O Lago do Simão 2

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O Ribeirão do Simão nasce no alto da Serra do Garrafãozinho e atravessa tortuosamente o miolo da antiga Faz. São Simão – q deixou de fabricar celulose meados do séc. passado – até desaguar no majestuoso Rio Itatinga, alguns kms a sudoeste. Na verdade, nem sei se esse é o nome correto do regato, mas como não encontrei identificação na carta de Mogi e ninguém da região (inclusive Seu Geraldo!) soube precisar seu nome, resolvi simplesmente apelidá-lo de Ribeirão do Simão por motivos óbvios. Desde q o conheço por rio, a vontade de percorrê-lo até sua foz sempre martelou na cachola. Mas foi neste ultimo domingo q esse desejo se concretizou. Ou quase. Faltou pouco pro final, não tivéssemos sido seduzidos a estacionar num enorme lago natural espremido no meio da serra, onde as águas cristalinas do Simão são represadas calma e convidativamente. E o melhor, sem ninguém por perto. Um verdadeiro oásis no inferno verde.

Não deu nem 10min de caminhada pelo asfalto q logo eu e o Thunder o abandonamos em favor da tradicional “Trilha do Itatinga”, já nos domínios da antiga Faz. São Simão, as 9:10hrs e precisamente na cota dos 780m de altitude. Meia hora antes havíamos desembarcado na Balança na cia de outra galera, cujo provável destino devia ser a Cachu Pedra Furada, no Rio Sertãozinho, ou a Cachu do Elefante, no Rio Itapanhaú. Destinos mais q manjados (e até farofados) da região, embora ela esteja repleta de trocentas outras atrações menos visadas. E menos conhecidas, menos mal, pois assim se mantem a integridade e beleza das mesmas.

O dia estava radiante e digno de cartão postal. O sol queimava nossa cachola enqto adentrávamos a passos largos na Serra do Garrafaozinho, subindo suave e imperceptivelmente em meio uma picada quase q em linha reta, rumo sudoeste, tendo como cia o som onipresente do borbulhante Córrego Biritiba-Mirim à nossa direita. A vegetação arbustiva alta logo deu lugar a bosques de reflorestamento, principalmente pinnus e eucaliptos.

Ao atingir o topo da serra começou a descida pro outro lado, sempre sentido sudoeste, onde agora sim mergulhámos na mata fechada q bordejava ombros serranos do Sertão Novo. A trilha – na verdade, uma antiga estrada tomada de mato – é bem batida e óbvia, com algumas arvores tombadas no caminho mas nada q um desvio providencial não resolva. Me chamou a atenção o chão forrado de pétalas rosas durante td trajeto, sinal do inicio antecipado do outono, ao menos pros ipês e quaresmeiras. No caminho, uma breve parada pra observar algumas tocaias ou “esperas” de caçador dispostas estratégica e discretamente bem do lado da picada.

Ainda descendo pela vereda supracitada e já ouvindo um ruidoso córrego nos acompanhando o tempo td pela direita, curso dágua este alimentado por vários pequenos regatos despencando igualmente pela encosta da serra. Pois bem, estas são as nascentes do chamado Ribeirão do Simão, q não tardamos em interceptar ao cruzá-lo por sobre uma decrépita pinguela, na verdade, um tronco de madeira com alguns apoios. Eram apenas 10:10hrs e havíamos apenas percorrido quase 4km ate ali, segundo o GPS do Thunder.

Pois bem, aqui abandonamos a trilha em favor do rio, uma vez q a idéia era explorá-lo a partir de suas nascentes e o melhor lugar pra começar a fazê-lo era justamente ali. E passando pelas antigas fundações repletas de musgo verde do q já foi outrora uma bela ponte, damos por inicio nossa jornada pelo rio de fato. Saltando de pedra em pedra e alternando ambas margens, este inicio não tem mta dificuldade pq o rio ainda mostra-se bem estreito e sem desnível algum. Ainda assim, poções mais fundos e encostas de mato nos forçam a desviar e contornar alguns obstáculos, fosse no pulo ou enfiando pé na água, diluindo nossa vã esperança em manter os pés secos durante aquele inicio de manhã.

A pernada prossegue nesse mesmo compasso por um bom tempo rio abaixo, eventualmente desviando de uma ou outra árvore tombada no caminho, mas sempre em nível. Alternando margens do leito pedregoso e desviando de piscinas mais fundas ou eventuais pequenas gargantinhas rochosas de fácil transposição nosso avanço mantem um ritmo até ágil. Aos poucos, porém, o rio vai gradativamente se alargando e aumentando de tamanho, recebendo água de pequenos tributários de ambos lados. Numa hora ele aparenta se bifurcar, mas basta tocar pelo principal, isto é, o q tem maior volume de água e q siga sentido sul/sudoeste.

Sem nunca perder altitude e estar sempre em nível, chega uma hora em q ambas as margens elevam-se em íngremes encostas forradas de mato. E boa parte desta vegetação tende naturalmente a cair no rio, tornando o bastante sujo de mato neste trecho, principalmente nas curvas, onde troncos, folhas e galhos acumulam-se aos montes. Agacha ali, desvia aqui e por ai vai. Mas o pior é q aqui o leito deixa de ser pedregoso e passa a ser arenoso, areia esta q faz questão de penetras por qq orifício nos calçados tornando a caminhada meio desconfortável. O receio do atrito da mesma com a bota começar a esfolar os pés nos faz adotar outra tática: evitar o rio e seguir pela encosta, simplesmente varando mato, q aqui não se mostra mto espesso e de facil transposição!

