O Morro do Mateus

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Coroado por uma antena de telefonia, o Morro do Mateus passa desapercebido perante seu vizinho mais ilustre, o Morro da Placa. Também pudera. Situado no setor mais distante de Cajamar (SP), no extremo norte do conjunto serrano principal, além de 70m mais baixo q o sentinela do município, o Morro do Mateus aparentemente não oferece nenhum atrativo a não ser uma bela e diferenciada perspectiva do seu notório vizinho. De fácil acesso, eis aqui um circuitão de quase 20km (e desnível somado acumulado de 700m) onde emendamos a subida deste simplório morrote doméstico a outros atrativos menos conhecidos do setor noroeste de Cajamar: a Cachu do Britão e o Morro da Coruja.

Me vendo subitamente livre de compromissos e responsas dominicais, fui logo bisbilhotar alternativas de rolê às pressas. De preferência de fácil acesso e viável por transporte público. Como havia deixado algumas pendências na minha última visita a Cajamar, foi esta logo a decisão mais q certeira. Se na primeira fora feito reconhecimento inicial pelo serrote da Placa; na segunda, perscrutado seu setor sudoeste, indo até os Fornos de Ponunduva; desta vez minha idéia era ir além do limite norte do serrote principal.
 
Sem gde necessidade de levantar cedo me pirulitei pra Rua Clemente Alvares, na Lapa, onde parte boa parte das conduções em direção a Cajamar, Jordanésia, Polvilho, Santana do Parnaíba e adjacências. Dureza é constatar q a única linha q me serve (“055 – Cajamar Centro”) só tem um ônibus circulando aos domingos, e o tempo de espera é relativamente beeeem longo. Paciência, né? E com essa virtude de Jó foi q aguardei um tempão o coletivo em questão, onde aproveitei os botecos próximos pra mandar ver um breve e sarado desjejum.
 
Embarquei finalmente no intermunicipal azulzinho as 8:30hrs, e logo nos vimos rodando pelo suave asfalto da Rodovia Anhanguera, q nos presenteia com belo visual do Pico do Jaraguá boa parte do trajeto. O fato é q saltei nos 650m de altitude do centrão de Cajamar por volta das 9:30hr e imediatamente me coloquei a andar, tocando pelas ruelas na direção norte. Dali bastou seguir até a esquina da Faculdade Padre Anchieta e tocar pela Rua Pedro Domingues, q logo se torna uma precária e empoeirada via de terra. Daí em diante não tem mto erro pois basta seguir sempre sentido oeste, isto é, pela via principal e ignorar qq bifurcação lateral. 
 
Como tava sozinho me vi com certa flexibilidade de roteiro e de ritmo, motivo q apressei o passo de modo a avançar o mais rápido possível, pois sabia q o q tinha em mente era um circuito por sinal beeem extenso em quilometragem. Cruzadas algumas chácaras e sítios, imediatamente a floresta densa parece nos abraçar conforme procede o avanço, até aqui em aclive quase imperceptível. É somente após uma última e simplória casinha com estridentes cães q a subida aperta de vez, e o q era uma larga estrada de chão se torna uma vala íngreme e erodida q serpenteia a encosta da serra morro acima.
 
Num piscar de olhos a vegetação reduz seu tamanho, ganha altitude considerável e os horizontes abrem-se consideravelmente a minha volta, permitindo avistar tanto as três cristas q acedem o maciço principal, paralelas entre si, como o próprio maciço, forrado de reflorestamentos e corado por sua “orelhinha metálica”, a famosa “Placa de Cajamar”. Mas logo surge a primeira bifurcação de muitas e, ao invés de seguir pela principal morro acima (oeste), tomo sua vertente da direita q acompanha a dobra da serra na direção norte, descendo suavemente. O caminho se estreita um pouco mas ele é bem evidente, não tem segredo. Infelizmente, o q me chama atenção mesmo neste trecho são as encostas do setor norte, parcialmente peladas e enegrecidas por alguma queimada recente.
 
