O morro do Sete

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A recente noticia de um trio desaparecido no Morro do Sete (PR) reascendeu a antiga ideia de colocar os pés em seu cume. Montanha mais setentrional da chamada Serra da Farinha Seca, o morro recebe este nome pois no seu proeminente paredão rochoso voltado pra Estrada da Graciosa (PR-410) há uma fenda no granito q desenha o número 7.

Apesar de pouco frequentada, a subida ao alto dos seus 1380m é de fácil navegação e breve, tanto q pros curitibanos é montanha de bate-volta. Contudo, pra quem é de fora (como a gente) vale a pena uma ascensão com pernoite nos escassos e precários locais disponíveis ao largo da trilha. No caso, ficar mocozado no cume do Morro Mãe Catira, montanha que antecede e dá acesso ao Sete.
Conseguindo raro final de semana inteiro livre, não pensei duas vezes em agitar às pressas um rolê com pernoite no Morro do Sete (PR), lugar que desejava visitar faz tempo. Ainda mais com relativa boa previsão meteorológica praquelas bandas da Serra do Mar paranaense, onde a chuva e nebulosidade são recorrentes. Tb estava ciente da dificuldade e até da inexistência de local decente pra passar a noite, uma vez q até as infos dos próprios amigos paranaenses (gentilmente passadas pelo Fiori e Getúlio) eram meio desencontradas nesse sentido. Por isso o grupo deveria ser o mais enxuto e desencanado  possível. Assim, as cobaias daquele rolê imprevisível surgiram naturalmente e se resumiram ao Rodrigo, Juliana e Carol (q levou a pulguenta Chiara), q toparam o q der e viesse. “Olha, não sei se vai ter lugar bom pra acampar. Quiçá a gente tenha que bivacar desconfortavelmente num lugar úmido, estreito, irregular e enlameado, topa?”, frisei, de maneira a não ter reclamações. Todos toparam.
Saimos de capital paulistana com tempo encoberto por volta das 8hr da manhã, pegando até um pouco de garoa na metade da BR-116. Contudo, a previsão dava conta de q aquela visão medonha emoldurada pela janela do veículo nada mais era q a massa fria e úmida q havia recém passado pela capital paranaense (mandando chuva durante td semana), e que agora se dirigia pra São Paulo. Dito e feito, pois bastou passar o limite estadual q a paisagem a nossa volta mudou da água pro vinho. O céu acizentado e agourento dava lugar a a um firmamento mto mais simpático e luminoso, com direito a enormes janelas de céu límpido azulado.
E nesse panorama bem mais promissor abandonamos a BR-116 pra tomar a famosa Estrada da Graciosa (PR-410), onde após passar pelo seu belo portal de entrada rodamos coisa de 5kms e pouco. Dali já podíamos observar o majestuoso gigante verde do Mãe Catira elevando-se do planalto, a sudeste, no extremo de outra cadeia serrana bem maior. Era a Farinha Seca, antiga cumieira já palmilhada noutras duas ocasiões. Aqui é preciso atentar a uma entrada de chão a direita, quase q escondida indo no sentido contrário e q singra o meio da mata indo de encontro ao pé da serra.
A estradinha de terra corresponde a antiga picada do Alemão, q interliga o trecho original da Graciosa com o da rodovia q desce a serra. Não rodamos nem 1km e pronto, estacionamos na Faz. Garbers, bem ao lado da “Casa de Pedra” q por sinal são as ruinas do q sobrou da residência do alemão q deu nome a vereda. Um jovem q atende pelo nome de Vinicius vem nos receber, além de pedir a qtia pelo estacionamento e número de telefone de alguém do grupo. Diz q essas são novas medidas por conta dos “desaparecidos” da semana anterior e do qual se orgulha de ter cooperado ativamente nas buscas. Pergunto do antigo caseiro do lugar, o famoso e robusto Espalha Brasa, q era quem recebia antes com muita conversa a galera montanhista. “Ele brigou com o dono da fazenda faz mais de ano e foi embora. Depois quis voltar mas ai o dono já não queria mais ele…”, responde o jovem.
Enqto ajustávamos as cargueiras nos ombros e fazíamos últimos preparativos da pernada, a Chiara despirocou nos arredores da fazenda, causando comoção na cachorrada local. Ao mesmo tempo olhávamos pro enorme Mãe Catira, q era nosso desafio daquele dia, no caso, o primeiro obstáculo pra atingir de fato o Morro do Sete. Apenas pra constar, o Mãe Catira recebeu este nome devido a uma escrava alforiada que no sec. XVIII fixou residência perto do rio do mesmo nome, às margens da Graciosa.
