Nada de brumas incertas, nebulosidade opaca e mto menos fina garoa fustigando o rosto. Pelo contrario, agora um sol forte brilhava alto e o firmamento se mantinha limpo e translúcido de modo a q foi a deixa, ou seja, a desculpa q precisava pra retornar ao Pico do Garrafão. Dessa forma eu e o bravo Ricardo saltamos bem cedo do latão, por volta das 9:20hrs, no pacato bairro rural de Manoel Ferreira e pusemo-nos imediatamente em marcha rumo o tão almejado pico. Imediatamente pq a caminhada de aproximação ao maciço é longa, tediosa e demorada. Coisa de 3hrs, no mínimo. Sim, o Pico do Garrafão é daqueles lugares em q a determinação e perseverança em chegar nele é maior q a subida propriamente dita.
Pois bem, e assim eu e meu companheiro pusemo-nos em marcha pela empoeirada Estrada da Adutora, de preferência colocando a conversa em dia de modo a matar o tempo de caminhada com tiros implacáveis de trezoitão. Começamos colocando o pé na estrada pela precária via de terra q toma rumo nordeste indefinidamente, serpenteando pequenos morros e acompanhando os enormes dutos enferrujados, inicialmente pela esquerda pra depois passar (por baixo deles) pra direita. Antes, porém, desperta-nos a atenção as vistosas colheitas a nossa volta q fazem a cabeça do Ricardo. “Meu, olha o tamanho dessas berinjelas! Acho q na volta vou encher a bolsa com aquele pimentão q ta com cara boa!”, dizia ele.
Como este trecho inicial corresponde basicamente ao mesmo da trip à Pedra da Esplanada e Pedra do Sapo serei breve, me atendo apenas a detalhes diferenciados daquela outra ocasião. Aliás, nesta ocasião o recorte inconfundível da serra q acolhe a Pedra do Sapo exibia sua ilustre pedra de forma total e completa, fazendo a cabeça do Ricardo, q nunca subiu a pedra. Mas desta vez o destino era outro, claro, embora eu já passasse as coordenadas de ascenção desta pedra ao meu colega. Meia hora após iniciada a pernada ignoramos a bifurcação à direita (marcada por um portal no meio) q leva ao Sapo, sempre seguindo pela estrada principal.
Passado o trecho rural marcado de sítios aqui e chácaras ali, adentramos agora no vasto e extenso território de reflorestamentos da Suzano Têxtil, as 10hrs, passando reto na bifurcação q leva sentido Sitio S. Pedro. Aqui basta seguir a sinalização q indica “Biritiba-Mirim” ou “Igreja Fonte Celestial”. Os dutos foram deixados pra trás e agora acompanhávamos uns postes esquisitos de energia, sempre bordejando uma suave encosta duma seqüência de morros forrados de eucaliptos, cujos troncos rangiam copiosamente às eventuais lufadas de vento. O destaque aqui é uma bem-vinda e oportuna bica encravada na encosta a nossa direita, q despeja agua cristalina e refrescante, ideal pra molhar a goela naquele dia quente e seco ou simplesmente pra encher os cantis menos favorecidos.
Sempre seguindo pela estrada no mesmo compasso, agora cascalhada, tomamos um obvio atalho por cima de uma antiga ponte de cimento sobre um córrego q nos poupou de uma enorme volta, até desembocar na frente da propriedade do “Sitio Casa Verde” (marcada por uma igrejinha batista), quase logo após passar pela entrada do “Sitio dos Amigos”, a nossa esquerda. Logo depois passamos por uma placa da Suzano q é referencial da trilha de acesso a Pedra da Esplanada, q hj exibe td a extensão de sua majestuosa e imponente face sudoeste reluzindo ao sol matinal.
