O pico Olho d’Água

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Ele é o guardião de Mairiporã, município que dista 40km da capital paulistana que repousa seu ar pacato e interiorano a seus pés. Também conhecido por Morro do Juqueri e ponto mais alto da região, o Pico do Olho D’água deve seu nome aos veios do precioso liquido que brotam em suas encostas serranas.

Tombado pelo Condephat e detentor de vista espetacular, alcançar o alto dos seus 1180m não é segredo algum pois há uma via asfaltada que vai até lá. Contudo, no intuito de fazer diferente e adrenar um pouco mais o rolê, eis um circuitinho de 9km que atinge o cume emendando as íngremes veredas q cortam seus contrafortes opostos. Opção sussa de pernada num morro urbanóide pertinho de Sampa, ideal pra sentir cheiro de mato dispondo apenas de meio período.
O rolê não foi nadicas programado sendo, na verdade, bolado ás pressas na tarde do dia anterior. Como não tinha nada em vista devido á correria da labuta diária e tendo apenas a manhã do domingo disponível, imediatamente me ocorreu dar um pulo no Pico do Olho D’água. Já tinha subido o morro faz um tempão, mas pela sua entediante estrada q lhe dá acesso, tal qual o Pico do Urubu (em Mogi das Cruzes). Contudo, o boato de q havia uma incrível vereda no contraforte oeste q subia um ombro serrano menos acentuado foi o fator decisivo de retornar áquele q é considerado o guardião de Mairiporã. Como estava em contato com a Lore naquela mesma tarde e seu rolê original havia minguado, topou me acompanhar naquela empreitada basicamente urbanóide. Até pq nem mesmo ela conhecia o morro em questão. E no vácuo dos “sem-programa” daquele dia, vieram junto o Alê, a Elisa e o Márcio. Simbora então, né?
Após rodar uma eternidade nas marginais graças á inteligente medida de redução de velocidade por suas vias expressas, finamente caímos na Rod. Fernão Dias (BR-381) onde avançamos com maior rapidez. A vista emoldurada pela janela do veiculo não tardou em mudar do cinza urbanoide pro verde profundo da Serra da Cantareira e assim, num piscar de olhos, chegamos ao nosso destino, onde estacionamos próximo da feirinha q rolava por volta das 9:15hr. Mairiporã (“cidade bonita”, em tupi) é um município paulistano q tem localização privilegiada pois divide com São Paulo a Serra da Cantareira, motivo q lhe confere inúmeros atrativos naturebas. Já logo de cara é impossível não se encantar com o enorme Pico do Olho D’água, q basicamente domina boa parte do quadrante norte da cidade com suas encostas forradas de verde.
Pois bem, após beliscar um salgado e um caldo de cana na feira, finalmente começamos a pernadinha tocando pro norte, cruzando o pontilhão de concreto q passa sobre o manso e largo Rio Juquery até a simpática pracinha Chioji Okimura, pra dali tomar uma via q basicamente o acompanha na direção oeste, a Rua João Antonio Brilha. A caminhada é tranquila e sussa, até pq aquele lindo dia isento de qq nebulosidade já começava a esquentar consideravelmente. Na segunda bifurcação tomamos a direita, na Rua Salomão Felipe Chamma, agora sim começando a subir suavemente em direção ao sopé do morro. Olhando por sobre o ombro a cidade vai ficando pequenina, dando destaque a enorme pedreira logo atrás, q macula a paisagem de uma forma atroz. Uma vez na Estrada Barbosa de Almeida basta seguir por ela q em questão de minutos há uma óbvia e larga picada enfiada no mato, na encosta serrana a nossa direita. Agora não tem erro já q é só tocar pra cima nela. E põe pra cima nisso!
