“As cinco cachus num dia? Impossível!”, era a resposta recorrente de conhecidos q perambulam com alguma freqüência pela Serra do Meio. “Não se vc tiver asas ou for algum bicho rastejante da região!”, emendavam brincando. No entanto, teimoso feito uma mula q sou, estava ciente de q esse bate-volta era sim, possível. Puxado, mas possível. Bastava apenas a ocasião oportuna, cia apropriada e logística adequada pro “ataque” em questão. A idéia foi engavetada e permaneceu maturando, até q o Nei (da ecocultural viagens, agência do ABC) comentou de uma picada q particularmente desconhecia e q reascendeu minhas intenções.
Na verdade já sabia dessa picada, mas nunca me havia interessado em bisbilhotá-la. Mas mal sabia q a dita cuja era a peça q faltava pra pernada se tornar realidade, pois bastou o Carlão tb falar dela pra efetivamente dar sinal verde pro desafio em questão. Desafio este q não era nada mais q um teste exigente de energia física, logística e pura força de vontade. Mas, claro, q deriva de uma simples evidência geográfica: a proximidade das quedas entre si. Se tem quem faça a “Petropolis-Teresópolis”, a “Marins-Itaguaré” e a “Araçatuba-Crista” em 24hrs, pq não então apenas as cinco gdes cachus da Serra do Meio?
Dessa forma eu, Ricardo, Lucas, Carol “Pê” e Carol “Éle” desembarcamos do busão as 8:40hrs, bem no asfalto q faz divisa entre Rio Gde da Serra e Paranapiacaba. A manhã cinzenta e enevoada era até q previsível, mas torcíamos q o tempo firmasse e abrisse no decorrer do período. Imediatamente nos pusemos em marcha, chapinhando em meio ao brejo e lama q caracteriza este trecho inicial da “picada do lago cristal”. Num piscar de olhos, deixamos o zunido eletrostático das torres de alta tensão e o campo aberto pra mergulhar de vez no frescor úmido da mata fechada, até cair no leito pedregoso do Rio da Solvay as 9:20hrs, pra então simplesmente acompanhá-lo costurando suas margens. Por sorte o rio encontrava-se ligeiramente raso, sinal q mesmo com as últimas chuvas a pernada seria ainda possível e segura.
As 9:40hrs cruzamos com as clareiras q bordejam o sempre belo Lago Cristal, omitindo dos meus amigos de pernada (meninas, principalmente) q naquele mesmo local, a exatos dez anos atrás, havíamos sido assaltados por malacos encapuzados num episodio já cantado em verso e prosa em mais de uma ocasião. Deixando a “nostalgia” de lado, começamos então efetivamente a descida de serra, sempre acompanhando o rio pela sua margem direita. Mas não sem antes contabilizar nossa primeira gde cachu do dia, a da Solvay, onde paramos nos rochedos do topo por apenas alguns minutos somente pra alguma contemplação e merecidas fotos do largo véu d´água sendo despejado por sucessivas lajotas de pedra rio abaixo. Esta cachu é parada obrigatória de quem vem no Lago Cristal e já tem farta referencia noutros relatos, portanto passo batido de dar mais detalhes sobre a mesma.
De qq forma, a primeira queda já foi riscada da nossa lista.A picada então embica verticalmente e lances de desescalaminhada viram regra, alguns até auxiliados por cordas estrategicamente colocadas na encosta visguenta, úmida e escorregadia. Dessa forma perdemos altitude rapidamente ate um trecho onde o rio aparentamente suaviza. Bem, é aqui onde a trilha praticamente termina, e de agora em diante a pernada se dá pelas pedras lisas do rio, alternando suas margens. É aqui tb q um pequeno afluente desemboca no principal, onde desviamos rumo nossa segunda cachu do dia, a Escondida, q faz jus ao nome por estar ligeiramente “escondida”, perpendicular ao Rio da Solvay.
Pra ganhar o topo da Escondida é preciso subir cautelosamente pelas pedras lisas de um pequeno córrego q despenca da sua encosta direita, pra depois sair deste e escalaminhar o resto da encosta semi-vertical propriamente dita. Qq mato ou tronco aqui é de extrema valia pois dá-se um passo e retrocedem-se dois, mas após o trecho pirambeiro a ascensão suaviza ate q finalmente damos no topo da Escondida, a exatas 10:20hrs. A névoa, q aparentava desaparecer, voltou com td ocultando o belo visual q daqui se tem do vale, mas q não impediu q o pessoal tirasse suas fotos de satisfação pelo simples fato de estar ali, no alto daquele mirante rochoso privilegiado, de onde despencava agua de uma altura considerável. Bem q tentamos nos debruçar na beirada, mas a pedra de fato tava lisa feito sabão e ninguém chegou perto da beiradinha por razões obvias. De qq maneira, a segunda gde cachu havia sido vencida!
