O Marundito do Pico Pelado

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Marundito é uma rocha metamórfica bastante rara no Brasil e sua gênese está associada à formação do q conhecemos por ouro. Caso ninguém saiba, Guarulhos (SP) teve um longo ciclo de exploração do minério q durou mais de dois séculos, começando de 1597. Resgatando td este passado de elevado valor geológico, foi criado na região o “Geoparque Ciclo do Ouro Guarulhos” q entre seus vários sítios está o Marundito do Pico Pelado, situado no bairro do Cabuçu. Este nada mais é q um morrote doméstico coroado por um belíssimo mirante com panorâmica de td Guarulhos, acessível mediante trilha sussa de menos de 1 hora. Em tempo, um atrativo natureba q em breve pode não mais existir pois será sumariamente engolido pelas obras iminentes do Rodoanel Norte.

 

O quintal da gente sempre deixa pra conhecer no final e é isso q ultimamente venho feito na Gde Sampa, em especial com Guarulhos, “cidade” q sempre desdenhei por considerá-la desinteressante. Por sorte, durante minhas andarilhadas pelo Google conheci a simpática guarulhense Thays Borazanian q, residente apaixonada pela região, montou um site (http://guarulista.wordpress.com/) exclusivamente pra divulgação das particularidades de Guarulhos. Foi aí percebi o quão estava enganado. Nhangussu, Tanque Grande, Bananal e Serra de Itaberaba, entre outros, foram apenas o aperitivo dos atrativos naturebas q a segunda maior cidade do estado de SP possui. Programas interessantes (e desconhecidos) não apenas pros guarulhenses mas pra qq paulistano bem disposto prum rolê semi-urbanóide, de menos de meio-dia. E claro q não pensei duas vezes em aceitar o convite desta blogueira de descendência Armênia pra conhecer o tal Marundito do Pico Pelado, local q já cobiçava mas teimava em pisar por conta da “fama” dos bairros barra-pesada q bordeja. Fama mais q justificada, diga-se de passagem, uma vez q o Pico é “atalho natural” pra tds as comunidades do entorno. 

Tomei o “532 Guarulhos – Jd Acácio” pontualmente as 7:40hrs no Metrô Tucuruvi em meio a muvuca habitual. A viagem transcorreu tranqüila, embora nos limites de Sampa um pequeno congestionamento ameçou atrasar ainda mais o trajeto. O firmamento, por sua vez, exibia tons acinzentados q foram se dissipando no decorrer do período, conforme a temperatura aumentou, pra depois dar lugar a um deslumbrante céu azul. No percurso pela Estrada do Cabuçu, cujos trocentos outros nomes podem confundir o forasteiro desavisado, é impossível não reparar a janela do buso descortinando á direita, estruturas curvadas aparentando conter as encostas verdejantes daquele lado. No entanto, as mesmas nada mais são q tubulações remanescentes da época em q a Represa do Rio Cabuçu abastecia São Paulo c/ o precioso liquido; enqto do outro lado observamos o q restou do atual Ribeirão Cabuçu de Cima, serpenteando seu curso poluído pra desaguar no Rio Tietê, alguns bons kms adiante.

As 8:30hrs saltei na Estrada do Cabuçu no pto combinado, ou seja, na entrada da “Estrada do Marmelo” (atual Rod. Silvestre Pires de Freitas) onde encontrei a Thays e seu consorte, o Edu. O local tb é conhecido oficialmente por Bairro Novo Recreio, embora td ali faça parte do q conhecemos como Cabuçu. Embarquei então na caranga e retrocedemos pela estrada em q viera e, logo após passar pelo Núcleo Cabuçu do PE Cantareira, estacionamos ao lado da Igreja Bom Jesus da Cabeça (km18), onde nos preparamos pro rolê.

