Os exploradores verdadeiros e originais, homens e mulheres que efetivamente avançaram até onde nenhum humano tinha estado, foram aqueles que deixaram a África 65.000 anos atrás, embarcando numa viagem que, em 2.500 gerações, levou o espírito humano para cada canto do mundo habitado. Wade Davis, escritor e aventureiro.
O Polo Norte (Parte I)
Você já sabe do capítulo anterior que o Polo Norte está situado no ponto em que o eixo de rotação da Terra encontra sua superfície no Hemisfério Norte. As coordenadas do Polo norte são 90 N de latitude e longitude indefinida, pois todos os meridianos se concentram lá.
Você também já leu sobre o campo magnético da Terra. O local onde ele converge a norte é chamado de Polo Magnético Norte. Sua posição muda continuamente, não coincidindo com o polo geográfico. Como o campo magnético terrestre não é simétrico, os polos magnéticos sul e norte não ficam alinhados com o centro da Terra.
O Polo Magnético Norte está hoje a 87⁰N (há uns quinze anos atrás, estava a 83⁰), a uma distância de cerca de 1.500 km do polo geográfico correspondente, numa ilha canadense. Ele está migrando do Canadá para a Sibéria. Os polos estão enfraquecendo, o que os cientistas dizem ser sinal de que irão surpreendentemente se inverter. Isto ocorreu em média a cada 250 mil anos, porém com grande oscilação.
O Ártico não é um continente, apenas uma camada de gelo. Ele é circundado por 14 milhões km² de mar. No local do Polo, a profundidade do Oceano Ártico é assombrosa, de mais de 4.200 metros. Não abriga nenhuma população permanente – o assentamento mais próximo fica na Ilha de Ellesmere no Canadá, a mais de 800 km, comumente adotada como ponto de partida (e, espera-se, de chegada) dos exploradores.
A presença de gás e petróleo tornou o Ártico cobiçado por várias nações. Entretanto, não pertence a nenhuma, embora cinco reivindiquem áreas. Lá os dias e as noites levam seis meses e não há fuso horário, que é definido pelos meridianos. O Polo Norte é relativamente aquecido pelo mar à volta; a temperatura média no inverno é -40⁰C e no verão, de 0⁰C.
A conquista do Polo Norte foi controversa, com uma ruidosa disputa no início do século XX entre Frederick Cook e Robert Peary, na qual provavelmente nenhum deles tinha razão, pois eram ambos embusteiros.
O hemisfério norte sempre foi mais populoso e desenvolvido do que o sul e, por isso, o Ártico sempre superou a Antártida em importância. Chama-se Passagem Noroeste a ligação via Canadá através do Ártico entre o Atlântico e o Pacífico. Até a descoberta da América, seria a rota ideal para conectar por mar a Europa à Ásia. Esta ligação seria naturalmente possível pelo sul, contornando a América e a África, mas no período colonial estava bloqueada por Espanha e Portugal.
Descrita como uma rota mítica, foi buscada durante nada menos do que quatro séculos. Experientes aventureiros como John Cabot, Francis Drake e James Cook fracassaram. Talvez a mais notável expedição tenha sido a de John Franklin, que comandava os dois melhores veleiros da época. Sumiram a tripulação e os navios sem deixar vestígios – talvez devido às embarcações inadequadas, por serem grandes demais.
Foi o norueguês Roald Amundsen na sua modesta chalupa Gjoa quem primeiro a atravessou, na sua expedição de 1903-05. O pequeno barco foi ideal para evitar os bancos de gelo, penetrar nos estreitos canais e contornar o labirinto de ilhas. Muito mais tarde, ao longo de dois anos terminados em 1988, um par de canadenses repetiu o feito, porém num veleiro catamarã em fibra de vidro, quatro vezes menor do que a chalupa de Amundsen.
Mas existe outra passagem, agora pelo lado oposto russo, não canadense: a Passagem Nordeste. Talvez seja um pouco mais curta que os 1.450 km da Noroeste, devido á menor presença de ilhas. Foi um outro nórdico, o sueco Adolf Erik Nordenskjöld (1832-1901) quem conquistou esta via em 1879. Contornou a Sibéria, passou pelo Alaska e chegou ao Japão, antes de retornar pelo canal de Suez. Sua embarcação era um navio baleeiro que ficou retido dez meses no gelo.
