Uma nova realidade começa em Montes Claros: a rocha calcária. A rigor, ela não integra a Serra do Espinhaço, de diferente geologia. Porém, se intromete nela, com resultados interessantes: as cavernas, os lajedos e as matas secas. Durante quatro colunas, você viajará fora da cordilheira para o oeste, até retornar a ela no que talvez seja a sua feição mais radical.
Você já encontrou uma importante formação calcária na Gruta da Lapinha, em Lagoa Santa, onde Peter Lund descobriu seus fósseis pioneiros. Foi a primeira vez que esta rocha substituiu o quartzito preponderante no Espinhaço. E também quando falei do point de escaladas do Morro da Pedreira no Cipó. Depois, viu uma menção a ele na Serra do Cabral.
Mais ao norte, voltará a encontrar uma serra carbonática quando estiver se aproximando de Montes Claros pelo sul. O Parque da Lapa Grande é formado por esta rocha, que integra seu maior atrativo. Quando o Rio Peruaçu teve seu curso interrompido, foi o calcário que ele teve de escavar para encontrar sua foz no São Francisco – e, ao fazê-lo, criou em Januária um conjunto das mais lindas cavernas do Brasil.
Em toda a região próxima a este grande rio, você conhecerá um bioma inexistente no resto do país: a mata seca, assentada com frequência sobre lajedos calcários, onde a água é drenada do solo. Ao norte em Montalvânia, já junto da divisa com a Bahia, quando João Geólogo iniciou sua pesquisa arqueológica, foi nas lapas carbonáticas que encontrou as mais incríveis inscrições rupestres.
Francisco da Soledade refugiou-se numa gruta calcária, onde foi erguido o Santuário de Bom Jesus da Lapa, nas margens baianas do São Francisco. Entre as principais atrações da Chapada Diamantina estão as grutas de Iraquara, onde o carbonato contribuiu para as águas cristalinas e as delicadas decorações. Mas a Chapada é soerguida por uma parede quartzítica, que contém no seu interior formações areníticas – portanto, o calcário é nela apenas um enclave.
Se você avaliar as distâncias envolvidas, verá que são mais de 550 km no sentido S-N entre Montes Claros e Iraquara. E mais de 150 km no sentido E-W entre o São Francisco e o Verde Grande através do grande território calcário de Pandeiros no norte mineiro. De novo, a oeste deste espaço, você encontrará o arenito que embasa o Brasil Central e, a leste, o quartzito de que o Espinhaço é feito.
Então, como pode existir essa província calcária tão gigantesca, inserida no meio dessas outras rochas que grandemente compõem o Brasil?
A origem das rochas carbonáticas é antiquíssima, datando do Pré-Cambriano, entre 1-2 bilhões de anos atrás, quando a vida surgia na Terra. Resultaram da lenta deposição e compactação dos esqueletos animais, sob um mar então raso e salino. Essa foi a chamada Formação Bambuí – ao atravessar nosso país, ela pode ser encontrada desde o SE até o NE.
Mas este mar regrediu quando o mundo se fragmentou há ½ bilhão de anos com a ruptura do antigo continente Gondwana, que separou a América da África e criou o Atlântico. Muito depois, há 100 milhões de anos, num mundo dominado pelos dinossauros, os calcários foram recobertos pelos arenitos da Formação Urucuia.
Em seguida, o movimento das placas tectônicas causou fraturas que abriram o vale do São Francisco há 50 milhões de anos, época dos grandes mamíferos. Este evento entalhou as rochas, modelando o relevo atual. Mas a circulação da água subterrânea começou a agir em tempos recentes sobre a rocha carbonática soerguida, criando as muitas cavernas da região.
Esta presença calcária pôde ocorrer apenas a partir daquelas áreas invadidas pelos mares primitivos. Além disso, este antigo embasamento só veio a ser trabalhado nos locais onde fora levantado. Montes Claros e o Vale do São Francisco estão localizados exatamente sobre falhas geológicas que permitiram o afloramento desta rocha calcária.
É por isto que o Parque Estadual da Lapa Grande, uma reserva urbana dentro da cidade de Montes Claros, contém tantas grutas calcárias. Capital do norte mineiro, a cidade teve uma origem comum a toda a região, a partir da bandeira de Matias Cardoso, que antes havia trabalhado com Fernão Dias. Você conhecerá mais dele numa próxima coluna.
O PELG foi criado para proteger as nascentes do Rio Vieiras e, futuramente, do Rio Cedro, que abastecem a cidade. Sua conservação é muito importante nesta região árida, de chuvas razoáveis, mas de clima quente e solo seco. Fica a 6 km do centro e conta com 7.800 ha (a serem aumentados), recobertos por vegetação de cerrado e mata seca e habitados por animais de médio porte. Sua altitude varia de 650 a 1.030m.
Foram identificadas quase 60 grutas e 40 sítios arqueológicos, com pinturas e gravações. A mais conhecida é a Lapa Grande, símbolo do Parque, cuja boca pode ser visitada. É uma formação extensa, com mais de 2 km. As Lapas Pequena e sobretudo Pintada apresentam pinturas rupestres na coloração sépia. De todas as grutas, a de mais bela decoração é a Lapa d’Água.
O PELG está bem estruturado, tendo suas terras sido já grandemente desapropriadas. Dispõe de quatro trilhas, de extensão modesta (4 km na média), para atrativos como a Lapa Grande, o Boqueirão da Nascente, a Ponte de Pedra e a Lapa Pintada. Nele percorri 15 km. Aos sábados, é possível fazer um circuito ciclístico. A rocha calcária permite escaladas de 50 m, até o grau 8.
É um Parque turístico, com trilhas largas através do mato um tanto escasso e passarelas para visitação das grutas. Suas cavernas não são realmente especiais, seja pelo tamanho ou decoração. Mas o Parque é uma proposta interessante, ao aproximar a natureza de uma população sem tanta cultura sobre o meio ambiente.
Na coluna seguinte, você conhecerá um conjunto de cavernas estupendas, onde foi inaugurada uma reserva que poderá ser uma das mais incríveis do Brasil.