Mas não percorremos nem meia hr pelo mato daquela encosta nivelada q tropeçamos numa trilha batida na margem esquerda do rio. Imediatamente reconheço a mesma de outra ocasião e minhas suspeitas se confirmam. Num piscar de olhos cruzamos com a trilha principal (a “do Itatinga”) até nos deparar com o bucólico “Poço do Simão”, piscinão em q estive mês atrás na cia da Carol e agora mais parecia um ofurô de motel por conta do tapete de pétalas rosas flutuando mansamente por suas águas calmas. Eram apenas 11:25hrs e ali, na clareira de acampamento próxima, tb encontramos dois senhores repletos de tralhas nas costas, q a principio pensamos ser caçadores. Depois soubemos q estavam pescando ali a três dias e estavam indo embora naquela hora.

Perguntamos sobre rotas e trilhas da região – ou até alguma informação q complementasse o q tínhamos – mas me surpreendi ao constatar q conheciam ali tanto qto a gente. A única info avulsa q despertou meu interesse foi a da proximidade de um certo Rio Tabaú, afluente do Rio Grande, mas q não encontrei na carta.
Nos despedimos dos "pescadores" e prosseguimos nossa jornada rio abaixo. Passamos pelo acampamento em q eles supostamente ficaram pelos três dias q mencionaram apenas pra constatar o qto de lixo deixaram ali, infelizmente. Dali parte uma trilha q cruza á outra margem do rio e se espreme pelo mato ate dar noutra pequena clareia com vestígios dum segundo acampamento, dado o lixo e algumas lonas de plásticos ali dispostas.

Sempre seguindo pela discreta trilha, q nunca perdia o rio de vista (agora á nossa esquerda), ela subiu um pouco morro acima ate q se perdeu de vez. Bem q buscamos continuidade do rastro, sem sucesso. Decidimos então esquecê-la e retornar ao rio na base do vara-mato mesmo, no qual logo tornamos a andarilhar pelo seu leito q outra vez mostrava-se pedregoso e relativamente de fácil avanço. E lá fomos nós, retomando nossa rota rio abaixo, sem nunca perder altitude. Desviando de poços maiores e com água quase ate a cintura, as vezes íamos pela encosta apenas pra evitar de ser obrigados a nadar pra seguir em frente. E assim foi durante um bom tempo, sem maiores intercedencias, com o rio cada vez mais largo e fundo.

Mas eis q as 13hrs nossa marcha ininterrupta nos levou ate um lugar q não estava em nossos planos e mudou completamente nosso objetivo naquele dia. Nos deparamos num bucólico remanso onde o rio despencava numa pequena porém simpática cascatinha, represando td sua água cristalina num enorme lago cercado da mais densa e verdejante vegetação. Se existia o Poço do Simão ali devia ser o Lago do Simão, dadas as proporções superlativas daquele recanto paradisíaco. Logicamente q mandamos nossa pernada rumo a foz (q ainda restava um tantão) pro alto e decidimos curtir aquele maravilhoso lugar! E o melhor, sem a presença de muvuca ou lixo nenhum, atestando q o lugar é do total desconhecimento das massas farofeiras!

O Thunder ainda deu uma sondada no GPS pra ver o q havia próximo dali e constatou q o Itapanhaú estava à nossa “esquerda” e o Rio Jundiaí, à “direita”. Pro Rio Itatinga, nosso suposto destino, ainda faltavam alguns bons kms sentido sudoeste. Mas e daí? O lance da imprevisibilidade na exploração é justamente essa: o de curtir mesmo belos lugares q menos esperamos encontrar! Dito e feito, jogamos as mochilas no chão e nos presenteamos com um merecido tchibum, descanso e lanche demorados. O sol forte envolto num céu azul impar naquele inicio de tarde apenas cunhava nossa decisão de permanecer ali, de boa.

Depois de mta curtição e descanso, nos despedimos daquele maravilhoso lugar um pouco depois das 14hrs, dando as costas ao Lago do Simão. Decidimos voltar pelo mesmo caminho por razoes obvias. No entanto, ao invés de seguir pelo rio decidimos ir pela encosta pois a vegetação não se mostrava assim tão espessa e difícil de transpôr. Decisão mais q acertada pois não deu nem 10min de vara-mato q encontramos uma trilha bem batida q acompanhava o regato, ora longe ou afastado dele, mas felizmente indo no sentido desejado.

Dito e feito, logo caímos na bem batida “Trilha do Itatinga”, a qual bastou retroceder ate desembocar novamente no “Poço do Simão”, as 14:40hrs, onde nos regateamos com mais uma pausa pra tchibum. Na sequencia voltamos tranquilamente pela trilha oficial, sem maiores empecilhos, qdo um céu agora cinza começava a trovejar ameaçadoramente. É, nossa decisão de retornar naquele horário havia sido mais q certada, pois uma chuvarada àquela hora tornaria a pernada rio abaixo um tanto mais dificultada. Mas o q prometia ser um dilúvio felizmente se limitou a apenas alguns meros respingos q tornaram a caminhada de volta somente mais refrescante e amena.

Finalmente as 16:30hrs já nos encontrávamos outra vez na Balança, a pto de não perder o bus de volta a Mogi, onde bebemoramos a empreitada na bar ao lado da Estação Estudantes, aquele da “chinesa Quick”. Entre goles de breja gelada e mastigadas de salgados fritos na hora, estavamos mais q satisfeitos pois o Lago do Simão havia sido uma grata e agradável surpresa da nossa trip exploratória naquele dia. E a descida derradeira até sua foz, no Rio Itatinga? Bem, isso pode esperar uma outra oportunidade. O Ribeirão do Simão não vai fugir dali dos arredores do Sertão Novo, onde deve continuar marulhando placidamente durante mto e mto tempo. E quem sabe guardando mais surpresas a serem descobertas ao largo de seu sinuoso trajeto. Surpresas como o belíssimo Lago do Simão.
 
Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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