Iniciamos a caminhada pontualmente ás 13hrs, tomando uma picada próxima do casa em meio a mata, q acompanha a estrada a distância. Até ai o GPS do Rodrigo assinalava certeiros 910m de altitude. Não tardou e a vereda logo tomou a encosta mais próxima, se pirulitando no sentido sudeste em suave aclive. Óbvia, bem batida e oportunamente sinalizada, a trilha ganha altura progressivamente por sua encosta forrada de mata, q por sua vez fornece as raízes necessárias q servem ora como degraus, ora como corrimão. Qq semelhança com o trecho intermediário do PP será mera coincidência. Não tem erro qto o rumo a tomar, tanto q existem setas amarelas pintadas no arvoredo por todo trajeto.
A pernada naquela primeira lombada ascendente progrediu bem, embora não tivéssemos pressa alguma. Afinal, as cargueiras no lombo ditavam nosso ritmo, ou seja, devagar e sempre. A única mais animada era a espivetada basset, q disparava na frente pra depois retornar de modo a verificar se tava td mundo atrás dela. O ritmo moroso tb se deve á umidade excessiva devido as chuvas recentes, q deixara boa parte do trajeto um lamaçal só e, consequentemente, escorregadio. No entanto, apesar de lento a ascensão avançou conforme o programado. Mas logo adiante a piramba embica forte alternando-se com trechos mais amenos,  fazendo o suor começar a escorrer pelo rosto. Mas o frescor proporcionado pela sombra do exuberante arvoredo – q filtrava o sol do meio dia – apenas turbinava de forma refrescante nossa motivação de alcançar o topo daquela primeira montanha.
Por volta das 14:15hrs e aproximadamente na cota dos 1090m temos a primeira das inúmeras e breves paradas daquele dia. Ela se dá oportunamente numa simpatica cascatinha q molha a goela, refresca rostos suados e enche cantis menos abastecidos. Maças, barras de cereais e chocolates são mastigados sob o olhar “pidão” da Chiara, q parece não ser alimentada pela sua suposta zelosa dona. A pernada então prossegue no mesmo compasso anterior, sempre atentando pras marcações na vegetação sem gde dificuldade. A vereda, pro sua vez mais íngreme, alterna trechos secos ou forrados de folhas, com outros predominantemente encharcados ou tomados pela lama. Os obstáculos se reversam com frequência maior: seja com gigantes da floresta tombados dos quais basta desviar; com mato em volta diminuído de tamanho mas mostrando-se mais agreste, principalmente com enormes bromélias cortantes invadindo a trilha ou taquarinhas agarrando-se na mochila; e qdo a declividade aperta mais e demanda uso das mãos pra vencer o degrau sgte. A Chiara, claro, tinha a oportuna ajuda qdo suas curtas patinhas não davam conta da escalaminhada da vez.
Emergimos nos primeiros campos de altitude pouco antes das 16hrs e imediatamente os horizontes parecem se ampliar permitindo um magnífico vislumbre a nossa volta. A silhueta inconfundível do Ibitiraquire e da Baitaca surgem ao norte, enqto o sul é contemplado pelos maciços q dão continuidade á cumieira da Farinha Seca, no caso, o Polegar, Casfrei, Esporão do Vita e o Tapapui. Atrás destes, o Marumbi erguia-se altivamente a sudeste. Em meio aos arbustos e caratuvas reparamos a existência de fitas recentes dispostas na vegetação, provavelmente pra reforçar direção exata da trilha, pois a marcação na pedra de fato estava bem apagada. Nossa breve parada se deu justamente no cocoruto rochosoq serve de mirante, ao lado dessa marcação, que por sinal é na bifurcação onde uma via leva ao topo do Mãe Catira e a outra desce a pirambeira rumo a Farinha Seca.
O restante da ascensão se deu alternando trechos abertos e baixos capões de mata, repletos de espessa macega , q nada mais é a vegetação lenhosa q forra esta região de pré-cume. O chão tb ora mostrava-se seco mas era predominantemente úmido, com lama, brejo e charco. A Chiara q o diga, pois ganhou “meias” marrons num piscar de olhos! E enqto ganhávamos altitude suavemente em largos ziguezagues as brumas subitamente tomavam conta da paisagem, permitindo visu apenas por janelas esparsas. Foi durante td esse trajeto q começamos a ficar de olho nalgum bom pra passar a noite, pois via improvável aquela altura do campeonato alcançar o Sete. Lixo? Nenhum.