Tomamos a estrada de terra logo ao lado da igreja e por ela seguimos desimpedidamente. Ignoramos a entrada prum tal Sitio Esperança e seguimos pela esquerda, mais precisamente pela via indicada como Rua Hansheitelhohl, q denuncia sua forte influência européia. Daqui se anda durante um bom tempo por uma bucólica estrada de chão, onde de um lado temos pinheiros e eucaliptos perfilados enqto do outro abundante mata secundária. A sensação de estar em qq lugar do interior é patente ao ouvir um galo cantar nalgum canto. Mas não tarda a cair a ficha de q estamos nos limites da urbe qdo nos deparamos c/  lixo depositado na encosta, infelizmente. Durante o trajeto, Thays e Edu me colocam tanto a par das curiosidades do lugar como do duro trabalho deles e da falta de apoio por parte das autoridades do próprio município. Não há interesse, sim, embora saibam do valor do trabalho da dupla em prol de Guarulhos. 

Logo adiante, ignoramos uma entrada á direita assinalada como “Sitio do Banco – Jacutinga”, mas a memorizamos bem pq nela retornaremos em breve. Prosseguindo então pela estrada principal, tocamos numa larga descidão q passa por algumas casas esparsas, pra depois iniciar uma subida de baixa inclinação. Visivelmente percebo q estamos num vale, cercado de pequenos morros onde o verde exuberante divide espaço com algum sinal de civilização.
Durante a subida, um poste com uma placa enferrujada nos lembra do nome da rua palmilhada, á direita. Mas é aqui q abandonamos a via e tocamos por uma estreita picada q desce forte pro fundo do vale. A descida é cautelosa pois a picada, de terra batida umedecida, é escorregadia e lembra mais uma vala erodida, com sinais de lixo eventual de ambos lados. Alguns obstáculos surgem no caminho, como mato tombado, troncos e até vegetação teimando invadir a vereda, mas td de fácil transposição. Conforme perdemos altitude o som de água marulhando nalgum canto se faz ouvir, aumentando a cada passo dado.

Dito e feito, em menos de 5 minutos desembocamos no leito pedregoso dum simpático correguinho, cujas águas cristalinas são despejadas do alto duma pequena queda de quase 2 metros de altura., pra depois tomarem seu curso sinuoso em meio a mata. Conhecida localmente como Cachu da Biquinha, o Edu didaticamente me explica q a origem queda esta associada á antiga extração de ouro e q provavelmente teve seu curso original modificado em função disto. Thays frisa q este belo lugar deve desaparecer em questão de meses, pois as obras do Rodoanel Norte fatalmente irão soterrar td aquele vale e, consequentemente, a pequena cachoeira. Pergunto do destino das poucas pessoas q moram ali e ela responde q provavelmente serão recolocadas pra qq outro canto.

Voltamos pra estrada principal e retrocedemos pro local memorizado, lembra? O tal “Sitio do Banco – Jacutinga”, onde cruzamos uma porteira e tocamos por uma pequena trilha ate cair numa estradinha. Daqui já é possível avistar o topo abaulado do Pico Pelado, ao sul, e é pra lá q nos dirigimos sem maior dificuldade. Após passar pelo tal Sitio do Banco – onde uma curiosa placa anunciando o “fim dos tempos” desperta curiosidade – o caminho bordeja um morrote florestado, acompanhados por um riozinho q marulha á nossa esquerda. Mas não demora q cruzar o mesmo, chapinhando um estreito filete dágua. Aqui já é possivel ver sinais do inicio de prospecção das obras do Rodoanel. Banheiros portáteis e alguma mata desmatada corroboram esta assertiva.

Começa então uma suave subida até q cruzamos uma casa á direita. Abandonamos então a estradinha principal e tocamos por uma discreta picada q bordeja a casa avistada pela esquerda, onde estridentes cães podem anunciar nossa presença. O sentido a tomar é obvio e evidente, ate pq o pico esta sempre visível, onipresente, portanto basta tomar direção sentido deste. Mas a subida em meio a um pinheiral perfilado então aperta, arrancando as primeiras gotas de suor escorrendo pela ponta do nariz, auxiliada apenas pelas raizes salientes no trajeto, q servem de oportunos degraus.