Após alguns minutos de relax e contemplação, damos continuidade á nossa jornada descendo td pelo mesmo caminho. Se subir já havia sido difícil, pra descer td santo ajudava. Ou seja, no esquibunda, no capote mesmo ou auxiliados por longas raizes q aqui ganham a função de corrimão. E uma vez no rio principal basta acompanhar seu curso serra abaixo, alternando as margens. Inicialmente em terreno nivelado pra depois tornar-secada vez mais inclinado, e o avanço demandar tanto uso dos pés como das mãos. As Carolines (ambas) até q mandavam ver bem neste trecho, sempre indo no ritmo delas e prestando bastante atenção aos obstáculos do caminho. Qdo era pra atravessar o rio, simplesmente enfiavam o pé na água pois era mais seguro pra elas, á diferença de nos varões, pois estávamos com as botas sequinhas até então, saltando as pedras lisas feito cabritos.
Os horizontes se ampliaram após um tempo de descida, até q foi possível avistar o “Portal”, ou seja, a confluência dos rios (Areias, Vermelho e Solvay) e lugar de nossa próxima parada antes de rumar pra nossa terceira gde queda, a dos Grampos, por sua vez situada no topo do Rio Vermelho. Uma vez no “Portal”, ao meio-dia, nos prostramos nos lajedos ao lado do rio onde nos brindamos com uma pausa maior pra descanso e lanche. Afinal, não estávamos nem na metade da trip e o trecho mais hard estava por vir. A Carol “Pê”, entusiasmada feito criança, não resistiu e deu um tchibum no poção ao sopé da imponente muralha granítica cujas escarpas e recortes no alto lembram uma torre ou ate mesmo gárgulas. Infelizmente os meninos (eu inclusive) não seguiram o exemplo da brava guria e limitou-se a apenas molhar os pezinhos, não honrando aquilo q carregam no meio das calças. O sol ameaçava sair mas logo se escondia, caçoando da gente e desestimulando qq intuito de banho, ainda mais com a água tinindo de gelada.
Antes das 13hrs e após lagartear um tanto nas rochas, retomamos nossa brava missão q agora tinha seu trecho mais árduo: a subida do Rio Vermelho até a Cachu dos Grampos! Começamos galgando patamares nos lajedos visguentos da base pra em seguida tomar uma picada q se embrenha piramba acima, bem forte, pela encosta direita do rio. E tome piramba íngreme! Foi aqui q a Carol “Ele” começou a sentir o tranco da pernada, já arrastando a língua no chão de exaustão naquela subida. E era apenas o começo. Mas firme e forte, prosseguiu a pernada seguindo seu próprio ritmo, ainda mais encorajada por este q vos escreve, Lucas e Ricardo qdo cada músculo da perna e do braço dela insistia em pedir-lhe q desistisse ali mesmo.
Pois bem, por meio dessa bem-vinda e oportuna picada ganha-se uma boa altura mas após um tempo é necessário abandoná-la qdo vira uma evidente vala d´água q leva a lugar nenhum. Aí é preciso voltar ao rio, cruzá-lo cautelosamente à outra margem e galgar o obstáculo sgte, sob a forma de uma enorme seqüência de cachus, q por sinal tb deveriam ser contabilizadas na trip. O lugar por si já é tb merecedor de vários cliques pois avista-se o “Portal” de uma outra perspectiva, de cima dos lajedos de um belo mirante. Desnecessário q este trecho estava repleto de aranhas de tds as formas e tipos possíveis, desde caranguejeiras minúsculas ate esquálidas enormes.
Voltando á pernada, aqui é necessário ganhar a íngreme encosta esquerda contornando uma enorme rocha. No entanto, os apoios e raízes são escassos pra escalaminhada sussa, obrigando o Ricardo a fazer uso de sua corda pra auxiliar a ascensão das meninas, q até então davam um passo e retrocediam dois. Mas bravas como elas só, ganharam o alto da pirambeira em segurança. Foi ai q chegou minha vez de subir e qdo os alcancei sem querer esbarrei na mochila do Ricardo, q despencou morro abaixo ate dar quase na base da cachu daquele patamar, temerosa de prosseguir viagem. Claro q ele teve de ir la buscá-la novamente, mas levou td na brincadeira, menos mal.
