O oceano é a maior paisagem na Terra, mas a meu ver é estranho e hostil ao homem. Sua força e mobilidade são ameaçadoras, ele aparece como instável e desconhecido, um ambiente onde não podemos respirar e sobreviver. Ele representa a dinâmica da vida, o estado transitório das coisas, o inconsciente e a aventura, o reduto dos monstros e das sereias.

Feiticeiras encantadoras, seres híbridos que trazem aos homens felicidade e castigo.

Acho que temos reverência pelo mar, como temos pela montanha. Ambos nos afirmam o poder e o mistério da natureza. Só são superados pela imensidão do espaço sideral, mas ele não está ao nosso alcance, não faz parte de nossa experiência.
Ao contrário, mar e montanha sempre estiveram presentes conosco nas nossas jornadas, locais de conquista e de descoberta, de refúgio e de felicidade, de vida e nascimento e também de desaparecimento.
A Origem do Oceano
Se o espaço nos parece infinito, o oceano seria para nós incomensurável, limitado mas sem medida, de tão enorme. Ele é mais de 2/3 da superfície da Terra e igual medida da produção do oxigênio, que é o gás da nossa vida.
E foi na água que a vida surgiu, impulsionada por elementos primitivos como metano e amônia, por descargas elétricas de um mundo tempestuoso e pela radiação de um planeta ainda desprovido de atmosfera protetora.
Entendo que a vida pode ter aparecido da aglutinação que gerou complexidade: de aminoácidos a proteínas, de moléculas a células, de estruturas a metabolismos.
Esse não foi um processo linear, tendo resultado de infinitas combinações desordenadas. Mas com um elemento comum: proximidade e repetição em meios aquosos. E esses eram os mares primitivos, quentes e rasos, favoráveis às reações químicas.

A origem da vida, a partir das primeiras moléculas, do ácido RNA precursor do DNA
E como surgiram os mares? Eles eram ensaiados pela presença no universo dos elementos componentes da água, hidrogênio e oxigênio.
Sua união se deu sob a forma de vapor, primeiro aprisionado na pesada atmosfera primitiva, depois precipitado sob a forma de chuva torrencial e em seguida acrescido pelo vapor expulso da crosta terrestre e pelo impacto dos cometas e meteoritos aquosos. O mar existe desde 3.5 bilhões de anos, formado quando a Terra tinha 1 bilhão de anos.
As águas que criaram os mares arrastaram os sais das rochas, como sódio e cálcio, com as quais entravam em contato. Os vulcões expeliram gases de carbono e enxofre que depois se precipitaram.
E o magma aquecido infiltrou no assoalho oceânico o cloro, carbono e iodo da água juvenil do seu interior. Assim, os oceanos se tornaram ricos e favoráveis à vida, abrigando a biodiversidade do planeta.

Os oceanos primitivos eram rasos, quase ferventes e atravessados por raios e radiações.
Ao longo do tempo geológico, esses compostos acumularam-se na água do mar, atingiram seu equilíbrio e originaram a grande quantidade de sais nela dissolvidos.
A salinidade do mar é de 3.5%, sendo feita principalmente pelo cloreto de sódio (fora enxofre, magnésio, cálcio e potássio). Ela influencia a densidade da água, a movimentação das correntes oceânicas, o formato e o funcionamento da vida marinha.
O Ciclo do Oceano
Mais fluido do que a terra, o mar se movimenta mais. E, como é comum na natureza, de maneira recorrente, periódica. Por isso, vou lhe falar dos ciclos associados ao mar.
Devido às forças de atração do Sol e sobretudo da Lua, o oceano tem o seu nível elevado ou rebaixado, nas marés alta e baixa, que normalmente acontecem duas vezes ao dia.
Mas, mais do que as marés, são as ondas que exprimem o movimento do mar, em especial durante as coloridas e velozes arrebentações nas praias e as ocorrências das longas e poderosas swells, formadas sob os fortes ventos.

As correntes superficiais oceânicas (Fonte – Wikimedia Commons).
Menos visuais mas mais importantes são as correntes marinhas. O vento impele a superfície do mar na direção do seu sopro, gerando uma corrente. Quando isso ocorre, as águas próximas fluem para preencher a lacuna deixada.
Nos trópicos os ventos sopram de leste e nas latitudes médias, de oeste – por isto, formam-se grandes giros circulares no Atlântico, no Pacífico e no Índico. As águas quentes dos trópicos irão aquecer as regiões temperadas e as águas frias irão temperar o calor das regiões tropicais. Assim, a circulação oceânica contribui para moderar o clima da Terra.
Mas esta é a circulação rasa dos oceanos. Existe a profunda, chamada de termoalina (ou termosalina), causada por diferenças de densidade, fruto da variação da salinidade e da temperatura. Nas altas latitudes, a água é mais fria e salgada, fluindo no Atlântico no sentido sul da Antártida. Ao encontrar outros fluxos frios, rumam para leste e depois para norte no Índico e no Pacífico.

