A exploração das Regiões Antárticas é a maior peça de exploração geográfica ainda a ser realizada. Tendo em vista o aumento do conhecimento em quase todos os ramos da ciência que resultaria de tal exploração científica, o Congresso recomenda que as sociedades científicas em todo o mundo devam insistir (…) em que este trabalho seja empreendido antes do fim do século. Resolução do Congresso Geográfico Internacional de 1895.
O Polo Sul (Parte I)
Você sabe que a Terra gira em torno de um eixo imaginário, é por isso que temos dias e noites. Pois os pontos onde este eixo encontraria sua superfície são chamados de Polos, sendo os pontos extremos Norte e Sul de nosso planeta. As coordenadas do Polo Sul são 90 S de latitude e longitude indeterminada, pois todos os meridianos convergem lá.
A Terra conta com um forte campo magnético à sua volta, que a protege de radiações nocivas. Ele é enorme, se projeta no espaço e enfraquece à medida que se afasta. Este campo converge a norte e a sul da Terra nos chamados Polos Magnéticos Norte e Sul. Eles são variáveis no tempo e não coincidem com os polos geográficos. O Polo Magnético Sul está a 64⁰S, a uma distância demais de mil km do polo geográfico.
A Antártida é um vasto continente, com uma espessa camada de gelo recobrindo a terra. É circundado por 20 milhões km² de mar. Não abriga nenhuma população permanente e nem pertence a nenhuma nação. Oito países reivindicam áreas no Polo Sul. Lá os dias e as noites levam seis meses e não há fuso horário, que é definido pelos meridianos.
O Polo Sul tem altitude média de quase 2 mil metros, sendo o mais elevado de todos os continentes. É muito mais frio do que o Polo Norte, ainda mais considerando não ser aquecido pelo mar à volta.
Convém lembrar que inclui o Monte Vinson, com 4.900 metros, um dos chamados Sete Cumes, ou seja, os picos mais altos de cada um dos sete continentes. Na Antártida, entre o inverno e o verão as temperaturas médias variam de -80⁰ a -30⁰C.
Foi o norueguês Roald Amundsen quem primeiro atingiu em 1911 o Polo Sul, num épico que será relatado a seguir.
O impulso inicial da chamada Idade Heroica da exploração da Antártida partiu de um discurso em 1893 de John Murray na Real Sociedade Geográfica da Inglaterra. Ele já havia explorado as suas águas dez anos antes e sugeriu que o continente gelado fosse pesquisado. Pouco depois, num congresso de geografia, o inglês Carsten Borchgrevink, primeiro homem a pisar na Antártida, projetou um plano ambicioso para conhecê-la.
Foi então inaugurada a Idade Heroica, com a expedição belga de 1897. E ela se encerrou em 1922, com a impressionante expedição de Ernest Shackleton. Durante ¼ de século, pesquisadores se lançaram em aventuras com poucos recursos de transportes, conhecimentos e comunicações. Os objetivos destas buscas foram atingir os polos geográfico e magnético, cartografar o litoral e conhecer o interior da região. Depois da I Grande Guerra, ela foi sucedida pela chamada Era Mecânica.
Tom Griffiths escreveu que esta era foi heroica porque tinha uma natureza antiquada mesmo antes de ter se iniciado, os seus objetivos eram abstratos, as figuras centrais eram românticas e o seu ideal era a honra nacional. Foi um terreno que serviu para testar as virtudes raciais das nações (…) e foi o último suspiro antes de a Europa se autodestruir na Grande Guerra.
Durante os muitos anos seguintes, a Antártida foi apenas sobrevoada. Só em 1956 o Polo Sul foi de novo visitado, mas a partir de um avião que pousou lá. Foi na década de 1960 que se iniciou a cooperação internacional para o conhecimento da região, com a instalação de dezenas de bases.
Sua mãe queria que fosse médico, e ficasse longe do mar, apesar de sua família ser dona de navios – mas Roald Amundsen (1872-1928) embarcou aos 21 anos num navio de caça às focas e nunca mais deixou a aventura. Amundsen participou da expedição belga que abriu a Idade Heroica, quando ficaram isolados na Antártida por um ano – foi a primeira vez que homens atravessaram um inverno polar inteiro, sem a luz do sol.
Amundsen comprou a chalupa Gjoa (um pequeno veleiro) e comandou em 1903 a expedição pioneira em atravessar a chamada Passagem Noroeste no Ártico, entre o Atlântico e o Pacífico – levaram dois invernos reconhecendo aquele litoral extremamente raso (em grande parte, de um metro), incrivelmente recortado (cheio de ilhas e estreitos) e muito longo (com 1.450 km). Nesta aventura, Amundsen teve de percorrer no fim uma enorme distância a pé e conheceu a cultura inuit ou esquimó, com resultados importantes.
A Passagem Noroeste era um assunto antigo de muitos séculos, que já tinha ocupado seu conterrâneo Fridtjof Nansen (1861-1930). Ele foi uma pessoa importante na vida de Amundsen. Nansen havia atravessado a Groenlândia usando skis e tentara chegar ao Polo Norte navegando por sua costa e tentando cruzar o gelo a pé. Apoiou e aconselhou Amundsen e, sobretudo, lhe cedeu seu navio Fram (Avante), de desenho inovador.
O Fram era uma beleza, pequeno e leve, com um casco projetado para ser levantado e não esmagado pela pressão do gelo (você verá, isto aconteceu com o Endurance). O casco arredondado, dizia Nansen, lhe permitia deslizar como uma enguia pelo gelo. No mar aberto, era entretanto lento e instável – seu comprimento era apenas 3½ vezes sua envergadura.
