O Morro do Gato Preto

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No ano de 1914 foi construída a “EF Perus-Pirapora” com o intuito de escoar o cal q traria o desenvolvimento a td estado de São Paulo. Naquele ano, a estação Gato Preto, situada hj as margens da Rod. Anhangüera, era cenário de puro progresso sendo um dos vilarejos q prosperavam no extremo dessa ferrovia. Pois bem, a idéia era apenas subir o modesto serrote q serve de sentinela ao q restou desta outrora impostíssima estação ferroviária, q não deve em nada no quesito valor histórico à sua vizinha mais charmosa, Paranapiacaba. Contudo, esta breve e despretensiosa pernada de meio-dia não só alcançou o belo visu descortinado pelo morrote, informalmente chamado de Gato Preto. Constatou tb a melancólica ausência do poder público perante um patrimônio inestimável, cujo abandono simplesmente soterrou parte da valiosa história do Estado.

Quando passei pelos "Fornos de Ponunduva", alguns meses atrás, mal sabia da enorme riqueza histórica q estava ali nos arredores de Cajamar, seja soterrada, tomada pelo mato ou simplesmente largada à própria sorte. Imediatamente me deu na telha zanzar pro q restara do antigo Pátio da Gato Preto, patrimônio datado do início do século passado e situado a sudeste do município. Emendando ao rolê, claro, a subida do morrão vizinho de modo a ter meu quinhão merecido de pernada básica. Prevendo q quiçá aquela região fosse "propriedade particular" de alguém, estudei acessos alternativos com antecedência através de imagens aéreas e pela carta da região. Só assim pra não perder a viagem, prevista pra ser um circuito "histórico-natureba" pruma manhã de domingo qualquer.

Dessa forma, tomei o intermunicipal da Urubupungá com destino a Jordanésia por volta das 8:10hr na Lapa. Viagem q transcorreu tranquila e mais rápida q o previsto, cujo destaque maior são as escarpas magnificas do Pico do Jaraguá elevando-se na janela a nossa direita. Contudo, com cerca de meia hora de rolê rasgando a Rod. Anhangüera (SP-330), salto no pto do km 36, faltando apenas pouco pra chegar no destino final. Qq coisa basta deixar de sobreaviso o cobrador pra descer no bairro do Gato Preto.

Pé no asfalto exatas 8:45hrs, retrocedo alguns metros (isto se vc não descer no pto sgte, onde é preciso cruzar a passarela) e me vejo no pacato bairro supracitado, q se resume a uma rua principal e um monte de casinhas coloridas repletas de parabólicas orbitando a mesma. A capela do Sagrado Coração de Jesus é testemunho de como a construção da rodovia dividiu, literalmente, o bairro em dois. Eu estava na parte do bairro q ainda existe, devagar e quase parando, buscando sobreviver do jeito q pode. Mas vamos a q realmente me interessa, ou seja, a estação ferroviária, sua vila e fábrica de cal, situadas do outro lado do asfalto.

Cruzei pro outro lado da Anhangüera através dum estreito túnel q dá este acesso e num piscar de olhos me vi no pontilhão sobre o Rio Juquery-Mirim, q marulha mansamente na direção sul. Ali já podia avistar bem as modestas corcovas do serrote q pretendia alcançar, mas despertou-me mais a atenção o fato de simplesmente não avistar nada na sua base, a não ser um terreno vazio e repleto de entulho. Ali, em tese, deveria haver uma vila quase q similar à de Paranapiacaba e td mais. No entanto, não havia mais nada!

Ignorei a via q dá pra antiga Copasa, cruzei uma corrente q se interpunha no caminho e imediatamente soube q ali não era permitido adentrar, fato corroborado pela presença de um tiozinho q, carrancudo, imediatamente veio na minha direção. Esse tiozinho, q pediu pra não se identificar, percebeu q eu apenas queria saber da história local e assim mostrou-se bem prestativo no quesito infos locais. Disse q agora a área da antiga estação é particular e agora pertence a Pilar Empreendimentos, dum tal de “Português”, q pretende transformar td ali em áreas pra galpões industriais. Assim como eu, lamentava e muito a demolição de td um rico patrimônio q ainda resistia até ano atrás. "De um dia pro outro vieram aqui, despejaram td mundo q morava aqui (realocando-os em bairros periféricos de Cajamar) e começaram a derrubar tudo. A mata, consequentemente, tb sofreu e mtas arvores centenárias foram "assassinadas" nesse processo.

Nostálgico, o tiozinho apontava pra cada canto desolador e descrevia com detalhes o q havia em cada um deles. As oficinas, as moradias, a escola, o pátio de máquinas, um lago onde se pescava (e hj aterrado), uma caixa d’água, o duplo lance de trilhos q corriam paralelos, o britador, a chaminé, etc.. Esperança de avistar algum vagão ou locomotiva? Nenhuma. Francamente, a impressão q tive era a q havia passado um tsunami derrubando td, dada a qtidade de entulho acumulado. "É, foi um tsunami imobiliário q passou, precedido por um `terremoto´ de politicagem..", emenda o tiozinho não querendo dar "nome aos bois". E claramente dando a entender q “molharam a mão” de alguém pra permitir a derrubada de td. Logo, fica a critério dos leitores identificar os “bois”.

Nunca senti na pele o descaso do poder público perante um lugar q conta a História de Cajamar. Mas pra não dizer q td aquele fantástico parque industrial do século passado virou pó ainda há o q restou do forno de cal e o pilar de sustentação da antiga ponte ferroviária, por onde as mesmas vinham das cavas de cal. Fiquei passado pq, a diferença dos Fornos de Ponunduva, ali nada mesmo fora poupado. Mesmo vendo fotos do ano anterior q afirmavam q td aquele patrimônio seria tombado pelo Condephatt, q pelo visto não tem mta utilidade.

