada da fauna, sempre escondida nos carrascais. Mas os insetos são abundantes – e também as cobras.

Grupo de uma espécie de catetos no Chaco Seco do Paraguai (Fonte – Luciano Lima).

Um tapir na floresta seca do Chaco argentino (Fonte – Veronica Quiroga).

A mata atlântica já foi quase que completamente devastada no Paraguai. Na região Paranenha, dos 35 mil km² originais de florestas, restam apenas 10 mil km² (segundo outras fontes, apenas um terço disto). Os criadores de gado têm se deslocado desta região em direção ao Chaco, devido às grandes glebas de baixo preço e à pouca restrição ambiental.

As matas secas do Chaco estão agora sendo destruídas a taxas alarmantes de 2.5 mil km² anuais. Em meados de 2018, o Chaco paraguaio havia perdido 30 mil km², sem que o país sequer tenha leis para zerar o desflorestamento. Junto com as árvores, os indígenas estão sendo devastados – em especial a etnia Ayoreo, muitos dos quais isolados.

O desmatamento causado pela invasão da pecuária ameaça as terras pobres do Chaco (Fonte – Divulgação).

Para cada paraguaio, existem hoje duas cabeças de gado. Você já sabe, o país quer orgulhosamente abrigar um dos maiores rebanhos do mundo e se tornar um exportador global de carne. Sem voz, a natureza apenas assiste uma vez mais essa invasão.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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