A partir daqui a pernada se dá através de encostas forradas de eucaliptos serpenteando sinuosamente a morraria do caminho, evidentemente contornando o fundo vale aos pés dos picos almejados, ainda sentido nordeste e com pouca variação de desnível. Contudo, a medida q se avança o Pico do Garrafão vai dando o ar da graça, exibindo aos poucos seu arredondado domo rochoso logo ao lado da Pedra da Esplanada. A visão impressiona o Ricardo q não deixa por menos nos comentários: “Caralho, a gente vai subir ali?”. E não era pra menos, uma vez q o Pico do Garrafão assemelha-se, sob qq pto de vista, a uma enorme e gigantesca meia-bola do mais puro granito, encravada no meio daqueles cafundós rurais de Biritiba-Mirim, a diferença da Pedra da Esplanada, cujo formato varia conforme o pto de referência, e vai desde um enorme navio espichado (visto de lado) ate uma pirâmide irregular (visto de frente).
Mas eis q as 11:20hrs e após passar por baixo dos dutos, deixamos a estrada principal em favor dum óbvio portão metálico amarelo à direita, q desvia nosso rumo agora pro sul, adentrando num setor de reflorestamentos q segue em direção ao fundo do vale entre a Esplanada e o Garrafão, alternando encostas serranas. Aqui tropeçamos com a única alma viva motorizada do trajeto, um monitor florestal da Suzano q fiscalizava a área de moto, com quem troquei rapidamente umas palavras. Perguntei das condições da picada ao Garrafão, uma vez q não pisava nela a uns 3 anos. “Tá toda fechada pq provavelmente vc deve ter sido a última pessoa q frequentou ela! O mato tomou conta de td desde então!”, foi a desalentadora resposta q tive. Bem, como pra mim e o Ricardo “qto pior, melhor”, ignoramos a resposta do sujeito e prosseguimos mesmo assim, agora determinados com afinco a vencer a subida da montanha em tom de desafio. “Vamo mostrar pra esse monitor florestal q vamo subir o pico mesmo assim, com td esse terror q tocou na gente..”, falei pro meu bravo amigo de pernada.
Após descer um tanto, cruzamos uma ponte amarela q passa sobre um córrego borbulhante, onde desviamos pra direita, sempre tendo audível um ruidoso rio num fundo vale nalgum canto. As bifurcações neste emaranhado de estradas de reflorestamentos se sucedem numa progressão incrível e q chega a assustar, mas não tem erro ou segredo algum. A partir daqui a navegação e o sentido a tomar são meio q intuitivos e visuais, pois basta tomar a estrada q vá de encontro a base do Garrafão ou o selado entre esta e a Esplanada, perfeitamente visíveis de onde quer q seja. Mas, claro, desde q o tempo colabore pra isto, à diferença da minha investida anterior, onde so cheguei na base do pico por pura sorte pois durante td trajeto não tive contato visual nenhum com nenhuma das pedras.
De qq forma, os reflorestamentos foram deixados pra trás e agora palmilhávamos uma estrada rasgando encostas em meio à densa Mata Atlântica forrando ambas montanhas supracitadas. Após subir forte um trecho calçado de paralelepípedos, as 12hrs, temos um belo vislumbre do imponente paredão rochoso da face norte do Garrafão, bem à nossa frente. Aos poucos, bordejamos o sopé deste enorme paredão vertical oeste, besuntado de limo e coberto de gramíneas, bromélias e pequenos arbustos. Observamos as possibilidade de subir á pedra por ali. Impossível, ao menos sem equipo necessário, razão pela qual buscamos uma encosta menos íngreme. A Esplanada tb mostrava seu curioso formato piramidal de onde estavamos, uma vez q a pernada nivela uma vez q se alcança o selado q interliga as duas montanhas. Neste trecho, um oportuno correguinho despejando água as margens da estrada refresca nossa garganta e é enche em definitivo nossos cantis, uma vez q é o segundo e último pto do precioso liquido confiável de td trajeto.
Finalmente, após o meio-dia e andar um tanto pro sul nesse mesmo compasso, em nivel, finalmente tropeçamos com uma enorme clareira à esquerda, enqto a estrada continua em frente pra se perder noutra curva em meio a morraria, logo adiante. Desde Manoel Ferreira já totalizávamos quase 13km percorridos ate ali! A partir dali a navegação é visual, pois a face sul do Garrafão é menos íngreme q seu domo norte quase vertical, e uma visível crista ascendente é perfeitamente visível. O bom senso trilheiro diz q é a esta crista q temos q chegar, basta apenas saber o trecho certo de acesso a ela a partir desta clareira. Azimutamos a bússola na direção desejada e adentramos então na enorme clareira buscando vestígios de alguma picada obvia q adentrasse na mata, as 12:15hrs, e eis q ela surge bordejando a mesma pela direita, quase q escondida. Na verdade não era nem picada pois começamos varando mato (sem mta dificuldade, diga-se de passagem) pelo q pareceu uma antiga estrada menor de reflorestamento desativada, parcialmente tomada pela vegetação, mas cujo sentido ia de encontro a crista supracitada.