Me despedi do tiozinho e dei continuidade a minha jornada, ainda tentando digerir o q havia ocorrido ali no outrora Pátio da Gato Preto. Bem, como não teria acesso ao serrote por ali o jeito foi buscar alternativas pelo contraforte sul. Dessa forma tomei a "Estrada do Limoeiro" e passei a acompanhá-la, pois a via bordejava ia bordejando a base dos morros visados, ao mesmo tempo em q estudava um local apropriado pra investir nos mesmos.

Mas foi somente por volta das 10:30hrs q consegui abandonar a rodovia, ao tropeçar com o aceiro de Dutos da Petrobrás q rasgavam a serra de norte a sul. Pronto, era ali mesmo o acesso q buscava. Dali em diante bastou tocar por uma discreta picada q ia de encontro a base dos morros visados, inicialmente tranquila e sussa, mas depois com mato até a altura da cintura. É, tomar estes aceiros nem sempre é sinônimo de pernada sussa. Contudo, qual minha surpresa de me deparar com vestígios concretos da EF Perus-Pirapora, sob a forma dum pontilhão metálico e alguns trilhos remanescentes tocando na direção oeste.

Dando continuidade à minha jornada de rasgação de mato, não demorou e me deparei com mais um obstáculo considerável. Um riozinho, estreito, fundo e sujo barrava meu avanço, q pela descrição da carta deveria ser afluente do Córrego dos Cristais ou do Bom-Sucesso. Pois bem, ali eu não molharia o pé nem a pau, razão pela qual procurei algum vestígio de pontilhão ou algo q servisse como. Mas buscando bem encontrei um trecho mais estreito do ribeirão onde havia um tronco cruzado unindo ambas margens. Dureza foi me equilibrar por ele de modo a não despencar na água, resultando numa travessia meio adrenada ao mesmo tempo q me firmava no mato q tivesse a disposição.
Uma vez na outra margem respirei aliviado, rasguei mais um mato e me vi palmilhando o vão deixado pelo aceiro novamente, q cada vez mais se mostrava mais fácil de pisar, embora houvesse trechos alagados pois a área em si era de várzea. Mas logo pisei no sopé da serra comecei a subi-la sem gdes dificuldades em seu primeiro terço. Contudo, sem trilha, o desnível logo apertou e me vi forçado a ganhar altitude me firmando no capim em volta, pois além de íngreme o chão se mostrava bem escorregadio. Na subida, ao desviar dum tronco caído despertei a ira de alguns marimbondos q conseguiram me carimbar dolorosamente o braço e o peito. "Filhosdaputa!", vociferei.

Alcancei o selado da serrinha cerca de meia hora depois, tendo a brisa fresca soprando o rosto sujo e suado. De onde estava avistava perfeitamente o vale do Pátio da Gato Preto de outro ângulo, assim como a Rod Anhanguera e td mais. Dali abstou tomar um rabicho de picada q ia na direção desejada, ou seja, galgava a encosta da serra suavemente, sem percalços maiores. A mata secundaria e os eucaliptos logo deram lugar a um terreno calcinado e mta mata queimada. O cheiro forte de cinzas se mesclava a outro odor desagradável q vinha do norte, no caso, da enorme cratera q corresponderia ao Lixão de Cajamar.

Mas ignorando este detalhe prossegui a subida até q finalmente pisei, as 11:30hr, nos modestos 920m do alto do serrote do Gato. Duas antenas de telefonia coroam aquela cumieira cercada de reflorestamentos, mas cujas oportunas janelas permitem visu das cidades ao redor, como Polvilho, Jordanésia, Barueri, Osasco e, claro, Cajamar. Descansei sentado numa pedra e aproveitei pra beber duma vez só os 500ml de água q levara. Uma barra de cereal complementou meu lanchinho improvisado.

Dali bastou descer pela precária estradinha q sai duma das torres e vai na direção de Cajamar, ou seja, noroeste. Perdendo altura rapidamente desemboco numa estrada de pedregulhos maior. Foi qdo vi a placa "Cuidado Explosivos – Vc está sendo filmado" q reparei q estava em propriedade particular. Tentei buscar alternativas pra vazar desapercebido mas acabei me conformando de q era mais seguro sair pela porta da frente mesmo. Prossegui pela estrada e logo apareceu uma saveiro onde surgiram dois seguranças me interrogando de td e mais um pouco. Expliquei minha situação e eles gentilmente me convidaram a sair dali, onde não recusei a carona até a entrada do lugar, q só depois vi q era a "Pedreira Votorantim".

Na sequência bastou tocar pela via principal até a Praça das Lavrinhas, centrão de Cajamar, onde bebemorei o  rolezinho enqto aguardava conduça pra Sampa. Na verdade nem sabia se havia algo q comemorar. Entre um gole e outro, buscava compreender como q um tesouro como o Pátio da Gato Preto teve um destino tão inglório e diferente da vila de Paranapiacaba. Ou pelo menos, como as coisas chegaram até esse ponto. Se nem as supostas leis protecionistas do patrimônio histórico conseguem dar conta o q será do q ainda resta pra conservar? Esse é mais um passo q o poder público dá na contramão, em total desrespeito e falta de comprometimento moral com q realmente importa. Resta torcer pra q agora o Serrote do Gato Preto, q testemunhou o apogeu e fim da estação do mesmo nome, não seja novamente um espectador melancólico do pouco q resta do que tem por lá.

 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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