A circulação termoalina profunda.
Águas frias afundam e águas quentes emergem, o que traz um equilíbrio de calor, aquecendo a Europa e resfriando a América. Além disto, as águas densas carregam com elas o CO2 superficial, depositando-o no fundo do mar e diminuindo o aquecimento global. Elas também carreiam consigo o O2, evitando seu esgotamento nos mares profundos.
Diferentemente da superficial, essa circulação acontece tanto horizontal como verticalmente e é muito lenta, levando mil anos para se completar – mas é fundamental para a regulação do clima e da vida, pois mais que reciclar, ela renova o oceano.
O Ciclo da Água
Existe uma troca contínua de água nos diversos locais onde é encontrada: no mar, na superfície ou na profundeza do solo, na atmosfera e nas plantas. A água é a única substância na natureza que pode ser normalmente encontrada nos três estados, sólido, líquido e gasoso, implicando a transformação contínua de um estado para outro.

O ciclo da água.
A energia solar que incide sobre a Terra faz com que a água dos oceanos evapore. O vapor d´água circula na atmosfera por distâncias enormes, que podem chegar a mil km, até se condensar sobre os continentes, como chuva ou neve.
A neve pode permanecer nas montanhas por mil anos, mas a chuva precipita-se sobre o solo, alimentando os rios e lagos, ou infiltra-se no seu interior, abastecendo os lençóis freáticos.
As plantas têm um papel importante, pois absorvem a água que cai e a devolvem à atmosfera por transpiração ou evaporação. Também os rios retornam as águas aos oceanos, ao fluírem para eles.
O vapor transportado do mar atinge 36×10¹² toneladas por ano, a evapotranspiração sobre a terra contribui com 70×10¹² e a precipitação da chuva, com a soma anterior, ou 106×10¹².
É por isto que ocorre um ciclo, pois o movimento da água resulta circular. Este ciclo é fundamental para o controle do clima, a reciclagem dos nutrientes, a produção de energia, a manutenção da vida.
O Ciclo do Carbono
O carbono é a base da vida, pois é o elemento fundamental da matéria orgânica (outros mundos podem ser formados por exemplo a partir do nitrogênio, do enxofre ou do potássio). Mas ele também tem a forma inorgânica, encontrada nas rochas.
Assim como a água, o carbono circula pelos oceanos, pela atmosfera e pela terra. Mas apresenta dois ciclos distintos – o geológico ou lento e o biológico ou rápido.
No primeiro caso, trata-se do carbono por assim dizer ancestral, criado quando da formação da Terra e depositado na crosta terrestre sob a forma de rochas calcárias.
Elas são compostas por carbonatos, que resultaram da reação do cálcio com o ácido carbônico, que proveio do CO2 atmosférico. Esses carbonatos são arrastados pela erosão para os oceanos, onde se acumulam no fundo dos mares.
Porém, essas rochas podem aflorar devido a movimentos tectônicos, resultantes do choque entre placas da crosta terrestre. Tais eventos geram muito calor, que liberta novamente o CO2 para a atmosfera. Ele pode também ser liberado pelas erupções vulcânicas. Esses processos se desenvolvem por centenas de milhares de anos.

O ciclo global do carbono. Na realidade, a biosfera é permanentemente reciclada. Há também os ciclos do oxigênio, amônia, nitrogênio, silício, enxofre e muitos outros.
O ciclo biológico se renova a apenas cada vinte anos. O CO2 atmosférico é absorvido pelas plantas que produzem pela fotossíntese o oxigênio e a glicose. Os animais e as plantas usam a energia contida na glicose e devolvem pela respiração o CO2 ao meio ambiente. A decomposição da matéria orgânica tem o mesmo resultado, pois fungos e bactérias também respiram. Assim, o gás carbônico é reciclado.
Curiosamente, existe um carbono orgânico que convive com a escala geológica. É o caso do carvão ou petróleo, que resultaram da decomposição da matéria sem oxigênio, seguida de soterramento. Seus depósitos fósseis são gigantescos, de talvez 10×10¹² toneladas. Mas a atual queima desses combustíveis faz com que estejam migrando do ciclo lento para o rápido.
O estoque de carbono na atmosfera é pequeno, inferior a 1×10¹² toneladas, porém é muito ativo na sua interação com os demais. O estoque da superfície terrestre é de 20×10¹² e o oceânico, de 40×10¹² toneladas. Mas a crosta e o manto terrestre concentram impressionantes 120×1015 toneladas no seu interior.
Deveria haver um equilíbrio entre o gás absorvido e emitido pelos oceanos, pois a vida marinha consome muito CO2. Mas o mundo está se aquecendo, o que diminui a capacidade de os mares reterem o gás.