A pernada prossegue através de uma crista florestada ascendente em meio a mata, inicialmente suave mas q depois cuja declividade novamente aperta, obrigando o uso de qq mato em volta como agarra. Novamente a corda foi solicitada pra auxiliar as meninas. Mas uma vez no alto desta pirambeira é possível retornar ao rio e prosseguir escalaminhando os blocos de pedra desmoronados em td seu trajeto, costurando ora pra direita ora pra esquerda. Lucas e Ricardo, sempre prestativos e cavalheiros, auxiliavam a Carol “Éle” nos trechos em q suas pernas ou mãos não alcançavam o apoio sgte, enqto eu ia na dianteira definindo a melhor rota a seguir. Embora não raramente sobrava pra eu carregar a mochila da nossa exaurida amiga, q àquela altura do campeonato repensava se havia sido boa idéia ter saído da cama naquele domingo. Foi aqui tb q a maquina fotográfica do Ricardo adquiriu vida própria e foi de encontro pro fundo do rio numa tentativa desesperada de matar sua própria sede. Pois é, efeitos colaterais da desatenção básica.
Após certo avanço alcançamos outro patamar onde uma nova cachu se interpunha verticalmente ao nosso avanço. Logicamente q havia q desviar pela encosta á esquerda outra vez, so q a mesma estava forrada de mato terrivelmente espinhento, plantas urticantes e, como se não, bastasse, repleta de enormes e vistosas lagartas peludas q bastava encostar pra levar uma bela queimada. Bem, como quem ta na chuva é pra se molhar, tomei a dianteira e fui me esgueirando lentamente naquele inferno de cipó, macega e espinho, abaixando o mato na raça pro resto do povo, q veio logo atrás. Nessa hora lamentei não ter trazido meu querido facão. Paciência.
Mas felizmente este trecho hardcore foi breve, porém suficiente pra deixar o corpo sujo de mato e as mãos cravada de “lembranças”. Como recompensa, o terreno suaviza e após uma curva já é possível avistar nossa terceira queda, a imponente Cachu dos Grampos, as 15:10hrs! Pois bem, esta cachu vertical se divide em dois patamares e seus paredões repletos de saliências são passiveis de vencer mediante escalada, mesmo úmidos. Mas lógico q apenas pra quem tem sangue frio e uma boa bota anti-derrapante. Sensatamente, o Lucas opta por subir com as meninas através do mato da encosta direita da cachu, com muito mais segurança, enqto eu e o Ricardo escalamos o paredão direito no peito e com mta adrenalina correndo no sangue. Ali era bem exposto e qq escorregão ou pisada em falso é queda vertical na certa.
Mas as 15:20hrs respiramos aliviados ao alcançar os grampos reluzentes q nominam a cachu, já no topo da mesma. O visu tava parcialmente encoberto por um forte nevoeiro q se avizinhava, frustrando qq pretensão das largas paisagens q aqui comumente se tem. O resto do pessoal chegou apenas alguns minutos depois, esbaforidos, pois alem do mato e declividade, tiveram q enfrentar a ira de um formigueiro q lançou suas elétricas moradoras sobre nossa trupe, defendendo avidamente aquela invasão de domicilio. Mas td isso foi logo esquecido pois afinal a terceira cachu havia sido vencida!! Isso era o q realmente importava.
Só faltavam mais duas e o pior já havia sido deixado pra trás. Comecava agora o trecho q eu particularmente desconhecia, o da trilha comentada nos primeiros parágrafos. É uma picada q sai da esquerda do topo da cachu e no geral acompanha a borda da serra sentido leste, sempre em terreno nivelado e pouca variação de declividade, pra alegria e alivio da Carol “Éle”, diga-se de passagem. A caminhada é bastante agradável e sem dificuldade alguma, através de uma trilha óbvia e bem roçada. No caminho havia vestígios de recente marcação da mesma, feita por uma tal “Amatrilhas”, alem de algum material de camping jogado no meio do mato. Algumas bifurcações surgem no caminho, mas o sentido é claro e óbvio, sem problema algum de navegação.