Conforme vamos ganhando altitude abandonamos o frescor da mata q nos providenciava sombra pra então emergir no aberto. Da mesma forma os horizontes começam a se abrir e um ceuzão azul toma conta de td. Novamente deixamos a trilha palmilhada em favor de outra, q nasce perpendicularmente e toma direção do pico, a nossa direita. A trilha então começa a subir forte em meio ao baixo capinzal, inicialmente acompanhado por uma cerca, q não demora a ser deixada pra trás. Bordejamos então um primeiro morrote pra então cair no selado q o interliga ao pico principal, onde então a subida aperta de fato. Não tem erro, pois daqui tds os caminhos levam ao alto do Pico Pelado. No caminho, jardins floridos salpicam a pasto assim como os tradicionalmente conhecidos gravatás. E então finalmente as 10hrs pisamos no topo do Pico Pelado, onde uma enorme rocha divide espaço numa larga clareira com algum sinal de fogueira e, acredite, pouco lixo! Mas realmente a vista q se tem daqui é o q mais impressiona. Uma panorâmica de 360º da cidade de Guarulhos e arredores: o quadrante sul é tomado basicamente pela geometria difusa dos bairros próximos, do Aeroporto, de Sampa ao fundo, etc; enqto no quadrante norte se vislumbra mais verde, com destaque pro recorte escarpado da Serra do Pirucaia (já na divisa com Mairiporã) em primeiro plano, seguida pela Cantareira e Itaberaba, logo atrás. O Edu procura entre as rochas vestígios do tal marundito q empresta nome ao sitio, mas termina encontrando apenas topazitos, alguns de diversas tonalidades de cores em função da concentração diversificada de seus minerais.

Vale frisar q o morro é um sítio que integra o “Geoparque Ciclo do Ouro Guarulhos” e tem elevado valor geológico. Por ser um parque em estagio inicial (isto é, no papel) ainda não há o apoio nem infra necessária pra preservação total do mesmo. Dificil é tb acreditar q o Rodoanel Norte vai ainda por cima passar por aqui nalgum canto, descaracterizando gde parte da paisagem q se tem atualmente. Enfim, parece q o preço do “desenvolvimento” seja fatalmente esse, onde as necessidades de muitos superam as de poucos. Inclusive as da própria natureza, o q não deixa de ser bastante ambíguo. Ambiguo pois existe uma proposta em andamento em transformar o sitio em Patrimonio Natural da Humanidade, de modo a diminuir os riscos de depredação ou destruição natural do mesmo.

Após muita contemplação e algum descanso, voltamos pelo mesmo caminho, conversando justamente sobre o impacto q o Rodoanel deve causar ao lugar e do q pode ser feito pra minimizar o mesmo. Na volta, tivemos uma breve parada na Igreja Bom Jesus da Cabeça e posteriormente, ao meio-dia, encostamos numa padoca pra conversar mais a respeito das gdes mudanças q estão por vir ao Pico Pelado. No caso, apenas a divulgação pra conscientizarão do fato deve ajudar alguma coisa, suponho. Mas não, a ajuda tb deve vir de cima, de apoio. E patrocínio. Me despedi logo depois dos meus amigos, matutando a respeito da “tormenta” q deve cair por aqui dentro de alguns meses. Mas é de se esperar q depois da tempestade venha uma habitual bonanza. Tomara mesmo.

Finalizando, à diferença dos antigos extrativistas, Thays & Edu não estão atrás de ouro e sim exploram minuciosa e esmeradamente o bairro em q foram criados. Seu tesouro está mesmo nas particularidades escondidas em cada rincão do municipio, q guarda não apenas rochas raras sepultadas na segunda maior cidade de São Paulo. Guarda tb inúmeras belezas naturais ainda pra serem preservadas, como por exemplo a Cachu da Biquinha e o Marundito do Pico Pelado.  E entre um percalço ou outro nesta batalha desigual, onde se bate de frente com gdes interesses empreiteiros, o casal – assim como o pessoal do “Geoparque Ciclo do Ouro Guarulhos” – traz à luz um pedaço esquecido da Historia de Guarulhos. Nem q seja de ponta a ponta.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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