E Roald Amundsen repetiu este feito, desta feita com seu navio Maud em 1918-20. Assim como na vez anterior, esta viagem quase lhe custou a vida, com um braço quebrado e um ataque de urso. Até hoje, ele é o único navegador a ter conseguido dar a volta completa no Oceano Ártico.
Mas o aquecimento global tem derretido o gelo polar, que continua sendo o principal obstáculo à navegação – ao se movimentar e romper, ele pode fechar as rotas e esmagar os navios. Se as passagens puderem ser ativamente exploradas, os percursos marítimos serão encurtados em algo como dez mil km. As notáveis travessias de Nordenskjöld e de Amundsen irão se tornar meras rotas comerciais.
Talvez você não saiba, mas há muito roubo e mentira nas escaladas às grandes montanhas. Imagine então um século atrás, e sobre um tópico cercado por tanta expectativa como a conquista do Polo Norte.
Frederick Cook (1865-1940) era um médico norte-americano com bastante experiência no gelo. Ele tinha participado da expedição ao Ártico de Robert Peary em 1891-92, da qual falarei em seguida, e da aventura inaugural da Idade Heroica, no navio Belgica que, pela primeira vez, atravessou um inverno inteiro no gelo polar entre 1897-99. Sua atuação foi fundamental para a sobrevivência da tripulação, na qual constava o jovem Roald Amundsen.
Cook tinha um caráter fraudulento: simplesmente roubou um dicionário feito por um missionário sobre os nativos da Terra do Fogo e simulou a conquista do Monte Denali, o ponto culminante dos Estados Unidos. O Denali (antigo McKinley) é uma montanha maravilhosa no Alasca com 6.200 metros, que só foi realmente conquistada em 1913.
Bem mais tarde, Cook foi julgado, condenado e preso devido ao esquema de manipulação de investimentos por sua empresa petrolífera – porém foi libertado em 1930. Ironicamente, sua empresa havia arrendado áreas no que mais tarde se tornou o maior campo de petróleo terrestre dos Estados Unidos.
Mas seu maior embuste foi divulgar ter conquistado o Polo Norte em abril de 1908, junto com dois inocentes inuit ou esquimós. Saindo do povoado nativo de Annoatok na Groenlândia, muito próximo de onde Peary partiria depois, teriam alcançado o Polo em meros dois meses.
Mas na volta foram impedidos de retornar por um braço de mar que se abriu, quase morrendo de fome e frio durante quatro meses dentro de uma caverna. A expedição acabou consumindo 14 meses. Disse Cook: Éramos as únicas criaturas pulsantes num mundo morto de gelo.
Na sua rota, Cook descobriu documentadamente a Ilha Meighen e afirmou ter feito várias medições no Polo com seu sextante. Foi o primeiro a reportar que havia na volta uma deriva do gelo para oeste, diferentemente do que então se pensava. Mas, assim como Peary, não foi capaz de exibir evidências de sua navegação pelas terras do Ártico. A expedição terminou desacreditada pela Universidade de Copenhagen por falta de provas.
Desde que conseguiu retornar a seu ponto de partida, Cook atravessou mil km com ski até alcançar um entreposto comercial, de onde zarpou para a Europa. Todo seu material foi deixado atrás com um amigo em Annoatok. Peary esteve lá pouco depois e, com sua grosseria habitual, se recusou a transportá-lo até a América. Até hoje não foi encontrado, e talvez nunca seja.
Sim, Cook era desonesto. Mas leia o que um pesquisador escreveu sobre ele: Ele amava e ansiava pelas explorações – mapeando novas rotas e litorais, aprendendo e se adaptando às técnicas de sobrevivência dos esquimós, avançando seu próprio conhecimento, e o do mundo, para o benefício de todos (minha tradução livre). Diferentemente de Peary, Cook conhecia a cultura inuit, falava seu dialeto e adotava a sua dieta alimentar.
Amundsen sabia que devia sua vida à atuação de Cook durante a expedição belga. Por várias vezes, ele o visitou na prisão. Franklin Roosevelt deu-lhe o perdão presidencial em 1940, mas Cook morreu logo em seguida.