Depósitos de carbono da biosfera. Permafrost são solos permanentemente congelados, 20 pct da superfície do planeta (Fonte- Climate Change Resource Center).
Até o fim do século, as emissões de CO2 da pecuária, da indústria e dos veículos deve aumentar a temperatura global em 3⁰C. Então, como o equilíbrio foi rompido, sem que as outras partes da Terra como as florestas pudessem corrigi-lo, os mares irão se tornar mais ácidos, com consequências horríveis para a vida.
Mas esta é uma história com mais de um vilão, e existe outro mais cruel ainda: o metano. O CH4 é um gás estufa dezenas de vezes pior do que o CO2 , mas que felizmente encontra-se fixado (em quantidades assombrosas) seja no fundo do oceano, seja nos solos congelados.
Sob baixas temperaturas e altas pressões, ele tem se mantido estável. Mas se for aquecido e liberado, em locais como a Sibéria e o Ártico, será rapidamente oxidado e transformado em CO2. E o planeta experimentará um aumento catastrófico de acidez e de calor.
Ácido ou Básico
A acidez é representada por uma escala que mede a quantidade de íons de hidrogênio H+ soltos no que os químicos chamam de solução. O átomo de H possui um próton positivo e um elétron negativo. Se perder esse elétron, sua carga elétrica será então positiva. As reações químicas na água são fortemente afetadas pela presença desses íons, dissolvidos e associativos.
As bases alcalinas são opostas aos ácidos. Elas liberam radicais OH¯, de carga elétrica negativa, inversos aos íons H+, carregados positivamente. A acidez e a alcalinidade são importantes para o funcionamento das plantas e dos animais. Existe uma escala de pH (ou potencial hidrogeniônico) que mede a acidez e cujo ponto neutro é 7.0. Abaixo disto é ácido e acima, alcalino.
A água do oceano é levemente alcalina, com um pH antes da Revolução Industrial de 8.2. Depois dela, veio sendo reduzido, estando hoje abaixo de 8.1, o que significa 30% mais ácido.
No fim do século, o pH deve chegar a 7.7, ou 300% mais ácido. Sei que você deve estar curioso porque variações tão pequenas acarretam aumentos tão grandes.

A escala do pH.
Deixe-me comparar com os terremotos, cuja magnitude é medida pela escala Richter, de 1 a 10. Eles podem ter uma enorme variação de energia, que não seria representável numa escala linear.
Neste caso, usa-se uma escala logarítmica (de base 10), onde cada nível é dez vezes mais intenso do que o anterior. Por exemplo, o nível 5 é dez vezes mais forte do que o 4, o 6 é cem vezes mais e o 7, mil vezes.
A acidez apresenta o mesmo comportamento variável do terremoto, por isto a escala do pH é também logarítmica. Pessoalmente, lastimo esta escolha, pois ela não enfatiza os grandes riscos das pequenas variações.
Se o pH de seu sangue cair algo abaixo de 7.4, você provavelmente morrerá. Se o solo tiver um pH abaixo de 5.0, terá falta de potássio; se acima de 8.0, de ferro. O desenvolvimento das plantas e o metabolismo dos animais é fortemente afetado pelo nível de pH – e dentro de limites estreitos.
Vida Ácida
Já comentei sobre o aumento sem precedentes das emissões de CO2, ainda mais quando combinado com as altas temperaturas e os baixos níveis de oxigênio.
Se o aumento dessas emissões não for absorvido pelo oceano, voltará para a atmosfera, acarretando seu aquecimento, como numa estufa. Se for (e metade dele, de fato, é), haverá uma mudança na química do mar, com aumento de íons ácidos e diminuição do carbonato disponível.