Não demorou e pouco antes das 17hr atingimos os 1457m do cume florestado por matinha nebular do Mãe Catira, q se resumia a um espaço exíguo da trilha onde destoava um marco geodésico. Cercado de mato, a fresta da continuidade da vereda possibilitava vislumbre do Morro Sete e da baia de Paranaguá, reluzindo ao sul. Como ali era úmido e desconfortável demais, retrocedemos umas duas dezenas de metros e fincamos acampamento numa esteita clareira – na verdade, um trecho seco, gramado e largo da trilha – q antecedia o cume, fora da mata. Não sei como, mas com um pouco de “jardinagem” conseguimos espremer duas barracas naquele exíguo espaço!  O fato era q ali era infinitamente melhor q qq outra coisa, no caso, bivake ao relento.
Na sequência veio o sagrado ritual da janta, onde cada um teve seu rango particular. Eu devorei minha gororoba, a Ju seu Cup Nuddles, o Rodrigo seu macarrão japonês, a Carol seu risoto e a Chiara, fominha, lascou de tudo isso um pouco! Àquela altura as brumas a muito tinham se dispersado, possibilitando vislumbre quase panorâmico a nossa volta. O recorte silhuetado do Ibitiraquire e Farinha Seca destoavam da horizontalidade do planalto, do qual começavam já a faiscar as luzes de Curitiba. Mas foi só após o lindo por-do-sol q tds se recolheram, exaustos não apenas da ascensão mas da cansativa viagem de carro. O firmamento encheu-se de estrelas e a noite transcorreu serena e tranquila, mas tb fria e bastante úmida. A lua quase cheia iluminou de forma impar td aquela cumeira serrana e o silêncio do lugar so era quebrado eventualmente por alguma composição da All singrando a linha férrea, ao longe no Marumbi.
O dia amanhece lindamente radiante, mas o frio gostoso segura td mundo no saco-de-dormir por um bom tempo. Somente qdo os braços do Astro-Rei tocam as barracas é q de fato damos inicio áquele dia propriamente dito. Um enorme tapete de nuvens forrava o planalto deixando visível apenas a cumieira da maioria das montanhas significativas da região. O orvalho gélido acumulado na mata apenas cunhou de vez nossa sábia decisão de acampar, pois lá fora tava td ensopado. Dureza geral foi calçar as botas úmidas, penúria amenizada somente durante o preparo dum saboroso café-da-manhã. O desjejum foi efetuado simultaneamente com o desmonte do acampamento, seguido pela secagem ao relento das barracas e arrumação da mochila. Mocozamos então as mesmas no mato, próximo do marco geodésico, e nos pirulitamos pro ataque derradeiro pro Morro Sete.
Por volta das 9:30hr iniciamos efetivamente a íngreme e interminável descida até o largo selado, que interliga o Mãe Catira ao Morro Sete. E tome desescalaminhada por raízes, galhos, pedras e muita lama em meio á macega espessa da íngreme encosta, q exige esforço extra dos joelhos. Processo q nos tomou um tempo considerável pois havia q prestar bem atenção onde se pisava ou colocava a mão pra prosseguir avanço com a devida segurança. Da mesma forma q a subida do Mãe Catira, a rota é obvia, fitada e bem demarcada, embora mais estreita e rústica q o trecho anterior. Logicamente q aqui a Chiara teve dificuldades de atingir degraus q superassem o comprimento de suas minúsculas patinhas, mas nada q uma ajudinha de quem tivesse próximo não resolvesse.
Pouco depois das 10hr o terreno começou a suavizar, sinal da proximidade do selado q se deu de fato na cota dos 1260m. Dali bastou avançar tranquilamente na direção sul, agora subindo outra vez mas com inclinação bem mais agradável. No selado reparamos q havia água potável correndo pela encosta e aproximadamente três mocós (bem separados) onde é possível espremer uma barraca com relativa folga. Coberto por um enorme banhado, forrado de mato mais alto e pequeno arvoredo, o mais indicado prum dia chuvosp é bikacar em rede, mas no geral o selado é tremendamente mais úmido e frio do lugar q nos acolhera.