A trilha neste trecho inicial é bastante íngreme, ligeiramente erodida, repleta de enormes pedras e as vezes é preciso se firmar no arvoredo pra avançar. Por sorte é totalmente florestada, o q nos proporciona a sombra refrescante necessária praquele inicio de jornada. Curiosamente no trajeto existem pequenas (e rústicas) rampas de madeira, proteções acolchoadas e enormes colhões nas árvores no meio do caminho, algumas redes em curvas estratégicas e placas indicando a quilometragem. Ai caiu a ficha: estávamos na medonha “Trilha da Saracura”, uma vereda de downhill!!! Logicamente q não tardam a aparecer os bikers – q mais parecem cavaleiros medievais de tanta proteção – descendo a td velocidade e dos quais temos q fugir da frente pra não ser atropelados. Essa é a regra q vai ditar td nossa ascensão, ou seja, a de ficar bem atento pra não ser abalroado pelos malucos ciclistas.
A subida prossegue no mesmo compasso, lenta, porem firme e forte, pois os degraus parecem surgir um atrás do outro feito uma escadaria de degraus irregulares de terra. E sempre subindo forte pro norte. Mas o consolo é q a exuberante mata a nossa volta se encarrega de passar a tranquilidade e serenidade necessária pra este começo de rolê. Enormes matacões envoltos por raízes surgem a beira do caminho assim como estreitas valas q mais parecem mini-desfiladeiros, nas quais passamos o mais rápido possível de modo a não ser surpreendidos pelos bikers sem local pra refúgio. E a preocupação é real. “Bike!!”, grita o Marcio, lá na frente. Instintivamente saímos da picada e nos prostamos atrás das arvores no caminho. E este processo se repetiu inúmeras vezes, claro. Noutras, a subida do morro tinha emoção e adrenalina!!
Não demora e a vereda suaviza até nivelar em meio a um belo eucaliptal, palmilhando a encosta na direção oeste como q indo de encontro pro verdadeiro ombro serrano menos acentuado. Dito e feito, uma vez neste abaulado lombada a direção passa a ser sempre nordeste, e sempre envoltos em agradável mata secundária caindo de ambos os lados. A pernada prossegue sempre nesse ritmo imutável, ode vez ou outra havia alguma pequena piramba mais acentuada, mas a partir dali a ascensão é basicamente mais suave q do inicio. Rochedos a margem da trilha oferecem apoios pra breve descanso, uma vez q alguns integrantes já demonstram estar ofegantes devido a falta de condicionamento. E sempre atentos pra desviar dos bikers malucos, q eventualmente passam em grupos! Doidera de pensamento partilhada até por eles mesmos em relação á gente: “Meu, não sei como vcs são loucos de subir o morro a pé!”, disse um deles. Pois é, a loucura é relativa.
Assim, após pouco mais de uma hora de subida percebemos q alcançamos o alto daquele setor da serra por não ter mais subida. Uma clareira com sinais de fogueira domina este topo florestado, de onde a vereda se esgueira pro norte por um curto trecho, pra então desembocar numa poeirenta via de terra q atende por Estrada Municipal Juvenal Barbosa de Camargo, já no Jd Dinamarca, onde pontilha uma ou outra chácara. Dali já se tem uma vista do verdadeiro cume do morro, assinalado por uma antenona de transmissão a leste, visivel da estrada e pra qual basta ir de encontro sem gdes problemas de navegação. Da estrada logo tomamos a Rua Georgetown e pronto. Uma vez no sopé da torre, tomamos novamente uma veredinha pelo pasto ralo. Aqui é preciso contornar a antena pela esquerda, onde a vista já começa a se ampliar e onde um improvável casal de seriemas sai correndo pelo vasto descampado, assustado.