Seguindo sempre por esta ramificação não demora a meus ouvidos serem inundados pelo som inconfundível de água, e esta é de fato encontrada logo adiante, mais precisamente numa dobra estreita da encosta serrana. As 10:20hrs me vejo ali na “Cachu do Britão”, onde a agua se despeja numa lajota de quase 2m de altura pra depois seguir seu curso morro abaixo. Sim, está mais pra bica q cachu, mas nesta serra agreste, seca e árida essa fonte d’água é preciosa. Eu q o diga, pois àquela altura do campeonato já tava morto de sede e não estava portando cantil algum, confiando piamente naquela valiosa fonte, usada igualmente pelos bikers ou motoqueiros q circulam por aquelas bandas.
 
Mas eu não me conformei unicamente em permanecer na base da simpática e oportuna quedinha e quis ir além, onde nem biker ou motoqueiro conseguem ir. Ou seja, subir o córrego da dita cuja. E assim escalaminhei as primeiras pedras e dei num patamar levemente nivelado, de onde via o sinuoso curso d’água despencar noutras pequenas quedas, mais acima. Dali bastou simplesmente tocar pra cima, ora pelas escorregadias pedras do correguim ora pelo chão de terra compacta q o bordejava. No caminho, vários pequenos remansos convidavam a uma parada mais reservada e demorada. Mas como tava ciente q minha exploração seria breve por estar somente no início da pernada, me limitei apenas a curtir os pequenos pocinhos e quedas (relativamente rasos por conta da estiagem brava na região) dos primeiros 50m serra acima. Quem sabe numa próxima ocasião me animo a subir por completo este córrego e ver onde diabos ele nasce ou deságua, né? Taí algo pra vc descobrir.
 
Revigorado, dei continuidade a pernada ainda tocando pela via palmilhada, sempre pro norte, q se alternava num chão terrivelmente erodido e uma via cascalhada. Foi aqui q a subida apertou pq o caminho embicou de tal forma q fui obrigado a várias paradas pra retomada de fôlego, mas q conforme avançava me presenteava com uma vista generosa – quase alpina até –  de td caminho palmilhado até então. Uma vez num ombro serrano mais acima, a declividade amansou e imediatamente me vi numa encruzilhada de conexão com outra crista (a terceira) q acede o topo, onde toquei pra esquerda, ou seja, pro alto. Daqui não tem mais erro pois basta sempre se manter na principal.
 
Como me encontro no setor norte do maciço, daqui já é possível avistar o Morro do Mateus a noroeste, separado unicamente por um fundo vale. Existem algumas vias menores laterais q descem td este vale e vão de encontro ao Mateus, mas opto por me manter pela principal (com perda mínima de latitude) pois ela dá num selado de ligação do maciço principal com o Mateus, q é a rota mais sensata e menos desgastante, claro! Dessa forma, a via meio q contorna um trecho reflorestado final até finalmente dar no alto da serra, onde desemboco numa picada maior com opção mais q obvia: p/ esquerda leva á placa enqto a da direita toca pro Mateus. Simbóra pela da direita enton. Navegação mais q visual e fácil demais.
 
A vereda então desce o selado em questão alternando trechos suaves com outros bem íngremes, bordeja voçorocas de samambaias pra subi-lo em seguida num forte aclive. E assim, as 11:15hrs alcanço os quase 1000m do alto do Morro do Mateus, cujo largo topo é basicamente dividido por espesso arvoredo e uma antena de telefonia celular. Sentado a sombra dum eucaliptal e tendo rosto soprado pelo vento, é possível avistar td a escarpa da Serra do Japi preenchendo o quadrante norte; enqto por entre uma janela do arvoredo tenho uma linda vista enquadrada q exibe tds as corcovas abauladas q integram o serrote da Placa, ao sul.
 
Descansado e bem mais disposto, retorno pelo mesmo caminho e me mantenho pela via de pedregulhos q percorre td crista do serrote principal, sem problema algum de navegação. O vento sopra forte e suaviza o calor sufocante do calor do quase meio-dia, ao palmilhar um trecho descampado de trilha q bordeja um fundo abismo da encosta oeste do maciço principal. O firmamento está estupidamente limpo e isento de qq interferência atmosférica desde o início do dia, o q me faz lamentar não ter trazido boné a tiracolo. Mas como quem está na chuva é pra se molhar, prossigo minha pernada de forma compassada e ininterrupta.
 