O processo de acidificação, quando são criados íons de hidrogênio e de carbonato.
Deixe-me mostrar como isso acontece. O CO2 combina-se com a água para formar o ácido carbônico. Ele infelizmente não se mantém estável – fragmenta-se nos íons positivo de hidrogênio e negativo de carbonato. E esses são dois vilões.
O primeiro diminui diretamente o pH, que dissolve as formações ósseas. O segundo associa-se para formar o bicarbonato, diminuindo a oferta do carbonato, cuja captura é essencial para formar as estruturas ósseas.
E essas mudanças são nefastas. Ostras, esponjas, moluscos e sobretudo plânctons e corais são afetados. Embora ocupem algo como um milésimo do mar, os corais são ambientes onde ¼ de toda a vida marinha é criada. O plâncton é fundamental na captura do CO2 e emissão do O2. Assim, os mares também se tornam pobres em oxigênio.
Alterações como essas não foram experimentadas nos últimos 300 milhões de anos. Para que possam ser absorvidas necessitam intervalos acima de 100 mil anos. Quando mudanças rápidas e intensas como o aquecimento e a acidificação ocorreram, elas produziram no passado as extinções em massa. E o estudo dos fósseis indica que levam milênios para serem compensadas.

A abundância dos mares, onde existiriam 3.5 trilhões de seres (Fonte – Dênis Nascimento).
Infelizmente, está em curso um processo acumulativo – acidez crescente, aquecimento global, desoxigenação, poluição tóxica, aumento no ruido oceânico, chuva ácida. Deixe-me acrescentar a pesca predatória, que levou ao limite de exaustão 80% de todas as espécies marinhas valiosas e 70% de todas as principais áreas de captura.
Vou fazer agora alguns breves comentários. Talvez menos de 1% de todas as espécies que um dia já existiram ainda estejam vivas, pois a vida se renova naturalmente. Mas a atual taxa de extinções é de 100-200 vezes superior à esperada sem a ação humana.
A variabilidade genética diminuída tornará os seres marinhos vulneráveis a doenças, afetará sua fertilidade, comportamento e crescimento, tornará mais difícil a locomoção e a orientação e mudará as ofertas de alimentos, os territórios e as migrações, reduzindo sua capacidade de adaptação.
Embora a vida seja entrelaçada, parece haver espécies mais importantes que outras. Nos mares, o rápido declínio das populações de baleias e tubarões é desastroso. Elas ocupam uma posição chave no topo da cadeia alimentar e sua escassez deverá acarretar extinções em cascata. A morte das baleias e dos tubarões pode desorganizar os ecossistemas próximos por milhões de anos.

O oceano abrange 30% da biodiversidade total, mas só um décimo dela foi catalogada.
Uma outra consequência do desaparecimento dos grandes seres marinhos é o crescimento explosivo de algumas espécies das quais se alimentam. O atual desequilíbrio do mar tem facilitado a invasão de espécies exóticas e invasoras, como arraias, medusas e ouriços. Toda essa maciça interferência no oceano tende a erradicar a biodiversidade e provocar uma grande simplificação das espécies.
O resumo dessa situação pode ser assim descrito, no texto adaptado abaixo: O principal reflexo disto para as futuras gerações, com necessidades muito maiores do que as atuais, é que elas terão de viver num planeta de recursos drasticamente empobrecidos, cujo clima poderá ser bem diferente e mais desafiador e cujas espécies sobreviventes passarão, por longas eras, por um instável e imprevisível processo de adaptação e rearranjo geográfico, com amplo predomínio de poucas espécies invasivas, cosmopolitas, resistentes e adaptáveis, como ratos e pombos, baratas e insetos, arraias e algas, cactos e eucaliptos, e com grande tendência à homogeneização dos ecossistemas.
Planeta Morto
Como será o oceano do futuro? Aparentemente, só podemos especular. No início, teremos mais e não menos mar, devido ao aumento de seu volume pelo aquecimento global. Arquipélagos estarão submersos e o litoral do mundo, inundado. O aumento das algas tornará o oceano mais bonito, com novo colorido, brilho e contraste.
Mas estas serão algas tóxicas, que envenenarão aves e peixes. A acidez terá dissolvido os corais e danificado os mangues, erradicando os maiores berçários oceânicos. Sem a proteção e a reciprocidade do mar, o clima será inóspito, com excessiva umidade nas regiões tropicais e secura nas temperadas, repleto de furacões e incertezas.
Florestas virarão savanas e savanas, desertos, mas o gelo será coberto pela grama e arbustos temperados se tornarão florestas. As espécies serão crescentemente extintas – talvez sobrevivam apenas pequenos seres como insetos, moluscos e anfíbios.

Era uma vez um planeta azul, úmido e vivo.
Com o fim da humanidade, serão então cessadas as emissões quentes e o planeta migrará para uma nova era do gelo. Mas, sem o equilíbrio e a reciclagem da vida, sua atmosfera não mais reterá os gases e sua superfície ficará exposta às radiações cósmicas. A Terra perderá sua água e sua vida. O planeta azul será agora um corpo morto.















