O melhor caminho entre Petrópolis e Teresópolis

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Como não poderia deixar de ser, é a Serra dos Órgãos a eterna inspiradora dos bem aventurados viajantes que vão de Petrópolis a Teresópolis.


Entre outros, os pintores, fotógrafos, naturalistas e poetas, mas são os montanhistas os freqüentadores mais assíduos dessa terra encantadora. É sob a ótica deste grupo que o trajeto será discutido a seguir.

A travessia Petrópolis-Teresópolis, como é referida pelos amantes das montanhas, é uma caminhada que atravessa o eixo principal da Serra, ligando a Pedra do Açu à Pedra do Sino.

 O ponto de partida é a portaria do Parque Nacional, criado para proteger a magnífica natureza local, a beleza cênica de seus picos, além de propiciar a visitação de forma ordenada. Entretanto, ordem não é uma virtude entre os moradores da região.

Um colega chegou a dizer que aquele pedaço de Petrópolis parecia o Paraguai e eu mesmo achei que estávamos subindo uma favela quando nos dirigíamos à portaria do parque. Do lado de dentro percebe-se a falta de orientação por parte dos atendentes, tendo como resultado óbvio a abandono de lixo e depredação causada pelos menos orientados.

O trajeto pode ser caracterizado como uma trilha aberta e sem dificuldade técnica, exceto em uma passagem, com desnível máximo de aproximadamente 1000 metros, percorrendo a floresta pluvial montana e altomontana, campo de altitude e lajes de rocha granítica. A duração é de aproximadamente três dias, mas ele pode ser percorrido em apenas um, caso decida-se levar uma mochila pequena com comida, água, lanterna e roupa de abrigo.

O número máximo de visitantes é limitado, entretanto, mesmo com lotação máxima não há falta de lugar onde acampar, sempre próximo à água. Essa característica, aliada a falta de educação de algumas pessoas, acaba por comprometer a qualidade do líquido, sendo preferível purificá-lo de alguma forma.

A orientação é problemática apenas no trecho intermediário, entre o Açu e o Sino. Deve-se prestar atenção na marca da trilha sobre o terreno, seja campo ou rocha. Isso dispensa o uso de bússola, mas obviamente requer alguma experiência do montanhista. Caso este não se sinta preparado, deve então prestigiar o trabalho dos guias da região.

A trilha inicia com uma subida íngreme sob uma mata devastada que aos poucos retoma seu lugar e sua beleza. À esquerda um rio encachoeirado dá o tom da sinfonia. Além dele, ergue-se um paredão colossal pontilhado por bromélias. Adiante o caminho cruza um riacho, passa próximo a uma cachoeira e continua serpenteando até alcançar a Pedra do Queijo.

A paisagem passa a ter os picos mais altos como castelos protegidos por muralhas de rocha. Abaixo deles a floresta tropical guarda alguns regatos, alimentados pela água que escorre desde o campo de altitude. A trilha prossegue acompanhando uma crista até encontrar a primeira área de acampamento, denominada Ajax. Dali ela toma maior inclinação até o alto denominado Isabeloca.

Desse ponto em diante o campo de altitude recobre a superfície convexa das montanhas. Onde não há vegetação o terreno revela lajes de rocha. Ambos facilitam a caminhada até os Castelos do Açu.

Do cume, ao lado da cruz, é avistada a Pedra do Açu (2.245 m). Na realidade, trata-se de um conjunto de blocos colossais que um dia foram, de fato, um único bloco com aproximadamente 50 metros de comprimento por 15 de altura. A sua forma leva a crer que as fraturas ocorreram após a erosão do substrato da base, o que ocasionou um fissuramento do bloco que não suportou seu próprio peso.

A trilha passa ao lado e desce até a nascente próxima ao Açu. Depois atravessa um campo e desce por um rampão, retomando a subida pelo campo até atingir um cume largo. Então desce novamente, entra numa belíssima mata repleta de cactos epífitos de flor lilás, sobe abruptamente até reencontrar a vegetação herbácea que conduz a outro cume amplo. Olhando abaixo se vê um riacho com água abundante. A trilha desce até ele e segue paralela em direção à ponte que transpõe o próximo curso d’ água.

O trajeto prossegue com grampos na forma de escada cravados à rocha íngreme, conduzindo a um patamar diante da ravina do rio Soberbo e do maciço Sino-Garrafão. A paisagem é deslumbrante e uma rápida procura pelo melhor ângulo fotográfico é recompensada com uma imagem digna de pôster.

A trilha atravessa outra montanha, sempre sobre campo e rocha até encontrar o Vale das Antas onde há um riacho com água abundante. Então torna a subir pela floresta que aos poucos dá lugar à vegetação rasteira, galgando o Morro da Baleia. À direta, novamente o Sino e o Garrafão sobressaem na paisagem. É conveniente dedicar alguns minutos a contemplação, sentar à beira do penhasco e esquecer do resto.

Uma atmosfera envolvente hipnotiza o observador que se vê diante do sublime, altos picos e paredões empinados a prumo, onde espécimes verdejantes agarram-se como podem contra toda a força da indefectível gravidade. A rocha nua materializa o sonho do escalador que vê nas falhas, fendas e fissuras, a linha de superação e glória. Todo o medo, inclusive a luz que ousa penetrar no vale é tragada pelo vazio que paira sobre ele. A mágica é o aparecer e desaparecer das nuvens e andorinhas, que dão movimento e som a estática dos despenhos. Lendário instante em que a alma suspira.

Retomando a caminhada em direção à Pedra do Sino a trilha desce e ultrapassa a falha que divide as montanhas, então sobe através o trecho mais íngreme da travessia, uma seqüência de “escalaminhada” com lances expostos, entre eles o do “cavalinho”, quando se faz necessário montar sobre um bloco à beira do penhasco.

Logo adiante surge uma bifurcação. A direita sobe ao cume da Pedra do Sino (2.263 m), a esquerda desce até o abrigo 4. O cume do Sino é amplo e permite um bom panorama de 360 graus. Em dia de céu limpo é possível avistar a babilônia carioca, entre outras cidades.

Após o abrigo o caminho decresce acompanhando suavemente as curvas de nível até terminar na estrada do parque, já em Teresópolis. A beleza desse trecho fica por conta da floresta, primeiro a altomontana e depois a montana. Nela é possível ouvir o som dos pássaros e outros bichos, inclusive do rio que verte no vale à esquerda da trilha.

A travessia termina na sede do parque, que desse lado é organizado e com a infra-estrutura adequada. Entre as unidades de conservação em ambiente de montanha, esta sai na frente, pois reconhece que o estilo de visitação é diferenciado. Aqui o montanhista é tratado como tal e não como um marginal. Outro ponto positivo é a flexibilidade de horário, ou seja, o visitante não vai pra cadeia se a caminhada atrasar um pouquinho. Os gerentes “do cadeado no portão” deveriam fazer um estágio na Serra dos Órgãos, assim todo mundo sairia ganhando, os gestores, os visitantes e a natureza.

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Sobre o autor

Marcelo Brotto é montanhista, ex presidente do Clube Paranaense de Montanhismo e engenheiro Florestal formado pela UFPR.

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