Ignoro a bifurcação q leva a Placa e me mantenho pela via principal, agora descendo a serra na direção sul. Contudo, não demora pra abandonar a via palmilhada em prol duma discreta ramificação pela esquerda q desce, de forma bem erodida, a encosta leste do maciço. Perdendo altitude e deixando a placa pra trás, não demora pra dar de cara no “Bar do Antonio”, um improvável boteco situado nas entranhas desta serra, um oásis em meio aquele calor escaldante das quase 12:20hrs. Claro q encosto na aconchegante sombra do lugar e mando ver uma breja bem gelada antes de dar prosseguimento a minha jornada. Já estivera ali antes e conversando com seu dono, o Antonio, não é difícil reparar q o lugar é point carimbado da galera de duas rodas q dá seus rolês pela região. Por mim ficaria ali a tarde toda, entornando, mas como ainda tinha algo de 2hrs de árdua pernada pela frente coloquei o freio na deliciosa bebedeira.
 
Por volta das 13hrs zarpei dali, meio q a contragosto, e tomei uma trilha bem íngreme q descia a serra vertiginosamente. Uma sugestiva placa com sinal de “caveirinha” indica o acesso desta vereda, situada bem na frente do bar. E tome descida forte, onde buscava me firmar em qq coisa a minha volta, seja pedra, arbusto ou tronco, eventualmente fazendo uso do “quinto apoio”. Mas uma vez lá embaixo, num entroncamento de vales, o caminho suaviza e se mantem assim por um tempo até a piramba sgte, q embica no alto e, em árdua e penosa subida com sol cozinhando miolos, me leva pruma crista paralela a qual chegara até ali. Não tem mto erro, daqui o sentido é obvio, sempre pra leste e se manter no cumeira de morros. 
 
Através duma última olhada por sobre o ombro me despeço do maciço da Placa, q vai sendo lentamente eclipsado pelas sucessivas corcovas daquela crista secundária, conforme avanço. Trechos abertos se alternam com eucaliptais aqui e ali, q oferecem algum aconchego de sombra. Contudo, recém saindo dum resfriado, junto ao forte calor emanando do chão, a noite mal dormida, a quilometragem excessiva e o desnível acumulado cobram seu pesado tributo e logo me vejo botando os bofes pra fora, literalmente me arrastando, torcendo pra chegar logo em Cajamar. Algum sobe e desce q noutras circunstâncias pouca diferença fariam, hj são sentidos até o sabugo da unha, com direito até pernas tremulas e alguma fadiga. 
 
No último cocoruto daquela interminável crista descendente, onde desprezo qq saída lateral até cruzar por baixo das torres de alta tensão, a vereda desemboca noutra picada maior. Pra esquerda me leva pro alto do Morro da Coruja, enqto q a outra me leva pra Cajamar. Assim, respiro fundo e encaro uma última e breve subida q nunca pareceu tão penosa assim, pra logo desembocar nos 900m do alto do Morro da Coruja, dominado por torres de todos os tipos e formas. Ali, me brindo com um minuto de descanso sentado a sombra dum pinheiro, tendo uma vista maravilhosa de td Cajamar, esparramando-se a meus pés.
 
Missão cumprida, retomo os finalmentes da pernada pra descer o restante da interminável vereda, q contorna o morro pela direita e termina desembocando na frente da “Igreja Apostólica Torre Forte”, as 14: 40hrs. Dali pra “Praça das Lavrinhas”, centrão de Cajamar, foi um piscar de olhos. Por infelicidade (ou não) qdo cheguei tinha acabado de zarpar um buso pra Sampa, sinal q minha espera seria de quase 2hrs! Paciência, encostei no “Bar dos Amigos” e não me fiz de rogado nessa longa e “sacrificante” espera, regada a muitas brejas e churrasco de graça, cortesia da casa naquele dia.  Pensando melhor, foi bom ter perdido o busão, q so tomei as 16:30hr.
 
E assim findou mais um domingão improvisado nos arredores de Sampa, nos cafundós de Cajamar. Sim, são altitudes e serras próximas q não se comparam, por assim dizer, a uma Mantiqueira ou Serra do Mar, apenas pra citar algumas. Mas são programas rápidos, próximos e acessiveis q garantem a contento uma aventurinha básica ou algum desafio despretensioso por morrotes domésticos urbanóides. Aqui perto há uma profusão de outros pequenos serrotes q podem ser emendados, como o Morro do Neli e o Morro do Rosário, este último situado em Jordanésia. Mas isso aí já é assunto prum próximo vindouro relato, com certeza.
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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