Dito e feito, não tardou a encontrar a tal almejada e inconfundível picada q imediatamente sanou td e qq dúvida, pois ela galgava de forma íngreme e desimpedida a crista ate o alto do Garrafão! “Porra, a trilha ta bem batida, evidente e bem freqüentada, pelo visto! O monitor ou não ta sabendo de nada, nunca entrou aqui ou apenas tocou terror desnecessário na gente!”, exclamei. Pois bem, uma vez na trilha oficial bastou seguir por ela, sem erro algum. Contentes por encontrar com uma facilidade ate maior q o previsto a tão almejada trilha tocamos pra cima, sem erro. Com mato caindo por ambos os lados, a picada estava ali, escondida, em desuso, discreta, porém pra quem sabe diferenciar e reconhecer caminhos era óbvio q aquela era a vereda q subia o pico! Dali em diante então foi só alegria!
Começamos subindo forte, nos agarrando inclusive nos finos troncos do arvoredo ao redor, ate desembocar num primeiro ombro de serra onde a pernada arrefece e nivela um pouco. No entanto a partir daqui a picada se vê coberta de mato caindo sobre ela, sejam bambuzinhos ou arbustos maiores ocultando a mesma. Mas observando bem a trilha esta ali, logo abaixo, basta não perdê-la. E lá fomos nos, mergulhando literalmente na vegetação, ganhando altitude num piscar de olhos, fato confirmado pelas breves frestas e janelas na mata a nossa volta. A picada então limpa novamente e a ascensão prossegue sem dificuldades, ziguezagueando agora encosta acima outra vez bem íngreme por degraus de raízes, apenas tomando o cuidado de não escorregar no chão forrado de folhas úmidas. Frestas na mata revelam tanto detalhes do céu azulado como dos picos do entorno, como o Pico do Itapanhaú e, claro, da Esplanada, tb conhecido como Pico do Garrafãozinho e apenas 10m “menor” q o Garrafão. No caminho, pegadas de um animal enorme e pesado despertam a atenção, q logo revelou ser uma anta em virtude dos enormes e arredondados dejetos depositados bem no meio da trilha. Bem, antes uma anta q uma onça. Outro destaque durante a subida foram as cascas de um ovo de coloração azulada encontradas no meio da trilha, q despertou curiosidade em relação ao pássaro q deve ter eclodido de dentro desse trem.
Após um trecho onde tivemos q rastejar através de um gde túnel de bambuzinhos, a picada arrefece em meio à vegetação de altitude e pequenas arvores ornadas de belas bromélias, até finalmente dar no largo e abaulado cume do Garrafão, as 12:45hrs! O topo é de certa forma decepcionante pois é td coberto de mato mediano, arbustos, pequenas arvores e capim, mas dando um jeito é possível um bivaque ou até acomodar uma barraca, amassando mato. Uma breve picada se ramifica e leva num belo mirante com vista pro sul, onde somos privilegiados em apreciar o espelho dagua da Represa Andes e do litoral, q hj se encontra coberto de nuvens. Apenas um marco geodésico de cimento traz algum diferencial a este pico cuja subida calculo não deu nem 300m de desnível ao todo. Bem q tentamos descer pela face norte da pedra, mas tanto a forte declividade como a abundancia de mato fechado diluiu esta intenção. Reparamos tb q o topo da montanha é literalmente um “dormitório de antas”, pois havia vestígios de picadas das mesmas como gdes tufos amassados de campim q revelavam isso.