Pois bem, após chafurdar atraves de muito brejo comecamos a emergir da mata fechada e passar a palmilhar a suave encosta norte do Morro Sete. A trilha alterna charco, pequenos capões de macega e capinzal alto. Eventualmente se vale de estreitos lajedos úmidos, mas o caminho é basicamente lama. O melhor é a vista q se amplia de tal forma q possibilita uma panorâmica fantástica do quadrante norte exibindo td imponência do conjunto Ibitiraquire á luz daquele final de manhã. Até aqui tds nos vemos separados, cada um seguindo seu próprio ritmo, mas não tem segredo pois a rota é uma só.
A precária vereda avança pelos arbustos e última macega, se esgueira por umas pedras e finalmente emerge nos cocorutos rochosos q sinalizam o topo dos 1359m do Morro Sete, onde repousa uma caixa metálica q guarda o livro (no caso, caderno) de cume. Assim, a exatas 11hr comemoramos a chegada àquele privilegiado topo com vista panorâmica incrível. Além do Ibitiraquire, a paisagem contempla a extensa faixa litorânea da Baia de Paranaguá e Antonina, uma pequenina Morretes e o impressionante e abrupto desfiladeiro por onde corre o Rio Canoas, assim como uma nova perspectiva das montanhas q integram a Farinha Seca. Nesse contexto, claro, o Marumbi e as Serra da Prata e da Igreja surgem como recortes distantes, porém não menos imponentes, na horizontalidade da planície. Donos absolutos da montanha, nos regateamos com um merecido pit-stop de contemplação, descanso, saboreada de lanche e assinada do livro de cume. Até uma orgulhosa Chiara deixou a marca de suas patinhas na bagaça! Minha idéia era adrenar o rolê e seguir até a beirada do paredão, mas vendo q o tempo se diluía rapidamente e ainda tínhamos muito chão pra retornar, decidi q até ali já tava bom demais. Ou seja, missão cumprida.
Pouco depois do meio-dia e bastante satisfeitos, iniciamos o caminho de volta, q se deu com mais agilidade e rapidez q a ida. A subida do Mãe Catira foi até mais tranquila, onde até tropeçamos com as únicas almas vivas na serra, no caso, um trio dos Montanhistas de Cristo q curtia o lindo dia no Sete. É, parece q o aguaceiro daquele final de semana útil desanimara qq intenção dos curitibanos de pisar em montanha q fosse. Assim, as 13hr alcançamos o topo do Mãe Catira, descansamos um pouco e novamente de pose das cargueiras comecamos de fato a jornada de volta ao veiculo. Retorno este feito sem pressa alguma e na maior tranquilidade, distanciados uns dos outros com cada um seguindo seu próprio ritmo. Com direito, claro, a uma paradinha providencial de descanso na cachoeirinha, as 15:30hr, e ultima beliscada de lanchinho.
Retornamos á fazenda lá pelas 16:30hr, mudamos nossas vestes e iniciamos a dura e longa jornada de volta. Por pouco não ficamos atolados no quintal lamacento da fazenda, mas a habilidade impar do Rodrigo nos livrou de mais um pernoite forçado no pé da serra. “É, qdo chove precisa de uma semana pra secar bem o chão!”, explica Vinicius. Na sequencia, nos despedimos do estado Paranaense mas não sem antes passar no famoso quiosque de pastéis ao lado do portal da Graciosa, onde forramos o estomago de modo a seguir pelo asfalto de bucho cheio. Mas com o bravo e determinado Rodrigo no volante, chegamos enfim na capital paulistana pouco depois das 22hrs, já sentindo saudades da bela serrinha palmilhada.
O Morro do Sete é programa sussa q demanda uma caminhada moderada prum bate-volta, porém sem maiores dificuldades de orientação. Ou faça como a gente e pernoite no trajeto, com mais folga e tranquilidade. O trio perdido mencionado no inicio descuidou-se ao retornar do Sete e, descendo o Mãe Catira, errou a entrada da trilha acompanhando o rastro mais batido q os levou pro primeiro fundo vale da Farinha Seca. De fato, o caminho mais óbvio é o q leva á travessia pois as marcações pintadas no chão estão quase apagadas. Ainda assim esse é um erro tolo pois um pouco de atenção e o mínimo de conhecimento de navegação teria sanado o equivoco a tempo. De qualquer maneira, a ascensão ao Morro do Sete é fácil, sem dúvida. Fica a dica de além de alcançar o topo do Sete, rasgar mato por mais 150m na direção leste onde o chão termina abruptamente, pra dali se debruçar na beirada do paredão principal. Sim, a vista logo acima do número q dá nome ao morro e q despenca 600m verticais até a Graciosa deve ser fantástica! Mas ai precisa de um pouco mais de vontade e empenho, claro.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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