Visivelmente percebemos estar em propriedade particular, mas logo um buraco na cerca permite q pisemos no final da estrada oficial de acesso ao Pico. Diferente de td jornada até então, ali há uma profusão de jovens, crianças e até idosos. Os veículos vem e vão, facilitando o acesso ao topo pra qq um. Isso inclui farofeiros e irresponsáveis tb, infelizmente, dada a qtidade de pichações nas pedras, além de lixo e despachos depositados nas primeiras rampas rochosas q servem de mirante. E assim, pouco depois das 11:30hr, alcançamos o cume oficial do Pico do Olho D’água. Uma biruta trepida ao vento fincada num dos rochedos, sinalizando quiçá q o dia está impróprio pra vôos de paraglider, atividade comun no morro. Por ser horário de almoço havia pouca gente, mas mesmo assim buscamos alguns cocorutos rochosos mais afastados onde nos brindamos com um merecido descanso, lanche e contemplação da paisagem. Do alto, além da pacata Mairiporã e a medonha pedreira, é possível avistar outras serras elevando-se em tds as direções. O Ovo da Pata, do PE Juquery, desponta a oeste; a Serra do Itapetinga de Atibaia, emerge ao norte; a Serra do Japi, a noroeste; o Pico do Gil aparece a leste; e finalmente as corcovas verdejantes da Mantiqueira forram boa parte do quadrante sul.
Após quase 40min de descanso empreendemos a volta, agora buscando um modo de retornar pelo contraforte leste do morro, por sinal bem mais ressequido e descampado q o resto. Dali basta avaliar o trecho menos íngreme e ir de encontro a ele. Andamos um pouco cautelosamente pelo capim na direção norte, e logo é interceptada uma evidente vereda com óbvios sinais de duas rodas, no caso, motorizada. Pronto, agora basta tocar pela mesma, q basicamente rasga a encosta dourada de capim na diagonal, perdendo altitude aos poucos. Este trecho é mto mais seco q o contraforte oeste, e se destaca pelos inúmeros rochedos (de tds os tamanhos) pipocando pela encosta da pasto. Qq semelhança com a subida á Pedra Grande de Atibaia não será mera coincidência. Mas não dá nem meia hora q logo caímos numa estrada de chão q atende pelo nome de Doutor Alipio Leme, q logo adiante se transforma numa via asfaltada q é só seguir, sempre descendo. O sol na cara não tarda a a dar lugar a refrescante sombra da mata da encosta sudeste do morro, onde uma enorme jacutinga reclama da nossa passagem. Os sítios e chácaras logo surgem com mais frequência e finalmente bem antes das 14hr já estamos de volta aos veículos. Antes de voltar, ainda dá tempo pra passar nos finalmente da feira onde mandamos ver um suculento pastel, umas latas de breja e refri, além da Lore aproveitar a deixa pra comprar alguns legumes faltando em sua geladeira. Na sequência, tocamos imediatamente pra Sampa a tempo suficiente de td mundo saldar seus demais compromissos.
O GPS do Márcio totalizou 9kms percorridos e desnível irrisório inferior a 500m durante td rolê. Sim, são números insignificantes aos padrões montanheiros. Mas e dai? Resta somente o lamento do topo do morro, supostamente tombado pelo Condephat, se encontrar tão assim degradado tanto pela falta de estrutura como pelos seus visitantes irresponsáveis. De resto, a subida ao pico não tem segredo algum, já q é possível chegar até ele de carro, bike, moto, cavalo, quadriciclo, charrete, monociclo, etc. A gente apenas fez diferente em subir a pé e de forma menos convencional, se valendo das veredas existentes no entorno, nada mais. E isso já ta de bom tamanho. Afinal, pruma manhã dominical com direito a trilha ingreme, emoção garantida e uma vista q não se vê tds os dias o rolê já tinha mais do q valido a pena.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Sensacional! Valeu pelo relato. Estou a procura de trilhas para fazer na região de Mairiporã, fui lendo o artigo e foi possível encontrar as referencias, apesar de já terem se passado 5 anos! Talvez encare o role, porém vou procurar pesquisar o dia de menos movimento dos bikers, se ainda estiverem por lá! hehe… abraço!

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