As 15:45hrs a picada desce suavemente indo de encontro ao som murmurante de água q vem sendo ouvido a algum tempo, anunciando as clareiras q pontilham a margem direita o Córrego das Tartaruguinhas. Bons locais de acampamento q fazem a cabeça do Ricardo. “Meu, lugar ideal pra trazer a patroa qq dia desses!”, diz ele. Daqui em diante a rota a seguir é basicamente o curso do pequeno regato, cuja declividade zero propicia uma pernada mais do q sussa. O terreno é aberto e possibilita algum visu não fosse a neblina tornando td fosco ao redor.
O rugido de água despencando anuncia uma queda próxima, logo após um pequeno trecho florestado, e subitamente nos deparamos no topo da Cachu das Tartaruguinhas, a “menor” das gdes quedas daquele dia, as 15:50hrs. Quarta cachu contabilizada. Do topo da mesma, à esquerda, tem uma picada e logo nos leva ate sua base, onde um pequeno poço convidaria a mais um banho não fosse o friozinho e serração baixando em definitivo.
Num piscar de olhos o simplório e raso córrego nos leva até onde deságua, e o caminho nos parece já mto mais familiar. Estamos já no Rio das Areias, mais precisamente no trecho onde já quase nos leva ao topo da maior e mais famosa cachu da região, a deslumbrante Fumaça. E infelizmente a mais freqüentada, dada a quantidade de lixo nos arredores. Pena q a nebulosidade não permite avistar Cubatão e nem a baixada santista, com o azul do mar delimitando o horizonte. Mas isso era o de menos pois era finalmente a quinta e última cachoeira do trajeto, ou seja, missão cumprida e felicidade geral! E dentro do prazo programado, pois com nevoeiro envolvendo o alto da serra a escuridão não tardaria em nos alcançar, mesmo sendo horário de verão.
Após uns minutos de descanso iniciamos o caminho de volta, retornando pela rota tradicional de acesso á Fumaça, ou seja, voltando pelo Rio das Areias. Retorno este feito na maior tranqüilidade e sossego, sem pressa alguma. Aqui já era caminho da roça, já palmilhado a exaustão trocentas outras ocasiões. Meia hora depois o rio foi deixado pra trás, dar lugar a uma vala erodida escarlate e, posteriormente, emergirmos nos descampados alagadiços, fétidos e lamacentos q tipificam a tal “Trilha do Lamaçal”, q agora aparentava ser mais um clipe do Ozzy Osbourne dado o espesso nevoeiro à nossa volta.
Caímos no asfalto pontualmente um pouco antes das 18hrs e imediatamente nos prostramos no pto de bus. Trocamos nossas vestes e nos retiramos as botas e meias enxarcadas ate não poder mais. Na verdade nosso aspecto dava impressão de termos saído de um chiqueiro, mas e daí? O buso não tardou a passar e embarcamos assim mesmo, sob o olhar pasmado dos demais passageiros. Em Rio Gde da Serra logicamente q estacionamos na Padoca Barcelona afim de bebemorar o sucesso da empreitada, tendo como trilha sonora a balburdia proporcionada por um povo alvi-negro festejando nas ruas o titulo do Brasileirão, recém ganho. O resto é resto, ou seja, a viagem de trem e bus feita no mundo dos sonhos, não fosse o pessoal se engraçando numa animada prosa com… um surdo! Pois é, nestas aventuras já não duvido mais de nada.
Cinco quedas, três rios e dois afluentes. Um desafio vencido na raça por cinco bravos amantes de um perrenguinho dominical pela nossa maravilhosa Serra do Mar. Parabéns à galerinha q me acompanhou neste rolê pouco convencional, em especial as meninas q se superaram ate não poder mais, já q tem mto marmanjo q conheço q sequer chegaria na metade com o sorriso e disposição q as mesmas esbanjaram td momento. E diante do sucesso desta modesta empreitada minha cachola já anda maquinando outras e outras, indiferente a qq comentário contrario de impedimento qq. Afinal, quem não arrisca não petisca, né? Dores musculares pelo corpo, joelhos latejando, sujeira de mato por tds orifícios imagináveis e mais espinhos cravados em ambas mãos serão inevitáveis, claro. Mas e daí? O prazer e satisfação de chegar ao final supera td isso. E quer saber, com bônus. E esse é verdadeiro, autêntico e legitimo espírito de aventura.
Texto e fotos de Jorge Soto
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