Contudo, nossa permanencia no topo do Garrafão se limitou a apenas alguns minutos não apenas pelo forte calor e ausência qq de brisa no alto, mas principalmente pela abundacia de nuvens de vorazes pernilongos, q devem ter ficado felizes em mudar seu cardápio de antas pra outras “antas humanas”. Não paravam quietos e havia uns a mais pareciam helicópteros zunindo no nosso ouvido! Hora de descer, claro! Como era de se esperar, a descida foi bem mais rápida e ágil q a subida, e assim tornamos a desembocar na clareira ao sopé da montanha em torno das 13:30hrs, onde nos brindamos com um merecido descanso as margens do mesmo correguinho onde enchemos pela ultima vez os cantis. O calor estava de fritar miolos e o Ricardo não se fez de rogado com direito a se enfiar por inteiro na agua, enqto eu apenas me prostrei na sombra na estrada, onde corria uma agradavel brisa q amenizava o insuportável calor daquele inicio de tarde.
Após beliscar e descansar merecidamente demos inicio a pernada afim de retornar td aquilo q havíamos caminhado ate ali. Sim, pra chegar ai foi um chão e tempo desgracados se comparado com a subida ao pico propriamente dito. Mas de qq forma havia valido a pena.
A estrada, por sua vez, pareceu realmente interminável e a volta foi feita sem pressa, pois engatamos a primeirinha, principalmente nas pirambas. Tb pudera, quase 13km entediantes por enfadonha estrada de terra não é mole não. Cogitamos ate dar um tchibum num dos convidativos afluentes do Rio Biritiba-Mirim ao lado da Estrada da Adutora, já quase no trecho final, mas tanto a presença de gente pescando no mesmo como a sorte de conseguir uma carona (algo raro por la) diluiu essa intenção de mergulho. Nossos benfeitores q nos abreviaram 3km de árdua e penosa pernada foram a Cristina e o Walter, q tem um sitio aos pés da Pedra do Sapo, e nos disseram q estavam montando um refugio ao pé do morro, na tentativa de revitalizar a regiao ecologicamente com trilhas e td mais. Q bom, finalmente o “Sertãozinho do Tietê” sendo reconhecido como point de pernadas!
Uma vez em Manoel Ferreira, as 16:40hrs, desabamos no boteco onde mandamos ver uns salgados e, principalmente, refris e brejas (Eccobier!!), alem de trocar informações com os tradicionais bebuns locais, gdes conhecedores da região. Com um engenheiro de minas aposentado e antigo morador local, o robusto Carlos, soubemos q o pacato vilarejo nasceu em virtude da construção da adutora, la pela década de 30. É bem interessante esta intereção com os locais uma vez q o conhecimento agregado á experiência da pernada soa incomensurável, tornando valida a experiência. Pena q Seu Geraldo tb não estava por la tb pq os causos dele são os melhores. Outra vontade minha era q aparecesse aquele monitor florestal ali pra esfregar-lhe na cara as provas de nossa ascenção ao pico, e mostrar q “tocar terror” nos outros so surte efeito nos desavisados e pouco determinados, q não era nosso caso. E claro q so nos mandamos pra Sampa após duas rodadas, qdo o tempo ameaçava virar e uma breve garoa já refescava aquele inicio de noite.
E com quase 26km percorridos na sola q fechamos a trinca de picos interessantes, belas pedras semi-selvagens e de relativo fácil acesso próximos da urbe paulistana. Juntamente com a Pedra da Esplanada e a Pedra do Sapo, o Pico do Garrafão é mais uma das vedetes pouco conhecidas q se destacam na carta topográfica da região de Mogi das Cruzes, montanhisticamente falando. Isso pq nem mencionei o asfaltado Pico do Itapanhaú e o selvagem Mulher Grávida. É verdade q não detém os belos e amplos mirantes rochosos destes dois outros picos, mas em compensação sua breve e íngreme subida requer o mínimo de bom senso e farejo de trilha, diante das condições atuais de sua óbvia picada. E mesmo diante de tão acanhado desnível, estas qualidades já são diferencial mais q suficientes pra fazer da conquista de seu cume já algo digno de nota. Noutras, um ótimo desafio de final de semana pra desenferrujar as juntas em pleno verão. E sem necessidade alguma em aguardar roteiros sazonais já manjados q dependem de “temporada montanhosa”, na Mantiqueira, Serra dos Orgãos, etc. A Serra do Mar é passível de visitação em qq época, independente de qq condição climática.
Jorge Soto
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