Feito com as melhores madeiras da época, reforçado com chapas de aço, tinha o leme e a hélice protegidos do gelo dentro de dois poços internos. Ninguém menos do que Amyr Klink se inspirou nele para construir seu veleiro Paraty.
Neste período de sua vida, Amundsen obteve no Ártico o conhecimento que aplicou para conquistar a Antártida. Aprendeu a usar trenós puxados por cães – não em fila mas em leque, como faziam na Groenlândia. Aperfeiçoou os skis, tornando-os mais leves e fortes. Seus trenós combinavam madeira e aço e eram mais longos para superar as fendas no gelo. As fortes e práticas tendas tinham o chão incorporado e uma única estaca de apoio.
Seu vestuário recorreu às peles de foca, de rena e de lobo dos esquimós, bem como a tecidos de gabardina com fios grossos e próximos. Este foi desenvolvido pela centenária firma de moda Burberry, que também forneceu a vestimenta de Ernest Shackleton, de quem falarei em seguida, e de George Mallory, o lendário explorador do Everest. Curiosamente, o logo da empresa era uma palavra latina que significa avante.
A logística de Amundsen imitou a estratégia dos montanhistas, com depósitos avançados de suprimentos, o que já não era então inovador. E soube se proteger do escorbuto, doença mal compreendida à época. Bem como se prevenir da depressão e da animosidade nas pessoas causadas pelo escuro, pelo frio e pelo cansaço.
Em 1910, Amundsen partiu para alcançar o Polo Norte, mas a notícia de sua conquista pelo norte-americano Robert Peary fez com que mudasse secretamente seus planos. Exatamente nesta época, a expedição britânica Terra Nova comandada por Robert Scott navegava rumo ao Polo Sul. Receberam no caminho a mensagem um tanto defensiva de Amundsen: Tomo a liberdade de lhe informar que o Fram se dirige à Antártida.
Scott havia ajudado Amundsen, já que não o via como um concorrente. A mudança de planos de Amundsen foi condenada pelo público, mas ele tinha fortes razões para tomá-la. Se o objetivo de sua expedição fosse mantido, não passaria de um segundo lugar no Polo Norte; se fosse publicamente alterado para o Polo Sul, poderia perder os recursos, o apoio do governo e até mesmo a cessão do navio por Nansen.
As duas expedições se encontraram no litoral norte e mantiveram um comportamento cordial. Mas cada qual saiu de um ponto diferente: Amundsen da Baía das Baleias e Scott da Ilha de Ross, com um trajeto 100 km menor para o primeiro. Passados dois meses, o sol se pôs, para só reaparecer quatro meses depois em agosto de 1911. Amundsen teve de abortar uma partida precipitada, mas iniciou sua marcha final em outubro: cinco homens, quatro trenós, cinquenta cães.
Tiveram que subir por dias um duro glaciar, para atravessar o planalto antártico. Dos 45 cães que subiram, 27 foram mortos como alimento. Cada membro do grupo, responsável por um trenó, abateu parte de seus animais e dividiu a carne entre homens e cães (…) o cozinheiro mostrou os seus dotes na preparação e apresentação da comida, diz um relato.
Amundsen atravessou no nevoeiro um terreno perigoso e chegou ao Polo em dezembro. Passaram três dias fazendo medições para encontrar seu local exato. É interessante comparar seus cuidados técnicos com as bravatas arrogantes de Robert Peary no Polo Norte.
Roald Amundsen disse quando estava num campo a 1½ milhas do polo geográfico: É claro que cada um de nós sabia que não estávamos no lugar absoluto; seria impossível com o tempo e os instrumentos à nossa disposição determinarmos o local exato. Mas estávamos tão perto do Polo que as poucas milhas que possivelmente nos separavam dele não teriam a menor importância.
Deixaram uma tenda com equipamentos para Scott e partiram, para chegar na sua base em janeiro. No total, ida e volta foram 99 dias e 3.440 km. Amundsen comentou com estranha e talvez injusta ironia: Nunca antes um homem atingiu um objetivo tão oposto aos seus desejos. A região à volta do Polo Norte (…) fascinou-me desde a minha infância, e agora aqui estou, no Polo Sul. Pode algo ser mais alucinante?
A morte de Scott num certo sentido ofuscou a conquista de Amundsen, tornando o primeiro um mártir (se bem que, a meu ver, fruto de sua incompetência). De todos os aventureiros do gelo, Amundsen foi provavelmente o mais capaz – brilhante, corajoso, racional, criativo e incansável, mas também cruel e talvez desleal.
Depois da conquista, Amundsen segue em frente e enriquece com o comércio para o abastecimento de navios. Tenta a seguir sem sucesso alcançar o Polo Norte com sua nova embarcação Maud, mas consegue atravessar a Passagem Nordeste, também entre os dois oceanos. Ele se torna o primeiro (e até hoje único) explorador a cruzar essas duas passagens.
Em 1926 sobrevoa o Polo Norte com o dirigível Norge, projetado pelo engenheiro italiano Umberto Nobile. Foi para regatar este seu amigo que Amundsen volta ao Ártico no seu hidroavião. Em 1928, o aparelho cai e nunca é achado. Amundsen permanece para sempre no Ártico que tanto amava. Já a escuna Fram nunca foi danificada e navegou em 1936 pela última vez, sob o comando daquele cozinheiro de cães. E se aposentou em Oslo como um museu.